×
Procurar

A Palavra Funciona, Mesmo Quando Não Funciona

Neste último ano de ministério reconheci uma tendência preocupante em mim mesmo. É uma tendência para o que se pode chamar de fé vicária. Minha confiança no poder da Palavra de Deus — de sua verdade, sua beleza, sua relevância — está intimamente ligada à fé visível daqueles a quem sirvo quando respondem à Palavra.

Quando as pessoas se conectam com que estou pregando, ensinando ou aconselhando das escrituras — quando as recebem e as estimam — minha fé na Palavra é forte. Quando o que digo não parece ressoar — quando parece abstrato, inacreditável e impraticável — minha fé na Palavra tende a diminuir.

Chamo isto de fé vicária porque é mediada e indireta. Não é fé enraizada na própria Palavra. É fé atada aos resultados da Palavra, observável a meus olhos, na fé de outros.

Há alguns meses, a convicção de culpa por este problema se tornou especialmente clara, ao ler novamente a carta de 2 Timóteo. É uma das cartas mais pessoais de Paulo. Sendo talvez sua última carta, tem uma clara sensação retrospectiva, e é profundamente introspectiva. Neste contexto, destaca-se uma frase em particular: “Todos os da Ásia me abandonaram”.

Estaria o apóstolo usando hipérbole? Quase certamente. Mas esta hipérbole revela o seu estado de espírito. A declaração de Paulo foi descrita como a “asserção arrebatadora da depressão” (Donald Guthrie, As Epístolas Pastorais, 135). É a declaração de um homem que sabe o que é ficar desapontado com os resultados do próprio ministério.

O resto da carta oferece alguns exemplos do que ele havia vivenciado. Ele escreveu sobre Himeneu e Fileto, que se “desviaram da verdade” e se opuseram à mensagem de Paulo com seu próprio falatório inútil (2.16-17). Depois, há Demas, um colega de ministério que “tendo amado o presente século”, abandonou Paulo para ir a um lugar mais promissor, Tessalônica (4:10). Alexandre, um ourives, de alguma forma causou ao apóstolo “muitos males” (4.14). E quando Paulo foi a julgamento, ficou sozinho — “todos me abandonaram” (4.16).

São palavras notáveis, não são? De certa forma, elas são encorajadoras para todos nós que sentimos a sensação de que nosso trabalho é em vão. Até mesmo o grande apóstolo sabia o que era trabalhar com decepção. Nesta carta, Paulo estava perto da morte e sabia disso (4.6-8). Ele estava sozinho. E estava vivendo com a percepção de que muito do que ele havia considerado como fruto havia murchado na videira.

A coisa verdadeiramente notável sobre esta carta e seu contexto é que é aqui, deste homem, nesta condição, recebemos talvez a declaração mais clara e definitiva da Bíblia sobre a completa suficiência das Escrituras. “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil…” (3.16-17).

E é aqui que Paulo tira sua inabalável conclusão metodológica: “prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não” (4.2).

Paulo insistia que a Palavra é útil mesmo quando os resultados têm sido desencorajadores. Portanto, não há nada a fazer a não ser continuar pregando a Palavra, quer seja oportuno, quer não. Quando a Ásia responde bem e quando a Ásia se afasta.

A fé de Paulo estava naquilo que Deus disse e não naquilo que ele podia ver. Ele sabia que o poder da Palavra jamais está sob nosso controle, como se fosse um gênio de lâmpada. A fonte de seu poder é o Espírito que, como o vento, sopra onde quer, sujeito à preferência de ninguém. Mas, embora imprevisível, a Palavra ainda é o único poder que pode produzir o tipo de transformação que as pessoas realmente necessitam. Lembro-me das palavras de Pedro, quando Jesus lhe perguntou se ele também iria embora: “Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras da vida eterna” (Jo 6.68).

Mesmo quando não funciona de acordo com nossos desejos, ou de uma forma perceptível por nossos sentidos, a Palavra ainda é a única coisa que funciona. Esta é a implicação da incumbência final de Paulo para Timóteo. Você crê nisto? Quem me dera eu cresse mais.

Por um lado, pude observar evidência maravilhosa de que o poder da Palavra é o que Paulo afirma ser. Por outro lado, também notei uma tentação preocupante de permitir que a minha confiança na Palavra aumente ou diminua na medida em que outros a consideram atraente, relevante ou confiável.

Certamente não estou sozinho. Sua convicção pessoal daquilo que está pregando depende de se as pessoas se conectam com a mensagem? Seu amor pela mensagem da Bíblia varia dependendo de se os outros aparentam amar esta mensagem ou não? Será que cremos nas promessas de Romanos 8 quando parecem ser clichê ou irrealistas para os que estāo sofrendo? Estamos nós convencidos do poder de “uns aos outros” centrados no evangelho quando os relacionamentos não são restaurados, quando os casamentos não melhoram, quando a raiva ou o ressentimento não desaparecem? Cremos que a Palavra de Deus não voltará vazia mesmo quando nossas igrejas não crescem como gostaríamos? Demasiadas vezes, gostaria que minhas respostas fossem diferentes do que são.

O que estou orando — aquilo que Paulo modela para nós em 2 Timóteo — é o que se poderia chamar de pragmatismo orientado pela promessa. É inteiramente apropriado que sejamos fixados no que funciona no ministério. Mas como definir aquilo que funciona? Nosso desejo é ver indivíduos e comunidades transformadas, ou seja, nossos objetivos são sobrenaturais. Somente o poder de Deus pode realizar o que queremos, e muitas vezes, somente Deus pode ver o que Ele está realizando. Isto significa que a medida primária daquilo que funciona necessita ser as promessas de Deus, não os resultados que vemos de nossa perspectiva. Sua promessa é que a Palavra é útil, poderosa o suficiente para garantir tudo o que realmente necessitamos — quer possamos observar ou não.

Fonte: https://www.9marks.org/article/the-word-works-even-when-it-doesnt/

Traduzido por Marq

CARREGAR MAIS
Loading