×
Procurar

6 Maneiras de Não Pregar o Nascimento de Jesus

Para os pregadores, a época do Advento ou do Natal pode não parecer o momento mais maravilhoso do ano. Proclamar a história do nascimento de Jesus é um tremendo privilégio, mas o número de textos para pregação em potencial parece escasso. Nem Marcos nem João incluem o relato do nascimento. Para piorar a situação, pelo menos duas passagens no relato de Mateus não parecem ser fáceis de ouvir. Uma parece muito mundana (Mt 1.1-17), a outra muito perturbadora (Mt 2.16-18).

Mas um outro desafio aguarda os pregadores. Os relatos dos Evangelhos sobre o nascimento de Jesus foram revestidos com séculos de incompreensões exegéticas e elaborações lendárias. R.T. France ironiza:

O entendimento da história do Natal que a maioria das pessoas têm é derivado principalmente de peças de natividade das escolas, em que os pastores vestidos de pano de prato de Lucas estão lado a lado com os magos de Mateus (promovidos ao status real), e um hospedeiro rude e sua esposa estão cercados por anjos infantis com auréolas de papel alumínio. Adicione a esse coquetel uma variedade de cartões de Natal que trazem um estábulo brilhando, cercado pela neve do alto inverno, e povoado por um boi e um burro sorrindo, e você tem os ingredientes para o festival de bem-estar suficientemente sentimentalista que é o Natal moderno. E eu gosto disso tanto quanto qualquer um.

Com certeza. Não sou um rabugento que se contorce cada vez que uma releitura da história do Natal enfeita um pequeno detalhe ou não acerta tudo perfeitamente. Mas como France, reconheço que a nossa compreensão da história do evangelho está em jogo. Pequenos mal-entendidos se somam e distorcem a ênfase dos escritores do Evangelho.

Há também um problema oposto. Depois de pregar as narrativas do nascimento em Mateus e Lucas por tantos anos, os pastores podem estar tão famintos por novos insights que abraçam novas interpretações que obscurecem a história tanto quanto os antigos mal-entendidos.

Seis Erros Para Evitar

Tendo em conta estas preocupações, deixe-me compartilhar seis erros que devemos evitar ao pregar a história do nascimento de Jesus. Minha preocupação é ajudar você a anunciar, no poder do Espírito, as narrativas do nascimento de maneira que aumente o amor e carinho dos seus ouvintes (e o seu) pelo nosso Salvador, o Senhor Jesus Cristo.

1. Ignorar a genealogia em Mateus 1.

Só é preciso uma olhada rápida para a árvore genealógica de Jesus para entender por que passamos correndo por ela, ou porque Handel não a eternizou em seu Messias. Os nomes estão lá como esqueletos sem vida. Mas quando você lê a genealogia com atenção, alguns nomes quase pulam para fora da página: Roboão, Abias, Jorão, Acaz, Manassés, Joaquim e seus irmãos.

A verdade é que Jesus veio de uma linhagem familiar disfuncional.

Assim, quando o anjo fala para José nomear o bebê “Jesus, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados” (Mt 1.21), sem dúvida este é um olhar de relance à árvore genealógica de Jesus.

Ainda mais intrigante é a inclusão de quatro mulheres (cinco, contando sua mãe, Maria). Era raro as mulheres serem mencionadas em genealogias judaicas. Estas não são as mulheres que talvez esperássemos também. Em vez de Sara ou Rebeca, temos Tamar, Raabe, Rute e a mulher de Urias. Por quê? Para começar, todas as quatro têm alguma conexão passada com a imoralidade sexual. Tamar seduziu o seu sogro e Raabe era uma prostituta. Rute fazia parte dos moabitas, um povo com origens em incesto (Gn 19). A criança que a mulher de Urias gerou foi concebida como resultado de um relacionamento adúltero com o Rei Davi. Mas tem mais. Todas as quatro mulheres tinham conexões com gentios. Tamar e Raabe eram cananeias; Rute era moabita; a mulher de Urias era casada com um hitita.

Aqui encontramos um tema que percorre todo Mateus: a expansão do “seu povo” (Mt 1.21) para incluir gentios que se juntam com o remanescente judeu devoto (Mt 3.9; 8.11; 28.19).

Portanto, inclua Mateus 1.1-17 se você pregar uma série sobre a narrativa do nascimento em Mateus. Você pode até pensar em uma série sobre as histórias de Tamar (e de Judá), Raabe, Rute, Bate-Seba (e Davi), e Maria, centradas em como a graça é para todas as pessoas.

2. Declarar que Jesus nasceu em um estábulo porque não havia lugar na hospedaria.

Primeiro, o problema que José e Maria encontraram durante a sua estadia em Belém não era uma falta de espaço na hospedaria. Enquanto a maioria das versões em inglês ainda traduzem o termo grego katalyma como “hospedaria” (Lc 2.7), as únicas outras duas ocorrências da palavra no Novo Testamento se referem a um quarto de hóspedes, onde Jesus e seus discípulos compartilharam uma refeição de Páscoa (Mc 14.14; Lc 22.11). Kenneth Bailey, com razão, pergunta: “Se no final do Evangelho de Lucas a palavra katalyma significa um quarto de hóspedes anexa a uma casa particular (22.11), por que ele não tem o mesmo significado perto do início do seu Evangelho?”

Supondo que José estava contando com a hospitalidade de um amigo em Belém cujo quarto já foi ocupado, qual era a alternativa? A colocação de Jesus em uma manjedoura sugere que ele nasceu em um estábulo perto do local de acomodação, ou até mesmo em uma caverna. [1] Mas há outra alternativa. Já que o quarto de hóspedes estava cheio, José e Maria provavelmente se hospedaram no quarto da família com todos os outros.[2] Não era incomum para os animais para ficarem em casa, uma vez que forneciam calor no inverno e eram protegidos contra roubo.[3]

Talvez isto pareça ser muito barulho por nada, já que qualquer cenário (caverna, estábulo ou quarto da família com animais) reflete as circunstâncias humildes em que Jesus nasceu. No entanto, obter os detalhes corretos pode nos prevenir de transformar a história em algo falso, uma história de rejeição ou um hospedeiro áspero ou um marido incompetente que não planejou no caso de uma hospedaria lotada. É a “normalidade” do nascimento que é tão notável.[4] A ironia é que o Rei dos reis teve um nascimento normal em circunstâncias humildes.

3. Enfatizar demais o caráter questionável dos pastores.

É significativo que as primeiras testemunhas do nascimento de Jesus fossem pastores (Lc 2.8-20). Mas é correto retratá-los como os oprimidos e desprezados da sociedade, tanto que não eram autorizados a testemunhar em processos judiciais? O fato de que os pastores foram os primeiros a ouvir a boa notícia destaca a necessidade dos pecadores ouvirem o evangelho?

Darrell Bock aponta dois problemas com este entendimento.[5] Em primeiro lugar, a prova rabínica é tardia, datando do século V. Segundo, o tema pastoral na Bíblia é em geral positivo (ver Sl 23; Lc 15.4; Mc 6.34; Mt 18.12; Jo 10; Ef 4.11; Hb 13.20; 1 Pe 2.25).

Certamente os pastores representam aqueles de uma classe econômica mais baixa na Palestina do século primeiro. Portanto, é seguro dizer que eles simbolizam o modesto e humilde que responde à mensagem de salvação de Deus.[6]

Os pregadores, às vezes, enfatizam a ironia de como o anúncio veio primeiro aos pastores que guardavam cordeiros que seriam abatidos na Páscoa. Isso é surpreendente, dizem eles, porque Jesus é o último Cordeiro Pascal, que tira o pecado do mundo. Mas Lucas não faz nenhum esforço para enfatizar esta conexão. Afinal de contas, todos os outros pastores nas imediações de Jerusalém estariam cuidando de cordeiros destinados ao sacrifício da Páscoa.

Timothy Laniak destaca alguns pontos mais promissores para ênfase. Em primeiro lugar, a seleção de pastores pode sutilmente refletir a identidade da criança recém-nascida como o governante pastor profetizado em Miquéias 5.[7] Em segundo lugar, a apresentação dos pastores “vigiando seus rebanhos durante a noite” de Lucas 2.8 pode retratá-los “à espera simbólica do ‘amanhecer’ da redenção prometida de Deus” (Lc 1.68; 2.38; Is 63.4).[8]

4. Referir-se aos magos como os três homens sábios.

O problema aqui é que os magos não eram “sábios” no sentido de sabedoria. Nem eram reis. Também não eram necessariamente três. O pressuposto é que haviam três magos porque havia três presentes, mas isso é simplesmente especulação.

Não vejo razão para expurgar “Os Três Reis do Oriente” da lista de canções de Natal. Mas vamos ajudar as pessoas a ver a ironia e a maravilha da visita do magos quando destacamos que eles estavam interessados ​​em sonhos, astrologia, magia e previsões do futuro.[9] Os leitores de Mateus teriam visto os magos negativamente.[10]

Fazemos bem em evitar falas populares como “homens sábios ainda o procuram”, um jogo de palavras que sugere que quem é verdadeiramente sábio procurará Jesus. Claro, isso é verdade. Mas os magos não eram sábios, alunos da sabedoria, cuja procura pela sabedoria os levou a Jesus. É melhor destacar a ironia no contraste de Mateus entre “o anseio dos Magos para adorar a Jesus, apesar de seu conhecimento limitado, e a apatia dos líderes judeus e a hostilidade da côrte de Herodes, os quais tinham as Escrituras para informá-los.”[11]

5. Evitar a história da matança dos inocentes em Mateus 2.16-18.

Como muitos pastores, eu pulei essa história por anos. No entanto, quando a preguei pela primeira vez há 17 anos, ela me instigou a considerar a esperança que temos em Cristo. Eu também a preguei em 16 de dezembro de 2012, dois dias depois do tiroteio em Sandy Hook Elementary School, em Newtown, Connecticut.

Sim, estou horrorizado que o nascimento glorioso do Salvador resultou nas mortes brutais de vários meninos em Belém. (Para ficar registrado, provavelmente não foram mais do que 20, dada a população de Belém na época).[12]

Como se o relato deste evento não fosse horrível o suficiente, Mateus nos força a ficar sobre ele, citando Jeremias 31.15 e afirmando que a matança dos bebês de Belém cumpriu a profecia de Jeremias sobre o lamento e grande luto em Ramá. Esta acaba sendo uma estratégia brilhante. Ao citar Jeremias 31.15, Mateus nos convida a visitar Jeremias 31.16,17 para ouvir o resto da história: Deus agirá para resgatar e restaurar o seu povo da terrível situação. Mateus quer que compreendamos que a esperança prometida para as mães que choraram por seus filhos levados para a Babilônia é a esperança prometida às mães em Belém que perderam seus filhos, e a todos os que enfrentam mal e injustiça horrendos.

6. Assumir que não há nada “digno de Natal” no prólogo de Marcos.

Depois de pregar as narrativas do nascimento de Mateus e Lucas, alguns pastores se voltam para o magnífico prólogo do Evangelho de João para um sermão ou série de Natal. Sim, João 1.1-18 revela a importância da encarnação de Jesus, mas o mesmo acontece com Marcos. Enquanto prólogo de João foca na revelação da glória e da graça de Deus na encarnação, o prólogo de Marcos destaca a chegada de Jesus como o Messias e Filho de Deus que cumpre o “novo êxodo” profetizado por Isaías. O início de Marcos centra-se em Isaías 40.3, com o seu apelo para o povo de Deus preparar a estrada para que Deus o livre da Assíria. Anteriormente, Isaías 11.15-16 comparara essa estrada com a que Deus abriu quando conduziu seu povo para fora do Egito. Por isso, nós nos referimos a este como o novo êxodo de Isaías. A missão de Jesus é lançada como uma continuação desta missão.

À luz da razão da vinda de Jesus à Terra, Marcos conclui o prólogo com uma chamada para se arrepender e crer na boa notícia, ou seja, que Deus veio para libertar o seu povo do cativeiro e levá-lo para um reino glorioso (Mc 1.14-15). O prólogo de Marcos, então, tem tudo a ver com o Natal.

Objetivo do pregador

Evitar estes seis erros não se trata de esnobismo intelectual. Corrigi-los pode ajudar as pessoas a ouvirem a história do nascimento de Cristo de uma forma que aumenta a sua admiração pela história do evangelho. Nosso objetivo é pregar exposições precisas, claras e atraentes do texto que re-revela o Deus vivo e a glória do seu evangelho como centrado em seu Filho.[13]

Por sua graça, tal pregação irá elevar as afeições de nossos ouvintes e estimulá-los ao amor mais profundo por Jesus, o Rei. Como o compositora Elizabeth Prentiss (1818-1878) escreveu simplesmente:

Mais amor a Ti, ó Cristo; Mais amor a Ti!

O potencial para que isso aconteça quando proclamamos a história do nascimento de Jesus faz o Natal uma das épocas mais maravilhosas do ano para pregar.

[1] Darrell L. Bock, Lucas 1:1-9:50 (Baker Academic, 1994), p.208.

[2] David A. Croteau, Urban Legends of the New Testament [Lendas Urbanas do Novo Testamento] (B&H Academic, 2015), p.7.

[3] Kenneth E. Bailey, Jesus Through Middle Eastern Eyes: Cultural Studies in the Gospels [Jesus visto pelos olhos do Oriente Médio: estudos culturais nos Evangelhos] (IVP Academic, 2008), p.29.

[4] Croteau, p.8.

[5] Bock, p.213.

[7] Timothy S. Laniak, Shepherds After My Own Heart: Pastoral Traditions and Leadership in the Bible [Pastores Segundo o Meu Coração: tradições pastorais e liderança na Bíblia] (InterVarsity, 2006), p.198.

[9] D. A. Carson, “Matthew,” The Expositor’s Bible Commentary [Mateus, Comentário Bíblico do Expositor] (Zondervan, 2010), p.110.

[10] R. T. France, The Gospel of Matthew [O evangelho de Mateus] (Eerdmans, 2007), pp. 66-67.

[11] Carson, p.112.

[12] France, p.85.

[13] Para a pregação como “re-revelação” da verdade de Deus, ver D. A. Carson, “Challenges for the 21st-Century Pulpit” [Desafios para o púlpito do Século XXI] em Preach the Word: Essays on Expository Preaching: In Honor of R. Kent Hughes [Pregue a Palavra: ensaios sobre pregação expositiva: em honra de R. Kent Hughes] (Crossway, 2007), p.176.

Traduzido por Mariana Passos 

CARREGAR MAIS
Loading