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As Bem-Aventuranças São a Cura para o Esgotamento Pastoral

Foi dito que “O ministério pastoral é a arte de desapontar as pessoas a um ritmo que elas possam absorver”. Infelizmente, com a pandemia de COVID e outras pressões sociais, as pessoas e seus pastores têm se desapontado a um ritmo que nenhum dos dois grupos consegue sustentar. Vemos isso nas tendências assustadoras e contínuas de esgotamento pastoral e mútuo.

A decisão de Alexander Lang de renunciar ao cargo de pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Arlington Heights, Illinois, é um caso angustiante. Lang, que serviu a congregação da Presbiteryan Church (USA) com mil membros por uma década, em um post viralizado de agosto de 2023, disse que o estresse, a solidão e um divergência entre suas expectativas e a realidade do ministério pastoral finalmente o forçaram a desistir. Lang apresenta um retrato honesto do ministério pastoral, mas, em última análise, confuso e desbotado.

Felizmente, as Bem-aventuranças nos dão uma visão melhor. Elas nos mostram a diferença radical entre o chamado de Deus e nossas expectativas ocidentais.

Louvável e Impossível

A experiência de Lang, de tentar “assumir a responsabilidade” sobre sua congregação e se sentir sobrecarregado por expectativas impossíveis, destaca a crise de identidade de muitos pastores hoje. Quando as expectativas de uma igreja, ainda que bem intencionadas, definem a agenda pastoral, os pastores inevitavelmente se tornam profetas domesticados, funcionários de igreja que se assemelham a vendedores sorridentes. Nesse modelo, eles servem sob os requisitos imperiosos de “clientes” e não de membros congregantes. Sentem-se atormentados e impotentes, como pastores sempre à disposição de ovelhas impacientes.

Para compreender a identidade pastoral, necessitamos olhar para o ministério de Jesus, que vivenciou em primeira mão as pressões das expectativas das pessoas. Essa pressão se apresentou desde o início quando os deficientes, os possuídos por demônios e os enfermos chegaram a ele. No entanto, quando o Senhor se sentou no monte, ele convidou seus discípulos a ver seu reino através de um conjunto radicalmente diferente de prioridades.

Ao invés de um reino de riqueza externa, poder e prestígio, ele introduziu um reino de humildade e sacrifício, e convidou os futuros apóstolos a se juntarem a ele.

Pode não ter soado atraente para eles (ou para nós!). No entanto, ele prometeu que este é o caminho da bênção. Da mesma forma, Jesus se volta para nós hoje e nos convida a moldar nossos ministérios não pelas prioridades do mundo (que certamente levam à desilusão), mas pelas prioridades de seu reino eterno (onde há bênção eterna).

Destruindo Nossas Expectativas

Pastores necessitam ter em mente que as bem-aventuranças jogam gasolina sobre nossos ideais contemporâneos e ateiam fogo neles. Ao invés de nosso desejo de prestígio, Jesus oferece pobreza de espírito. Ele exalta a mansidão acima do orgulho. Ao invés de estratégias ambiciosas de crescimento da igreja, ele enaltece a fome e a sede de justiça. Ao invés de discursos intensos e agressivos, ele propõe misericórdia. Para a alma assolada pela ansiedade, ele fornece paz divina.

Terminando com chave de ouro, ele oferece a perseguição por causa da justiça. “Regozijai-vos e exultai”, disse Jesus, “porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós” (Mt 5.12).

Não desejo ser demasiadamente crítico de Lang. Como pastor, sinto empatia genuína. Sua descrição de como os pastores carregam os fardos dos membros congregantes está correta. “Quero saber se eles estão passando por dificuldades ou progredindo”, escreveu ele. “Quero saber se posso oferecer recursos para ajudar.” Paulo se dirigiu à igreja da Galácia da seguinte maneira: “meus filhos, por quem, de novo, sofro as dores de parto, até ser Cristo formado em vós” (Gl 4.19).

Todavia, Lang erra em alguns pontos, erros que tentarei corrigir aqui, principalmente para jovens pastores começando no ministério e que necessitam entender a natureza de seu chamado e quão radicalmente diferente ele é das expectativas da cultura ocidental. Tal visão nos transporta das sombras da frustração e da amargura para o propósito e a alegria de nosso chamado.

O Ministério é um Campo de Batalha

Lang relatou como alguns membros de sua comunidade tentaram removê-lo do cargo. Com o tempo, tais maquinações emergiram das sombras numa campanha de difamação pública repugnante que ao final não teve sucesso, mas “causou danos e o deixou em dúvida”. Lang acrescenta: “Quando você vê que há um grupo de pessoas cujo único objetivo é desmantelar sua carreira, isso é um monstro totalmente diferente, inesperado, particularmente vindo de pessoas que supostamente se autodenominam cristãs”.

Nesta aflição inesperada, frequentemente pastores são tomados por sentimentos de traição, tristeza e ressentimento—uma dor sufocante que inevitavelmente leva a um pedido de demissão. É o árduo vale, repleto de espinhos do ministério pastoral, ao qual Jesus proferiu sua promessa, Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados (Mt 5.4).

Por que devemos crer nessas palavras? Porque Jesus, o Grande Pastor das ovelhas, percorreu ele mesmo esse caminho agonizante e chama seus pastores auxiliares a segui-lo. “Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens,” escreveu Isaías, “homem de dores e que sabe o que é padecer” (Is 53.3). A Palavra nos diz que ele “aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu” (Hb 5.8).

Em contraste, o mundo quer reduzir a vocação pastoral a uma “carreira”, uma profissão respeitável que é apreciada e honrada. Mas devemos nos lembrar das palavras de Jesus em Mateus 5.12. Quando sofremos, estamos na linhagem dos profetas, servos que geralmente foram desprezados e maltratados, honrados apenas depois de mortos. Como eles, nosso sustento fundamental não vem das pessoas sob nossos cuidados, mas dos corvos, isto é, por meios sobrenaturais.

Enquanto isso, lembramos e abraçamos a bênção das Bem-aventuranças. Quando somos injustiçados, praticamos a misericórdia. Quando a igreja fica dividida por disputas, buscamos ser pacificadores. Em tudo isso, os pastores têm o privilégio de unir suas vozes ao testemunho apostólico, ao grande cântico do Cordeiro que crescerá na Nova Jerusalém (Ap 15.3).

O Dia Vindouro de Bênção

Após descrever como foi difamado por caluniadores, Lang pergunta: “Liderar a igreja realmente vale a pena se é isso que vou receber em troca?” Ao ler isso, lembrei-me de uma sábia observação que certa vez ouvi: “Baseie a pregação em suas cicatrizes, não em suas feridas.” Em outras palavras, espere até que suas feridas tenham cicatrizado antes de expor suas mágoas. Tal como cicatrizes, a sabedoria vem com o tempo.

Tenho a impressão de que a experiência traumática de Lang ainda não cicatrizou. Ele questiona se seu investimento de sangue, suor e lágrimas vale a pena. É uma pergunta razoável. Mas, mais uma vez, as Bem-aventuranças fornecem a resposta. Elas nos ensinam que se tivermos a expectativa da plenitude da bênção de Deus no aqui e agora, ficaremos totalmente decepcionados.

Ao contrário, as Bem-aventuranças nos apontam para um dia vindouro de bênção —um dia em que o conforto, a misericórdia e o maior dom de todos, a visão beatífica (ver Deus), trarão redenção às nossas cicatrizes. Como C. S. Lewis escreveu: “Isso é o que os mortais não compreendem. Dizem de algum sofrimento temporal: ‘Nenhuma felicidade futura pode compensar isso’, sem saber que o Céu, uma vez alcançado, retroagirá e transformará até mesmo essa agonia em glória.”

Neste ínterim, necessitamos nos consolar uns aos outros (2Co 1.3–5). Nos últimos três anos de ministério difícil, me reuni regularmente com um grupo de pastores da minha cidade. Esta tem sido uma tábua de salvação para mim, e será para você também. Identifique pastores que pensam como você. Se junte a eles e confesse que há apenas dois dias—o hoje e aquele dia, o dia glorioso em que tudo o que está oculto será revelado. Até então, “não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos” (Gl 6.9).

Reino Invertido

Lang aborda a expectativa de que os pastores sejam como um CEO bem-sucedido: “Você tem que expandir o negócio e, nas condições em que estamos agora, isso é super difícil porque … a cultura é tal que as pessoas realmente não querem mais ir à igreja.” Infelizmente, Lang tem razão. Muitos pressupõem que o chamado pastoral se trata de crescimento numérico e felicidade do consumidor. Mas isso é uma grande mentira.

O propósito dos pastores é promover um desejo por Deus. Devemos ecoar o anseio audacioso de Paulo, dirigido pelo Espírito, de ver Cristo formado nos cristãos gálatas (4.19). Necessitamos preparar nossas congregações para rejeitar a gula mental e emocional deste mundo, a desnutrição da alma que só anseia pela próxima moda.

Quando pastores focam nessa prioridade, eles e seu povo, diz Jesus, ficarão “fartos” (Mt 5.6). A bênção de Deus não é para aqueles que vencem a corrida. Não é para campeões espirituais que chegam e desfrutam de aplausos de pé. Em vez disso, é para aqueles que têm fome e sede, aqueles que reconhecem sua necessidade e desejam justiça, mesmo que tenham um longo caminho a percorrer.

Não é bom que Jesus não tenha dito: “Bem-aventurados os justos consistentemente fiéis, pois eles ficarão fartos”? Se esse fosse o requisito, todos nós iríamos embora vazios. Graças a Deus que não é a realização do desejo mas o próprio desejo sobre o qual Jesus pronuncia sua bênção. Não é para quem alcança a justiça, mas para quem a anseia pela fé.

Nossa Justiça em Deus

Foi por isso que Jesus suportou as indignidades da vida humana (traição, prisão e deserção), por isso que resistiu à zombaria e às bofetadas daqueles que deveriam adorá-lo, por isso que ficou em silêncio diante da insensatez auto-indulgente de Herodes Antipas. É a razão pela qual ele suportou a coroa de espinhos, a sujeição e a morte. Por quê? Porque a glória do reino de Cristo não se encontra na força, triunfo e exaltação humana, mas na virada mais contra-intuitiva de todas—o sacrifício na cruz.

Ao nos confrontar com este reino cruciforme, as Bem-aventuranças elucidam nossa identidade pastoral e chamado à pobreza espiritual, à mansidão, ao choro, à fome e à perseguição por causa da justiça. Nas palavras de Isaías 66.2: “o homem para quem olharei é este: o aflito e abatido de espírito e que treme da minha palavra.” Portanto, rejeitamos a justiça frívola e a doçura do consumismo ocidental que promete validar nosso valor pastoral por seus próprios padrões. Comer esse pão falsificado nos deixa permanentemente com fome. Em vez disso, a integridade genuína é encontrada na fome pela aprovação de Deus em Cristo, o verdadeiro pão que desceu do Pai.

Este é o mistério do ministério pastoral. Podemos, ao mesmo tempo, ficar desanimados e esperançosos, lamentando e alegres, famintos e ainda fartos. Em Cristo, ficamos simultaneamente famintos e satisfeitos, simultaneamente na obra e no descanso. Como Jesus disse: “Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus.” (Mt 5.3).

Caro pastor, se você abraçar esse chamado—de servir a igreja a partir da sua fraqueza e com dependência em Cristo—então você é verdadeiramente abençoado, pois seu é o reino dos céus.

Traduzido por Vittor Rocha

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