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A Resposta Abrangente do Cristianismo ao Problema do Mal

Depois de terminar a faculdade, passei um semestre estagiando em Washington, D.C (EUA). Certo dia, fui ao Museu Memorial do Holocausto; é uma experiência sombria, na qual somos confrontados com as mortes trágicas de 6 milhões de judeus, 2 milhões de poloneses, 3,3 milhões de prisioneiros de guerra soviéticos e muitos outros durante a Segunda Guerra Mundial. Ao caminhar pelo museu, ficamos chocados e enojados pela natureza radical do mal.

Para os cristãos, isso acaba levantando uma das perguntas mais difíceis – se não a mais difícil – de se responder: onde estava Deus durante o Holocausto?

Este é o problema do mal. Ele pode ser formulado de algumas formas, mas uma de suas formas mais populares é esta: os cristãos acreditam que Deus é onipotente e, ao mesmo tempo, totalmente bom, porém, o mal existe no mundo. Sendo assim, ou Deus não é onipotente (senão ele impediria o mal), ou ele não é totalmente bom (já que tem o poder de deter o mal e não o faz).

Muitas vezes as pessoas pensam que uma única resposta será capaz de solucionar o problema do mal, mas o que realmente precisamos é de uma abordagem abrangente e multifacetada. Uma única resposta não é suficiente, porque o problema do mal é complexo demais. No entanto, uma abordagem que possua várias vertentes pode nos ajudar a lidar com o mal no mundo.

A liberdade humana

Os cristãos acreditam na liberdade humana. Deus nos criou não como robôs que fazem tudo o que Ele deseja. Não somos programados para agir de certa maneira, ainda que, por causa da queda de Adão e Eva, todos nasçamos com o pecado em nossa natureza. Se não afirmarmos a liberdade humana, então, devemos afirmar que Deus criou um mundo onde as nossas escolhas não importam. Mas nós temos a liberdade de escolher o bem ou o mal. Deus criou Adão e Eva bons, e quando escolheram se rebelar contra Ele, essa decisão resultou no mal moral, o que acarreta no juízo de Deus. Somos responsáveis por nossas ações, e essas mesmas ações ainda fazem parte do plano soberano de Deus (Atos 3.17-18). No entanto, como temos liberdade, atrocidades como o Holocausto não são culpa de Deus, mas sim a escolha de seres humanos que se afastaram de Deus e rejeitaram o que Ele chama de bem.

Uma parte da resposta ao problema do mal é definir corretamente o quê é o mal. O mal não é uma coisa, senão a privação de uma coisa, a corrupção de algo bom. Deus não criou o mal, Ele criou coisas boas, mas nós corrompemos a Sua boa criação.

Embora essa resposta seja parcialmente satisfatória, ela ainda levanta questões. A liberdade humana explica o mal moral, mas não explica totalmente os males naturais, como incêndios florestais, tsunamis ou terremotos. Os humanos também causaram esses males? Além de também levantar a questão de por que Deus faria um mundo com tanto sofrimento. O reino animal sofre muito; você já viu um animal ferido na natureza e se perguntou: Como Deus poderia permitir que isso acontecesse se Ele é bom?“. Parece que Ele poderia ter criado um plano melhor.

As forças espirituais das trevas

Outra explicação para o mal envolve o reconhecimento da existência de forças espirituais das trevas. Deus não criou apenas os seres humanos com liberdade, mas também as forças espirituais que se rebelaram contra Ele e foram expulsas do céu e lançadas na Terra.

Se sua teologia leva em conta a queda de seres espirituais, você pode afirmar que o mal natural começou quando o mal teve início. Como muitos teólogos ao longo da história cristã atestaram, nem todo o mal pode ser atribuído apenas à queda humana, mas a queda dos anjos também é culpada pela origem do mal natural.

Satanás é conhecido como o príncipe do poder do ar (Efésios 2.2). O livro de Jó nos diz que Satanás se apresentou diante de Deus e perguntou se poderia atormentar Jó, e então, fogo caiu do céu e consumiu o gado de Jó (Jó 1.16), e um grande vento veio sobre a terra, atingindo os quatro cantos da casa, e todos os seus filhos morreram (v. 18-19). Seres espirituais das trevas, caídos, têm grande poder neste mundo e podem causar grandes estragos, portanto, parte da resposta para o problema do mal natural é que as forças espirituais das trevas causam caos por todo o mundo.

No entanto, essa explicação continua levantando questões: Por que Deus permitiu que os anjos caíssem? Por que Deus permite que tudo isso continue? Será que Ele não poderia consertar tudo agora mesmo? Será que alguns casos de mal natural não seriam excessivos e desproporcionais?

O bem maior

Deus permite que o mal aconteça para um bem maior, mesmo que nem sempre possamos ver esse bem maior. Ainda que essa explicação frequentemente seja difícil de aceitar, é um princípio que vemos descrito repetidamente nas Escrituras.

Um dos principais exemplos dessa dinâmica em ação é a história de José no livro de  Gênesis (Gn 37–50). Quando José tinha 17 anos, seus irmãos tinham tanta inveja dele que o venderam como escravo. Apesar disso, José chegou a ser o encarregado da casa do egípcio Potifar, mas apenas para terminar sendo alvo de mentiras da esposa de seu senhor e, em seguida, ser enviado para a prisão. José ficou na prisão por muito tempo, pode ter sido cerca de 12 anos. Sem dúvida, José estava pensando: “Por que tudo isso está acontecendo comigo?“.

Enquanto estava na prisão, José interpretou os sonhos de dois dos servos de Faraó, um dos quais foi restaurado ao seu cargo, e, depois de algum tempo, quando Faraó teve um sonho que não conseguia entender, lembraram de José, então ele foi chamado e explicou perfeitamente o significado do sonho a Faraó. José foi liberto da prisão imediatamente e elevado à segunda posição de comando de todo o Egito. Deus usou José para salvar muitas vidas, não apenas dos egípcios, mas até mesmo de sua própria família, ao estocar alimentos nos sete anos de fartura para os sete anos de fome que se seguiram.

Deus enviou José à frente de sua família e tinha um plano para preservar o seu povo, mas isso incluía sofrimento para José, que não pôde ver o bem maior até chegar ao final da história. No fim da vida de José, ele disse a seus irmãos: “Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer, como vedes agora, que se conserve muita gente em vida.” (50.20). A história de José ilustra como Deus transforma o mal em bem em nossas vidas. Paulo afirma em Romanos 8.28: “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.”

Mas essa explicação ainda pode deixar perguntas. Por que o sofrimento é necessário para criar esse bem maior? Será que Deus não poderia simplesmente criar um mundo onde esse bem maior já estivesse manifesto, onde humanos e animais não precisassem sofrer para se tornarem versões melhores de si? Além disso, o sofrimento muitas vezes é excessivo e não parece produzir nenhum propósito maior, uma vez que destrói pessoas e seus relacionamentos. Assim, embora este ponto possa ser útil e devamos afirmar esses versículos, ele não satisfaz todas as nossas perguntas.

Mistério

Os cristãos também devem reconhecer o mistério no problema do mal, reconhecendo que as razões de Deus para permitir o mal estão além da mera compreensão humana. Não estamos em posição de entender o plano divino maior por causa da nossa finitude, portanto, não devemos criticar o plano de Deus, pois vemos apenas uma fração dele enquanto Ele vê o todo.

Essa resposta também é representada nas Escrituras, particularmente no livro de Jó. Jó questiona a razão dele estar sofrendo, e Deus responde que Jó não conhece o padrão da criação como Deus conhece (Jó 38-42.6). Ele pergunta a Jó se ele estava lá quando Ele lançou os fundamentos da terra, se ele comandou a manhã ou viu os portões da morte. Deus lhe pergunta se ele sabe de onde vêm a luz e a escuridão e se é ele quem envia os raios à terra. Tudo o que Jó pode fazer em resposta é colocar a mão sobre a sua boca.

Essa realidade é ilustrada de maneira maravilhosa por uma das histórias de Corrie ten Boom. Ela conta como, quando era muito mais jovem, estava sentada ao lado de seu pai em um trem, e lhe perguntou sobre o que significa pecar sexualmente:

“[O pai] virou-se para me olhar, como sempre fazia ao responder a uma pergunta, mas para minha surpresa, ele não disse nada. Finalmente, ele se levantou, tirou sua maleta de viagem do bagageiro acima de nossas cabeças e a colocou no chão. “Você a carregaria para fora do trem, Corrie?”, ele disse. Eu me levantei e a puxei. Estava cheia de relógios e peças de reposição que ele havia comprado naquela manhã. “É muito pesada”, eu disse. “Sim”, ele disse, “E somente um pai muito ruim pediria à sua filhinha para carregar uma carga dessas. É o mesmo, Corrie, com o conhecimento. Algum conhecimento é pesado demais para crianças. Quando você for mais velha e mais forte, poderá suportá-lo. Por enquanto, você deve confiar em mim para carregá-lo por você.”

Nem sempre temos a resposta para o porquê do sofrimento ou do mal, mas provavelmente somos pequenos demais para entender. Precisamos deixar que outra pessoa carregue essa resposta por nós.

Para o cristão, alguém já a carregou.

Jesus Cristo sofreu

A cruz é a resposta definitiva para o problema do mal, pois Deus veio na pessoa de Jesus Cristo não apenas para sofrer ao nosso lado e por nós, mas, em última análise, para destruir todo o mal. Deus não nos deixou sozinhos em nosso sofrimento. O evangelho cristão é o único onde uma divindade entra no sofrimento da humanidade para, no final, retirá-lo. Outras religiões veem Deus como um ser desvinculado do sofrimento, mas o cristianismo diz que Jesus sofreu em nosso lugar.

Ele fez isso para que o último inimigo, a morte, pudesse ser derrotado e a justiça pudesse reinar. O livro de Apocalipse diz que ele fez isso para que não houvesse mais lágrimas, tristeza ou o caos do mar (21.1-4). Jesus veio para que não sofrêssemos mais por causa de escolhas humanas, mas também para que não sofrêssemos mais sob as forças da natureza. O sofrimento de Deus na cruz nos mostra que ele não é indiferente ao sofrimento humano.

A resposta cristã

Vamos voltar ao nosso exemplo inicial, você está caminhando pelo Museu do Holocausto e, com razão, se pergunta: “Como Deus pôde permitir que isso acontecesse? Onde estava Deus no Holocausto?“. Essa continua não sendo uma pergunta fácil, mas pelo menos o cristianismo tem os recursos para começar a respondê-la.

O problema, às vezes, é que pensamos que apenas uma dessas respostas é suficiente. Mas, em vez de fornecer uma única explicação de uma forma que não ajuda muito, as Escrituras nos apontam para uma abordagem abrangente ou multifacetada para entender o sofrimento no mundo.

O problema do mal não é apenas um problema para os cristãos; é um problema para todos. Toda religião ou cosmovisão deve responder ao problema do mal, e por isso você tem que perguntar: “Qual explicação é a mais satisfatória?“. Secularistas e ateus coerentes concluem que o sofrimento é aleatório, uma questão de sorte ou de poder. O hinduísmo diz que o sofrimento é merecido por causa de ações em uma vida passada. O budismo diz que o sofrimento é causado por nossos desejos e apego a coisas materiais.

Apenas o cristianismo diz que o problema do mal é real, que o nosso sofrimento é real, e que adoramos um Deus que nos ama o suficiente para entrar em nosso sofrimento ao enviar Jesus Cristo, e promete que, um dia, todo o mal será vencido. O cristianismo tem boas notícias para o problema do mal. E essas boas notícias são vistas mais claramente na cruz, onde Jesus sofreu em nosso lugar para derrotar o mal no final.

Traduzido por David B. Bondarenco

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