Quando se trata de assumir seus pecados, os seres humanos podem ser incrivelmente teimosos. Inventamos todo tipo de desculpas para minimizar o pecado e evitar o verdadeiro arrependimento.
É fácil expressar as palavras de um pedido de desculpas, para os outros ou para Deus, ao mesmo tempo em que identificamos possíveis brechas que deixem espaço para uma indulgência futura. Somos Houdinis espirituais, nos contorcendo para escapar do verdadeiro arrependimento. Somos atores que se especializam em cenas de contrição, cujas máscaras apologéticas são pouco mais do que papéis que desempenhamos para nos livrarmos da situação.
O puritano Richard Sibbes, em The Bruised Reed, resumiu bem nossa resistência: “É muito difícil fazer com que um coração desinteressado e evasivo chore clamando por misericórdia. Nossos corações, tal como os criminosos, até serem espancados para eliminar todas as evasivas, jamais clamam pela misericórdia do juiz ”.
Para alguns de nós, já passou muito da hora para clamarmos pela misericórdia de Deus, mas nossas evasões nos mantêm longe de um verdadeiro arrependimento. Aqui estão cinco brechas comuns que usamos para desculpar o pecado.
1. Tristeza Momentânea
Quando se trata de arrependimento, os altos e baixos das emoções nos enganam. Agora, as emoções foram criadas por Deus e podem ser um genuíno sintoma de arrependimento profundo e duradouro. Quando chegamos à cruz em confissão e ali encontramos graça, as lágrimas muitas vezes são inescapáveis.
Mas as emoções nem sempre refletem a verdade. Elas podem se tornar outra brecha, uma maneira de parecer triste na superfície enquanto nós internamente evitamos a dolorosa remoção dos ídolos de nossa vida que Deus deseja. Como Jeremias escreveu: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá? (Jr 17.9)
A astúcia do coração humano cria uma mistura perigosa de remorso irresoluto, usando o arrependimento externo para mascarar a apatia interior. É uma estratégia de auto-engano: se nos convencermos de que estamos arrependidos, a culpa que sentimos perde sua eficácia para nos atormentar..
Não é que estejamos totalmente sem remorso — nossos corações podem estar pesados no momento. Mas quando o sol da tentação se ergue novamente, nossa tristeza se evapora rapidamente na chama da indulgência.
Serão as nossas lágrimas são uma tentativa vã de mediar nossa própria expiação, ou nós realmente abraçamos a cruz de Cristo em toda a sua maravilha esmagadora de pecado e agitadora de afeições? Que nossas lágrimas possam fluir da infinita fonte de graça de Deus e não das correntes de nossas emoções inconstantes e arrependimento transitório.
2. O Argumento da Porcentagem
Às vezes, avaliamos nossos atos justos contra nossos atos pecaminosos. Elaboramos um gráfico espiritual para provar como nossa obediência supera de longe a pequena fatia de pecado em nossas vidas. Analisamos os números, convencidos de que eles estão a nosso favor. Se acertarmos na maioria das coisas, Deus certamente irá desculpar as poucas coisas que cometemos de errado.
O engano é duplo.
Primeiro, superestima a justiça humana, ancorando-a naquilo que fazemos e não naquilo que Cristo fez. Em Romanos 3.9-20, Paulo deixa clara a impossibilidade de elaborar um argumento de inocência baseado em nossas obras. Em outro lugar ele diz que a nossa salvação não é algo que merecemos mas algo que recebemos (Ef 2.8-9).
Em segundo lugar, subestima a natureza corrosiva do pecado. É arriscado supor que a pequena fatia de escuridão em nossas vidas possa co-existir confortavelmente ao lado da luz (de qualquer maneira, na verdade provavelmente é mais do que uma pequena fatia).
Nas Escrituras, o pecado nunca é retratado em termos neutros, como se pudesse ser cercado. Ao contrário, é retratado como fermento que leveda toda a massa (Gl 5:9; 1Co 5.6-7) Seu apetite é insaciável. Quando minimizamos sua presença, asseguramos o crescimento do pecado.
3. Cinismo Institucional
Vivemos numa era de suspeita institucional. Ninguém quer ouvir instrução sobre como viver. A autonomia é suprema e a autoridade é nossa inimiga. Qualquer mandato à santidade é descartado como mais uma instância de legalismo da igreja institucional.
A hipocrisia das autoridades religiosas com atitudes beatas — que muitas vezes são flagradas nos mesmos pecados que condenam — torna-se uma desculpa para os indivíduos tratarem seus próprios pecados de uma forma leve, permitindo que os defeitos da igreja se tornem uma brecha para desculpar seus próprios erros.
Será que nosso desdém pelo jargão de “santidade” evangélica prejudica nosso compromisso de crescer em semelhança a Cristo? Será que nosso desprezo para com crentes hipócritas é uma estratégia de autojustificação para nos apegarmos ao pecado?
Como sempre, Jesus nos mostra o caminho. Ele censurou verbalmente os legalistas de sua época (Mt 23) — ao mesmo tempo em que levava a santidade a sério. Ele se recusou a ser manipulado pelo farisaísmo preconceituoso e superficial da época — ao mesmo tempo em que proclamou: “Vai e não peques mais” (Jo 8.11). Ele resgatou a lei das mãos abusivas que a empunhavam — ao mesmo tempo em que conclamou seus discípulos a seguirem o espírito da lei, de acordo com o coração de seu Pai (Mt 5.17-20).
Necessitamos fazer o mesmo.
4. Escondendo-nos no Rebanho
A comunidade humana pode ser tanto uma dádiva para o nosso crescimento mas também pode inibir este crescimento. Tal como Adão e Eva, quando comeram do fruto da árvore, há uma mentalidade de rebanho em todos nós — uma tendência a ser influenciados, guiados e moldados uns pelos outros de formas destrutivas.
A comunidade pode ser insular e servir para confirmar preconceitos, quando defendemos qualquer coisa que esteja do nosso lado e julgamos os que estão do outro lado. Tudo aquilo que é comum torna-se confortável, normalizado e,justificável. Os evangélicos não estão imunes a este problema. Podemos facilmente cair em categorias de “nós contra eles”, ou cristãos versus a cultura, cegados para como simplesmente cristianizamos as mesmas práticas seculares que afirmamos detestar.
À medida em que nos beneficiamos da beleza e da vida da comunidade cristã, necessitamos também verificar os motivos, hábitos e pressuposições de nossa tribo. Este é um trabalho árduo e corajoso, mas no final das contas, o status quo do mundo evangélico nem sempre é o caminho de Jesus.
Seria nossa comunidade uma muleta, uma maneira de desculpar o pecado porque não somos “os únicos”? Será que temos medo de ser diferentes e ficamos satisfeitos em nos integrar no ambiente, mesmo quando sentimos que estamos sendo desobedientes?
5. O Jogo do Talento
Um mentor certa vez compartilhou comigo que seus maiores momentos de tentação vêm logo após o sucesso. Sendo um pastor e comunicador talentoso, no rescaldo de um grande sermão, tendo ouvido palavras de afirmação de seu rebanho, ele reconhece que às vezes se sente com direito a se recompensar de maneira pecaminosa.
A honestidade do meu mentor é instrutiva para cada um de nós. Será que no fundo estamos convencidos de que Deus se importa mais com nosso talento do que com nosso caráter? Será que imaginamos que a nossa “indispensabilidade” no reino de Deus nos proporciona privilégios especiais para nos envolvermos em rebelião?
Nossos amigos e colegas podem aclamar nossos dons. Pode ser que o mundo admire nosso sucesso. Mas os olhos de Deus estão fixos em nossos corações. O que é que ele está vendo?
Não devemos deixar que nossas realizações sobrepassem nosso caráter. Nossos currículos não justificam nossa rebelião. Pela graça de Deus, que nossa obediência pública possa refletir com precisão nossos hábitos privados.
Olhando para Trás ao Avançar
Como podemos eliminar manobras evasivas? O que podemos fazer para quebrar o ciclo de buscar brechas que desculpem o pecado em vez de verdadeiramente admiti-lo e abandoná-lo?
Necessitamos pregar diariamente o evangelho a nós mesmos. Necessitamos ficar saturados da verdade simples e profunda da vida, morte e ressurreição de Cristo. E não devemos limitar o evangelho a algo que Jesus fez no passado, mas como algo que Jesus também está fazendo em nosso presente. Não se trata de “apenas Cristo para a salvação”, mas também de “apenas Cristo para a transformação”.
Em seu livro Center Church, Tim Keller escreveu:
“O evangelho não é apenas o ABC, mas o A ao Z da vida cristã. É incorreto pensar que o evangelho é o que salva os não-cristãos, e então os cristãos amadurecem tentando viver de acordo com os princípios bíblicos. É mais correto dizer que somos salvos por crer no evangelho, e então somos transformados em todas os aspectos de nossas mentes, corações e vidas, crendo no evangelho cada vez mais profundamente, à medida que a vida continua”.
Quanto mais absorvemos o evangelho, menos necessária se tornará cada brecha. Em Cristo, não necessitamos fabricar remorso pelo pecado. Em vez disso, o sacrifício de Jesus inunda nossos corações de afeto por ele. Ao mirarmos o Calvário, torna-se impossível banalizar nosso pecado. Fica demonstrado que nossas boas obras são insuficientes. Nosso cinismo se esvai. Somos libertos da conformidade aos outros. Começamos a ver nosso sucesso não como uma licença para pecar, mas como graça para um rebelde indigno.
Nossa rebelião é realmente teimosa, mas o amor de Cristo é ainda mais teimoso. Ao nos rendermos à obra de prospecção do Espírito, saturados na verdade do evangelho, nossa busca por brechas se dissipará.
Traduzido por Pedro Henrique Aquino