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…E Então o Espírito Santo

Há três pessoas na Trindade, todas de igual importância, igualmente eternas e igualmente essenciais. Dificilmente pode haver um instinto cristão mais profundo do que aquele que nos leva a fazer igual justiça ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo.

Mas, ao lado deste instinto, há também uma profunda sabedoria em reconhecer uma certa ordem na maneira como implementamos o ensino cristão da Trindade — e especialmente sobre o Espírito Santo como a terceira pessoa da Trindade. De fato, há uma longa e saudável tradição na doutrina cristã de deixar a pneumatologia, a doutrina sobre o Espírito Santo, se encaixar após certas outras questões já terem sido estabelecidas. Nesta tradição, as linhas principais da confissão cristã são estabelecidas primeiro sem um foco no Espírito Santo — e nada ocorre de errado por conta deste adiamento temporário da pneumatologia. Mas quando, em um movimento posterior, a reflexão sobre o Espírito é acrescentada àquelas linhas principais, um mundo de maior profundidade se abre, e toda a glória da soteriologia trinitária brilha. Nada muda, mas tudo é melhor.

Deixe-me demonstrar isto com alguns exemplos importantes.

1. O Credo Niceno

Ao final do credo, após uma elaborada afirmação de que creem no Filho, os pais de Nicéia acrescentaram a frase comedida “e no Espírito Santo”. Ponto final.

No entanto, após 56 turbulentos anos, quando este credo foi retomado e expandido em Constantinopla 381, este exíguo terceiro artigo desabrochou na confissão que recitamos hoje no Credo Niceno:

Creio no Espírito Santo, Senhor e Vivificador, que procede do Pai e do Filho; que com o Pai e o Filho é adorado e glorificado, que falou através dos Profetas.

O que diremos que ocorreu quando o credo de Nicéia, com uma pneumatologia minimamente explícita, acrescentou a rica pneumatologia de 381? O trinitarianismo se estabeleceu. Mais da verdade foi declarada. Toda a afirmação se tornou mais rica, mais completa, mais profunda. Pode-se pensar que os pais de Constantinopla deram um passo para trás. Vale dizer aqui que o movimento que estou descrevendo aqui só funciona se houver alguma pneumatologia num primeiro momento; Não fornecerei exemplos de teologia que omitem no geral qualquer reconhecimento do Espírito. Estes seriam casos mais difíceis; eles podem entrar em conflito com a ortodoxia ou com a precisão. Não é possível não dizer nada sobre o Espírito. O que estou realçando é a tradição que inicialmente diz pouco sobre o Espírito e depois passa a dizer muito.

2. Atanásio

É possível notar um desenvolvimento paralelo em um dos maiores pais pró-Nicéia, Atanásio de Alexandria. A maior parte de sua teologia consiste de um incansável realçar do reconhecimento niceno da plena divindade do Filho, consubstancial ao Pai. Ele menciona o Espírito Santo apenas esporadicamente, e nunca com um foco de atenção sobre si mesmo. Atanásio era disciplinado quanto à sua mensagem e a mensagem era: o arianismo é falso. Mas então, a pedido de Serapião de Tmuis, Atanásio escreveu uma série de cartas explicando a pessoa e obra do Espírito Santo, o que equivale a um breve tratado tão poderoso e integrado que é difícil crer que Atanásio tenha tido todo este entendimento sobre o assunto do Espírito subliminarmente em seu pensamento durante a crise ariana.

O que acontece quando o Atanásio cristológico estende sua atenção para a discussão explícita do Espírito Santo? Sua obra alcança um recorte trinitário completo que é uma maravilha de se contemplar. Talvez recorte seja a metáfora errada; o formato da teologia atanasiana não muda, mas a extração das profundezas pneumatológicas transfigura tudo o que ele diz.

3. As Institutas de Calvino

A estrutura das Institutas de João Calvino mostra uma dinâmica semelhante. Por várias razões, ele adiou muita da discussão sobre o Espírito até o livro 3, quando ele pergunta como a salvação que o Pai realizou em Cristo pode se tornar nossa. Sua resposta é a fé, mas depois ele se eleva para a misteriosa ação do Espírito e expõe uma pneumatologia prática de poder magisterial.

4. O Novo Testamento

Em vez de traçar esta tradição em exemplos posteriores, quero voltar às fontes e sugerir, reverentemente, que as próprias Sagradas Escrituras seguem um padrão similar em vários lugares. O Evangelho de Mateus atinge um primeiro clímax no capítulo 11, quando Jesus diz que ninguém conhece o Pai, exceto o Filho, e vice-versa, mas chega a uma conclusão completa no capítulo 28 quando o Cristo ressuscitado estende esta fórmula para incluir a terceira pessoa, o Espírito Santo — cuja obra ele havia deixado implícita no capítulo 11. O Evangelho de João, da mesma forma, gasta energia considerável na relação didática do Verbo com Deus, e depois do Pai com o Filho, antes de dar sólida atenção ao Espírito Santo em torno do capítulo 14 ou especialmente no 16. Em Romanos, Paulo descreve laboriosamente a justiça de Deus e a propiciação em Cristo antes de voltar sua atenção totalmente ao Espírito no capítulo 8, onde Romanos alcança um ápice doxológico e kerigmático.

5. O Cumprimento das Promessas de Deus

Para terminar com uma visão mais ampla possível da estrutura de toda a economia da salvação, o Espírito, nunca ausente, mas frequentemente anônimo nas primeiras fases da obra de Deus, é notável precisamente no cumprimento das promessas de Deus — quando seu nome e caráter e obra específica entram em ação e se tornam um assunto para proclamação e ensino. Ou utilizando o linguajar de Michael Horton, pacto e escatologia são os principais polos da pneumatologia.

É errado negligenciar o Espírito. Mas também é errado elaborar excessivamente a pneumatologia de maneira que traga distração, ou tentar estabelecer uma base pneumatológica nos primeiros movimentos da teologia sistemática. Há uma tradição sábia de estabelecer as linhas principais da teologia antes de extrair as realidades pneumatológicas implícitas que têm inegavelmente estado em ação o tempo todo. Pelo menos na questão de instrução, esta parece ser uma maneira prudente de agir para os teólogos peregrinos que instruem a igreja.

No livro de Thomas Goodwin, The Knowledge of God the Father and His Son Jesus Christ [O Conhecimento de Deus, o Pai e Seu Filho, Jesus Cristo], ele observa em torno da página 351 que todo o seu projeto tem um círculo diádico, para não dizer “binitário”:

Há uma terceira pessoa na Divindade, o Espírito de Deus, o Pai e de Cristo; quem, na minha tratativa do tema, vai entrar, e parece ser aquele único Deus verdadeiro, tanto quanto os outros dois anteriormente nomeados.

O resultado disto é que o Espírito de fato “entrou” na tratativa de Goodwin, não apenas naquele livro, mas também mais tarde, quando escreveu uma extensa pneumatologia. Se o Espírito nunca tivesse sido incluído, julgaríamos o início diádico de Goodwin de outra forma em retrospecto. Mas foi de fato incluído.

Meu vislumbre é que isto acontece o tempo todo na teologia cristã, e que isto é bom.

Traduzido por Vittor Rocha.

 

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