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Nosso momento cultural é obcecado pelo casamento, embora de maneira paradoxal. Por um lado, o movimento “igualdade no casamento” apresenta o casamento como um objetivo máximo para esta vida: a felicidade, a aceitação e benefícios legais.

Por outro lado, o divórcio ou outras relações não matrimoniais são cada vez mais normalizados, enquanto filmes e programas enfatizam significativamente o fracasso do casamento, reapresentando a mesma alegoria cansada – marido imaturo, esposa infeliz, mantendo-se unidos pelo bem das crianças. A cultura diz simultaneamente que o casamento é a aspiração superlativa desta vida e um fracasso colossal de uma época passada.

A igreja não está imune a esta tensão, mas a forma é diferente. Muitos círculos dentro do mundo evangélico norte-americano têm comunicado, durante várias décadas, uma espécie de mensagem neo-judaizante de que a cidadania de “primeira classe” no reino de Deus é reservada para aqueles que são casados ​​e têm filhos. Por outro lado, muitos adotaram uma forma da alegoria cultural e mergulham no quebrantamento essencial do casamento – de tal forma que é quase um ponto de embaraço admitir estar bem casado.

Em outras palavras, existe uma tensão entre a benevolência última do casamento e seus desafios. As palavras difíceis de Jesus para os saduceus (Lc 20.27-40; Mt 22.23-33; Mc 12.18-27) nos ajudam a desembaralhar isto.

A Vida em Dois Mundos

Alguns saduceus se aproximaram de Jesus com um exemplo exagerado sobre o casamento, para testá-lo a respeito da doutrina da ressurreição, a qual eles negavam (Lc 20.27 o que é corroborado em Josefo, Antiguidades 18.1.4; Guerra 2.8.14).

Quando eles se chegaram dizendo: “Moisés nos deixou escrito que…”, esses saduceus deixaram claro que não estavam interessados ​​no casamento em si, mas estavam tentando usar uma aparente contradição nas escrituras para expor as falhas nos ensinamentos de Jesus. Eles citam as estipulações da Torá a respeito do casamento levirato (Gn 38.8; Dt 25.5): o irmão de um homem que morrer sem filhos deve casar com a viúva e tentar produzir descendentes, preservando assim a linhagem do homem morto. Eles então postulam a possibilidade de que este processo tenha ocorrido várias vezes com uma mulher: se o casamento levirato é válido, então esta mulher seria casada com sete homens na ressurreição, produzindo, por sua vez, a poliandria o que é contrário à lei mosaica.

Eles criam que isto colocaria Jesus num beco sem saída, colocando as Escrituras contra elas mesmas: ou o casamento levirato é bíblico, ou a ressurreição é bíblica, mas ambos não podem ser, uma vez que (pensavam eles) existiria uma contradição das Escrituras.

Jesus habilmente responde de duas maneiras: questionando suas pressuposições sobre a ressurreição e reafirmando as Escrituras.

Primeiro, Jesus corrige seu entendimento grosseiramente errado da ressurreição, por suporem que “a era vindoura” (20:35a) seria meramente uma extensão deste “mundo” (20:34). Neste mundo, os seres humanos estão sujeitos à morte. Assim, para cumprir o mandamento das Escrituras de “serem frutíferos e se multiplicarem” (Gn 1.22), os seres humanos se casam e daí qual podem surgir descendentes legítimos.

Mas na era vindoura- na “ressurreição dos mortos” – os humanos não estarão mais sujeitos à morte (20.36a). A plenitude do povo de Deus (judeus e gentios) terá sido alcançada (Rm 11.12, 25); a maldição da morte terá sido removida; a procriação não será mais necessária; e, assim, não “hão de casar, nem ser dados em casamento” (20.35b). De fato, seremos “iguais aos anjos” (20.36b), cuja existência é eterna e cujo número é igualmente fixado, evitando assim a necessidade de se casarem e reproduzirem. É importante ressaltar que os remidos não serão mais definidos primariamente como filhos ou filhas de pais humanos, nem como marido ou esposa, mas como “filhos de Deus” (20.36c; cf. Ap 21.7). Em suma, o mundo futuro tem regras muito diferentes do mundo presente, superando-o em todos os níveis qualitativos.

Em segundo lugar, Jesus cita o Pentateuco aos saduceus – visto que estes só aceitavam estes livros como tendo autoridade – provando a ressurreição pelos escritos do próprio Moisés (Ex 3.15)

Este resumo expõe o que realmente está em jogo. Jesus essencialmente não está fazendo um grande pronunciamento sobre a temporariedade do casamento. Ele está, ao contrário, reafirmando o testemunho das Escrituras, e fornecendo uma visão clara de como o mundo da ressurreição é substancialmente diferente do mundo atual.

Estes dois aspectos de seus ensinamentos devem informar como pensamos sobre o casamento e sobre a tensão apresentada acima.

A Era Vindoura e Este Mundo Presente

Devemos seguir o testemunho das Escrituras ao moldar nossa compreensão da “era vindoura”. Nossa cultura e nossa carnalidade gritam para nós que a alegria superlativa deve ser encontrada aqui e agora, pois isto é tudo o que conhecemos. Mas as Escrituras são claras de que, para o povo de Deus, a era vindoura será melhor de todas as maneiras possíveis. Nossos corpos serão transformados (1 Co 15.35-56); toda dor, tristeza e morte serão eliminadas (Ap 21.4). Não mais veremos obscuramente, mas encontraremos a presença de Deus na face de seu Filho para sempre. Nosso maior bem está por vir, não no presente. Todas as alegrias, prazeres, relacionamentos íntimos – ou tristezas, mágoas e desordens relacionais – deste mundo não são definitivas.

Assim como uma criança negligenciada não pode, a princípio, sentir a benevolência do Deus Pai, nāo podemos compreender como a era vindoura da ressurreição será melhor. Não temos o aparato mental para fazê-lo, pois ainda estamos neste mundo. A única opção é crer no que Deus nos diz em sua Palavra.

À luz disto, devemos também seguir as Escrituras ao pensarmos sobre o mundo presente. O casamento terrestre é uma imagem, uma cópia, um modelo do casamento final: o casamento de Cristo com toda a sua igreja (Ef 5.32; cf. Mc 9.15). De fato, a realidade que define aquela era, é um casamento entre a “noiva” (os redimidos) e Cristo (Ap19.7; 21.2, 9; 22.7). O casamento terrestre não é projetado para durar para sempre, mas para dar lugar ao casamento dos redimidos com o Cordeiro.

Este é um lembrete encorajador aos os cristãos não casados ​​- e à igreja chamada a amá-los. Sua identidade não está ancorada em seu estado civil presente, mas em seu estado civil futuro. Para aqueles que não são casados ou não podem se casar agora, as Escrituras insistem que a solteirice celibatária não perde em nada para a alegria e o significado finais. Não é inferior; não é deficiente (1 Co 7.32-35). É uma postura de crer naquilo que o Senhor diz em sua Palavra, confiante de que ele está usando essa caminhada solteira para prepará-lo para um relacionamento maior, uma realidade maior no mundo vindouro.

Para os cristãos casados, também há conforto em levar a sério o “até que a morte nos separe”. O casamento entre um homem e uma mulher é um belo presente de Deus, mas não pode suportar o peso de servir como nosso objetivo máximo. Tentar fazê-lo levará à frustração, à amargura e à dissolução – ou à idolatria do cônjuge ou da adoração dos filhos. Este é o passo em falso de nosso mundo.

O casamento neste mundo não está ancorado em si mesmo. Está ancorado na era vindoura, num casamento diferente. É dado por Deus para cultivar novas gerações de adoradores. Ele é dado para modular e satisfazer impulsos sexuais neste mundo, para que não nos endureçamos e fiquemos distantes do reino eterno (1 Co 7.9; Mt 5.27–30). E nos é dado para a santificação, visando a era vindoura.

No relacionamento conjugal, o objetivo principal de ambos os cônjuges é que a submissão, o amor sacrificial, o respeito, o arrependimento e o conforto sejam direcionados para a era vindoura – para cultivar a conformidade com a imagem de Cristo, nosso verdadeiro (no sentido mais amplo) noivo. Como Paulo escreveu, Cristo está santificando sua noiva para que ela possa ser apresentada a ele, e “Assim também os maridos devem amar a sua mulher” (Ef 5.25–28). Pelo Espírito, os cônjuges se amam agora para se prepararem para entregar um ao outro a Cristo lá.

Para Os Casados Neste Mundo

Para os que estão dentro da igreja e são infelizes no casamento, isto pode parecer um alívio: seu casamento vai acabar. No entanto, o ensinamento de Jesus vai mais além: no mundo presente danificado, seu casamento – mesmo um casamento fracassado – tem um significado para o céu, onde as feridas e conflitos desta época darão lugar à cura de sua esposa pelo Cordeiro.

Para os que estão felizes no casamento, o fato do casamento ser temporário pode ser muito triste. Como poderá a era vindoura ser melhor, sem a intimidade e amizade que desfrutam aqui? Devemos confiar na Palavra de Deus: será melhor, mesmo que não possamos compreender isto agora.

Mas como um experimento de pensamento, na era vindoura- se Deus nos conceder a alegria de esbarrar em nosso cônjuge terreno, de recordar velhas piadas internas, de dar um ao outro um olhar conhecedor enquanto adoramos o Cordeiro – não vamos lamentar o que foi perdido. Apenas nos alegraremos com o que foi ganho. E se for dada a oportunidade, poderemos dizer ao nosso cônjuge terrestre: “Obrigado por me ajudar a me preparar para isso.”

Pois nossos casamentos são feitos para acabarem- para acabarem em um casamento melhor.

Traduzido por Marq.

 

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