“Não só de pão viverá o homem” (Mt 4.4).
Mas o que acontece se você nem pode comer pão? Ou frutas? Ou laticínios? Ou ovos? Para um número crescente de pessoas, esse é o seu mundo. Esse é o meu mundo. Se você não sofre de alergias alimentares, provavelmente conhece ou ama alguém que sofre — um irmão, uma irmã, esposa, um filho, um membro da igreja.
Como cristãos, e membros do corpo de Cristo, temos a oportunidade de carregar os fardos uns dos outros (Gl 6.2) ao vivermos e comermos junto a pessoas com alergias alimentares.
Provação Pessoal Significativa
Durante o meu segundo ano de faculdade, comecei a sentir uma dor intensa no estômago que piorou rapidamente. Os cinco anos seguintes foram marcados por sintomas que vão de irritantes a debilitantes.
Após inúmeras consultas médicas, exames médicos, letargia física e fadiga de alma, fui diagnosticada com colite ulcerativa e me receitaram um supressor do sistema imunológico. Após vários surtos, sintomas persistentes, mais medicamentos fortes e dois diagnósticos adicionais, acabei com uma pilha de panfletos nas mãos sobre tratamento e dieta.
Não sabia por onde começar. As dietas recomendadas eram conflitantes e difíceis. Tive efeitos colaterais da medicação, danos ao meu corpo por má absorção, dores de estômago recorrentes e pequenas doenças frequentes vindas de um corpo disfuncional. Durante as diversas estações dessa jornada, senti-me desanimada, oprimida, isolada e até deprimida.
Eventualmente, meu médico mencionou que eu poderia tentar evitar o glúten na alimentação. Embora entristecida com a ideia de uma mudança tão drástica na alimentação, minha nova maneira de comer acabou me ajudando a entender o efeito que a comida e as restrições alimentares têm no corpo e no espírito.
Uma Luta Invisível
Alergias alimentares e problemas de saúde relacionados nos golpeiam física e espiritualmente, mas pelo fato de meu problema de alergia alimentar não ser externamente óbvio, por dentro me sentia envergonhada. Eu não estava presa a uma cadeira de rodas. Não tinha problemas para ver ou falar. Portanto, minimizei a dor e optei por sofrer silenciosamente.
Na época, sentia-me incapacitada por motivos não aparentes e os quais eu não compreendia.
Ao longo do tempo, compreendi que a batalha contra alergias alimentares pode ser uma provação que domina a vida, afetando a pessoa por inteiro. Para pessoas com alergias e intolerâncias (e problemas relacionados), o simples ato de comer necessita ser reaprendido.
Comer fora, comer nas casas dos outros, ceias de Natal e Páscoa, refeições na igreja muitas vezes podem ser um problema, e às vezes um risco de morte. Ler rótulos, reconfigurar compras de supermercado e pesquisar dietas demandam muito tempo. Testes alimentares e exames médicos consomem enormes quantidades de dinheiro. Os amigos ficam relutantes em convidar pessoas alérgicas para uma refeição. Mesmo a santa ceia na igreja com pão e suco convencionais pode ser impossível.
Corpo e Alma
A alma humana é afetada quando o corpo físico é comprometido. As Escrituras são claras de que um ser humano é uma pessoa inteira, corpo e alma, e as duas partes estão entrelaçadas (2 Co 4.16; 1 Rs 19.5-9; Tg 2.15-16).
Por causa disso, muitas pessoas com alergias, tal como eu, batalham contra o desespero, a raiva, a solidão, o constrangimento e a vergonha. Além disso, as alergias e intolerâncias expõem vulnerabilidades únicas. Temendo as opiniões dos outros sobre as suas restrições alimentares, pessoas com alergias podem ser tentadas a não participarem das interações sociais ou a fazerem uma defesa estridente para todos os que quiserem ouvir.
A esperança para a pessoa com alergias requer o reconhecimento dos sintomas espirituais e físicos das alergias e intolerâncias, sem negligenciar nem um nem outro.
Esperança do Evangelho
O pecado mantém seu domínio pleno sobre este mundo e a alimentação não está isenta. É uma necessidade e uma boa dádiva a ser desfrutada — mas é também distorcida pela maldição. As alergias e intolerâncias são uma expressão importante dessa distorção.
Nas Escrituras, o alimento é complexo. O alimento foi a ferramenta que provocou a queda, quando Adão e Eva comeram com o coração orgulhoso, olhos desejosos e um desrespeito pelos limites que teriam permitido o seu crescimento. O alimento foi uma ferramenta usada para nutrir e, em seguida, admoestar os israelitas que resmungaram quando Deus não o forneceu nos termos que eles queriam.
Para quem sofre com alergias e intolerâncias, o alimento também é uma ferramenta. Com sabedoria amorosa, Deus estabelece restrições únicas para cada um de seus filhos. E embora as restrições alimentares frequentemente envolvam sofrimento, elas são terra fértil para o fruto espiritual. Dizer não ao pão ou ao sorvete é uma oportunidade para examinarmos os nossos corações, aprendermos a renúncia e cultivarmos o contentamento.
Eu costumava ficar com raiva e na defensiva quando as pessoas diziam: “Uau, você está de parabéns, mas eu nunca poderia viver sem pão ou frutas. Eu gosto demais dos donuts!” Declarações como essas me pareciam banais e ofensivas.
Mas comecei a ver as alergias e intolerâncias como uma grande misericórdia. Através das perdas alimentares, tenho sido profundamente santificada e vivenciei o extraordinário valor de conhecer a Cristo Jesus, meu Senhor. E isso vale muito mais do que qualquer donut.
Uma pessoa com alergias e intolerâncias pode ter esperança ao lamentar a perda de desfrutar plenamente da comida, porque existe um propósito maior. Nas trincheiras das restrições alimentares, a glória de Deus brilha intensamente, iluminando o seu poder que se aperfeiçoa na fraqueza.
Porta para o Banquete Futuro
O pecado começou com alimento, e sua abolição culminará na ceia das bodas do Cordeiro. Você que sofre de alergia alimentar, a sua dor o está preparando para um peso único da glória.
Então, quando Jeová Jiré provê alimento que você pode comer, alegre-se. Quando você comer sem dor ou medo, alegre-se. Mas nos momentos difíceis de isolamento e autonegação, lute para ver isso: o pecado pretendia destruir a boa dádiva do alimento de Deus, mas ele redimiu essa dádiva distorcida pela sua graça poderosa.
Ao administrar as restrições que Deus lhe deu, que você possa ouvir: “Muito bem, servo bom e fiel”, e que possa aguardar ansiosamente pelo dia em que ele dirá: “vamos ao banquete”.
Traduzida pela Mariana.