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Cristologia e Credo de Calcedônia (451)

Na página de um conhecido teológo evangélico em suas redes sociais, observa-se comentários a respeito de uma frase do Credo de Calcedônia de 451: “Maria, mãe de Deus.” (Theotókos, grego). Essa sentença não foi bem aceita por uma ramificação (parte) da Igreja do Oriente, que preferiu cristotókos. A assertiva é que Deus Trino não pode ter mãe. Porém, Jesus Cristo, Verbo Encarnado teve mãe para o desempenho de sua missão messiânica (Mt 1.21; Jo 1.1, 14). Em seu estado de humilhação, Jesus Cristo, que sempre existiu em sua filiação eterna junto a Trindade, iniciou o processo de encarnação desde o começo: no ventre de Maria, enquanto virgem.

Alguns evangélicos, em uma postura anti-romanista (a postagem em si não está defendendo ecumenismo) tiveram dificuldade com a sentença. O problema é trazer novamente compreensões que foram tidas como heresias pelas igrejas do Ocidente, inclusive protestantes (luteranos, reformados). Para refutar uma assertiva errada, não se pode articular outra assertiva errada. A refutação acontece ao extrair das escrituras sagradas a verdade revelada acerca do aspecto salientado.

O Credo de Calcedônia (451) refuta tanto o eutiquianismo (ou monofisismo) (heresia que salienta que Cristo só teve uma natureza divina na encarnação) quanto o nestorianismo (heresia que fazia separação entre a natureza divina e humana de Cristo, negando a união das naturezas na encarnação). O contexto foi o Concílio de Calcedônia, sendo aceito como o quarto concílio ecumênico pela Igreja Católica Romana, Igreja Ortodoxa Grega e as Igrejas Protestantes. Algumas igrejas do Oriente romperam com a Igreja Ortodoxa por adotarem o monofisimo e discordarem da declaração calcedoniana. S. Leão Magno (Leão I, Papa) em seu documento a Flaviano, “Tomo do Leão” foi o teólogo que articulou a posição aceita pelo cristianismo e o campeão de Calcedônia, contando também com o suporte dos escritos de Cirilo de Alexandria que faleceu antes do Concílio e que foi um grande articulador contra os bispos nestorianos.

O Credo Calcedoniano afirma que devemos confessar o Filho: “nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito quanto à divindade, perfeito quanto à humanidade, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, constando de alma racional e de corpo; consubstancial [hommoysios] ao Pai, segundo a divindade, e consubstancial a nós, segundo a humanidade; “em todas as coisas semelhante a nós, excetuando o pecado”, gerado segundo a divindade antes dos séculos pelo Pai e, segundo a humanidade, por nós e para nossa salvação, gerado da Virgem Maria, mãe de Deus [Theotókos];

Um só e mesmo Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, que se deve confessar, em duas naturezas, inconfundíveis e imutáveis, conseparáveis e indivisíveis;[1] a distinção da naturezas de modo algum é anulada pela união, mas, pelo contrário, as propriedades de cada natureza permanecem intactas, concorrendo para formar uma só pessoa e subsistência [hypóstasis]; não dividido ou separado em duas pessoas. Mas um só e mesmo Filho Unigênito, Deus Verbo, Jesus Cristo Senhor; conforme os profetas outrora a seu respeito testemunharam, e o mesmo Jesus Cristo nos ensinou e o credo dos padres nos transmitiu.” [1]

Um ponto é que evangélicos creem que a nobre missão de ser a gestante do Verbo de Deus não confere a Maria divindade ou divinização, mas somente Cristo é adorado como único mediador entre Deus e os homens (1 Tm 2.5). Um evangélico não venera nenhum outro e adora somente a Jesus Cristo, Filho de Deus, Verbo Encarnado, Senhor e Salvador. Evangélicos creem que Maria estava debaixo da queda (posição de S. Tomás de Aquino e S. Bernardo de Claraval, no período escolástico, inclusive), remida por Cristo, o redentor dos eleitos de Deus.

Por outro lado, novamente, não se deve refutar um erro com outro erro como aderir uma perspectiva nestoriana ou monofisista, por uma indisposição com o romanismo, quando tem-se no Credo de Calcedônia, o antídoto bíblico, credal e confessional, junto à Igreja de Cristo para a refutação de uma heresia como também a autoridade normativa das escrituras sagradas para a busca da verdade revelada de Deus acerca das questões levantadas.

Tais comentários no início do texto trazem a tona a emergencial tarefa pastoral de ensinar e instruir o povo de Deus na doutrina cristã, sobretudo aqui sobre a pessoa do Redentor, tema central, essencial e caro a fé cristã, mas negligenciado tão amplamente. Torna-se necessário o urgente resgate da arte perdida da catequese entre evangélicos, como também estudo robusto no campo da Cristologia.

 


[1] BETTERSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã. São Paulo : Editora ASTE, 1998. P. 10

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