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A Gentileza Como Virtude Pastoral: Para Onde Foi?

Há muito que sinto que, nos círculos reformados, há uma grande necessidade de pastores e teólogos cultivarem a virtude da gentileza.

Acho que todos sabemos que a gentileza é um dos frutos do Espírito, em Gálatas 5.22-23. Ela também aparece em uma lista semelhante de virtudes cristãs, em 1Timóteo 6.11, virtudes estas específicas da liderança cristã.

Mas a gentileza não costuma ser uma das primeiras qualidades que buscamos em um pastor. Na verdade, aparece que a gentileza é uma daquelas virtudes cristãs que são deixadas de lado quando avaliamos a nós mesmos e aos outros.

Deus Fracote, Deus Severo

De fato, creio que há entre nós alguma confusão sobre o que fazer com a gentileza. Certamente, os antigos teólogos liberais distorceram o conceito quando o usaram, na verdade, para eliminar a ira e o julgamento de Deus de suas pregações. Deus, eles disseram, era tão gentil, mas tão gentil, que jamais puniria alguém por pecar contra ele. Desta maneira, eles roubaram a justiça de Deus; de fato, eles substituíram o Deus bíblico por um deus bonzinho, leniente e indulgente, que surge de suas próprias imaginações.

Juntamente com esta distorção de Deus, havia também uma distorção sobre Jesus. O Jesus liberal era uma alma bondosa que abraçava bebês e acariciava a cabeça de cordeiros, mas que não tinha dentro dele nenhuma gota de ira justa, ciúme ou zelo pela verdade. Para os liberais, um Deus e um Cristo assim certamente não aprovariam medidas severas para preservar a santidade de sua igreja. Nas igrejas liberais, a disciplina formal para assuntos doutrinários — até mesmo para transgressões morais — se tornou coisa do passado.

Os evangélicos reagiram compreensivelmente contra tal mal-entendido da gentileza divina. Eles grandemente ridicularizaram e desprezaram o “Jesus gentil, manso e amável” dos teólogos liberais, e expuseram a Jesus como o Senhor da terra e dos céus, que ressurgiu e ascendeu, o qual logo retornaria em fogo flamejante para trazer seus terríveis julgamentos à terra. O leão Aslam, C. S. Lewis, nos lembrou, não era um leão domesticado. E por isto temos argumentado que há um lugar para a disciplina formal na igreja.

Às vezes, os pastores necessitam ser severos, fortes e zelosos pela justiça de Deus. Muitos ensinadores reformados hoje, fortalecidos por ensinamentos tais como “a vida é religião”, de Abraham Kuyper, tais como a apologética da antítese de Van Til, tais como o aconselhamento noutético de Jay Adams e a teologia do domínio do movimento de Reconstrução Cristã, enfatizam especialmente que os cristãos não devem ser débeis. Não devemos tolerar docilmente a maldade da sociedade; devemos ser um verdadeiro exército cristão, colocando toda a armadura de Deus, derrubando imaginações, levando cada pensamento cativo a Cristo, conquistando todos os empreendimentos humanos em nome do Rei.

E desta maneira o pêndulo oscila, do liberalismo generalizado à militância pelo domínio. Não desejo me afastar da militância. Vejo muito valor em Kuyper, Van Til e Adams, e também no movimento de Reconstrução Cristã (mas não tanto quanto eles veem.)

No entanto, o que aconteceu com a gentileza em tudo isso? Novamente, sabemos que faz parte da vida cristã, e especialmente que é uma das qualificações para pastores cristãos. No entanto, tem sido deixada de lado. Ironicamente, o conceito de gentileza em si parece ser muito gentil. Não grita para nós; parece quase se esconder nas longas listas de virtudes.

Vamos olhar mais de perto para como Deus se definiu para Moisés:

“SENHOR, SENHOR Deus compassivo, clemente e longânimo e grande em misericórdia e fidelidade; que guarda a misericórdia em mil gerações, que perdoa a iniquidade, a transgressão e o pecado, ainda que não inocenta o culpado, e visita a iniquidade dos pais nos filhos e nos filhos dos filhos, até à terceira e quarta geração!” (Êx 34.6-7)

Sim, há julgamento aí. Um julgamento temível. Mas há também misericórdia, longanimidade e compaixão. Tal como nos diz o Novo Testamento, Deus é amor.

Deus É Gentil

O pecado merece a morte instantânea, mas Deus é muito misericordioso e gentil com os pecadores. Aprendemos quão gentil ele é quando lemos no Novo Testamento que “Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm 5.8). O Senhor Jesus vem como o pastor gentil do seu povo, enviado por Deus. Lembra-se de Isaías 40.11? “Como pastor, apascentará o seu rebanho; entre os seus braços recolherá os cordeirinhos e os levará no seio; as que amamentam ele guiará mansamente”.

Verdadeiramente, nosso Senhor é gentil.

Jesus não se acometeu sobre pessoas culpadas de pecado. À mulher imoral de Samaria, ele ofereceu a água viva de vida eterna. Ele ofereceu a ela uma dádiva maravilhosa, antes mesmo que seus pecados adentrassem a conversa. Sim, mais tarde ele conversou sobre os pecados dela, mas de uma maneira terna. Ele curava as pessoas primeiro e depois dizia: “Vá e não peques mais”.

E pense em quantas vezes Paulo enfatizou a importância da gentileza no ministério:

“Embora pudéssemos, como enviados de Cristo, exigir de vós a nossa manutenção, todavia, nos tornamos carinhosos entre vós, qual ama que acaricia os próprios filhos” (1Ts 2.7)

“E eu mesmo, Paulo, vos rogo, pela mansidão e benignidade de Cristo […]” (2Co 10.1)

Pense no livrinho de Filemom, onde Paulo pede que seu amigo trate bem o ex-escravo Onésimo, a quem ele está enviando-lhe de volta. Onésimo agora era um irmão cristão. Paulo diz a Filemom que poderia, como apóstolo, ordenar que ele fizesse a coisa certa, mas, ao invés disso, pede humildemente, com base no amor: “Pois bem, ainda que eu sinta plena liberdade em Cristo para te ordenar o que convém, prefiro, todavia, solicitar em nome do amor” (v. 8-9). Depois, acrescenta: “nada, porém, quis fazer sem o teu consentimento, para que a tua bondade não venha a ser como que por obrigação, mas de livre vontade” (v. 14).

Paulo tinha grande autoridade como apóstolo, mas, tal como Jesus ensinou, não acreditava que um líder deveria “dominar” seu rebanho, ordenando que eles fizessem isto ou aquilo, e ameaçando, e coagindo, e tornando-lhes miserável a vida. Em vez disso, ele procurava resolver os problemas da maneira mais gentil possível. Tal como um bom pai, ele não queria provocar seus filhos à ira. Antes, ele queria ensiná-los, por palavra e exemplo, a amarem os caminhos de Deus de coração. E amar a Deus de coração envolve obediência espontânea.

Mais Como um Pastor

Certamente não há depreciação da justiça, nem comprometimento da santidade da igreja. Paulo de fato defendeu a excomunhão para aqueles que não poderiam ser alcançados de outra maneira (1Co 5), mas ele via até a excomunhão como um meio de restaurar e curar: “entregue a Satanás para a destruição da carne, a fim de que o espírito seja salvo no Dia do Senhor [Jesus]” (1Co 5.5).

Mas o conceito de pastorado de Paulo, certamente, tem muito menos a ver com o de um rei ou general do que com um pastor de ovelhas, ou até mesmo com uma mãe que amamenta.

Outra maneira de dizer, talvez, é que Paulo não se via em um relacionamento litigioso com seu povo. Ele não era inimigo deles, mas um amigo, pai, uma mãe que os amamentava. Creio que tenho ficado bastante triste com alguns relatos que ouvi, de líderes que adotaram uma postura litigiosa contra suas próprias ovelhas.

Robustez e Ternura

A igreja não é uma sociedade de debate acadêmico, e nem um lugar onde alguém procura, por qualquer meio, provar que está certo e que o outro está errado. É, acima de tudo, um lugar onde cuidamos uns dos outros como mães cuidam de seus bebês. E se esta atmosfera de cuidado, proteção, nutrição e amor for substituída por um clima antagonístico, a própria vida da igreja estará em perigo.

Se pregarmos a dureza de Deus sem procurar apaixonadamente manter sua gentileza, cometeremos um erro oposto ao do modernismo, e igualmente ruim. Falar a verdade em amor — este é o equilíbrio que Deus nos chama a manter.

“Seja a vossa moderação [por que ‘moderação’, ao invés de outra coisa?] conhecida de todos os homens. Perto está o Senhor” (Fp 4.5).

“Irmãos, se alguém for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de brandura; e guarda-te para que não sejas também tentado” (Gl 6.1).

Restaure, reprove e repreenda; mas nunca deixe que a gentileza de Jesus se perca.

E quanto a você? É capaz de nutrir aos outros dessa maneira? Talvez você ame as pessoas, mas não sabe como corrigi-las de uma maneira verdadeiramente gentil, sem dureza, sem magoar. Se este for o caso, encontre alguém que lhe possa servir de modelo e mestre nesta área; é tremendamente importante. E, pelo bem de nosso Senhor Jesus Cristo e por amor de suas ovelhas, fique fora do pastorado até que tenha aprendido.

Traduzido por João Pedro Cavani.

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