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“Não posso imaginar alguém que tenha mais sofrimento na vida que eu”, ele me falou em meio a lágrimas de raiva. Vindo da maioria, isso poderia parecer dramático. Mas vindo dele, era quase crível. Sistematicamente abusado na infância, com múltiplos relacionamentos que fracassaram como adulto, filhos afastados do lar, e a dor física crônica fizeram do sofrimento desse homem algo monumental. No entanto, mesmo em casos como este, Hebreus 4: 15-16 não deixa de ser verdade:

Porque não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, antes, foi Ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado. Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna. 

Não importa o quanto sofremos, não há ninguém que conheça nosso sofrimento melhor do que Cristo. Ele está mais familiarizado com ele do que nós. O homem sentado a minha frente tinha permitido que um dos aspectos de sua identidade como um cristão (sofredor) tivesse precedência e, de precedência, tornou-se idolatria.

Como cristãos, somos todos uma combinação de santo, pecador e sofredor (CrossTalk, Mike Emlet). Isso não quer dizer que há partes de nós que são salvas e outras partes que não são. Há partes de nós que enfatizam um aspecto de nossa identidade, mas todas as três são necessárias para uma caminhada cristã balanceada.

Santo Demais?

Nós sabemos que todos os que creem em Jesus Cristo e somente nEle para a salvação são descritos como santos (Efésios 1:1; 1 Corintios 1:2, 6:11) e são chamados a agir como santos (1 Pedro 1:15-16). É o aspecto santo de nossa identidade cristã que encontra alegria e paz na santidade de nosso Deus e se esforça para ser mais parecido com Ele em nossas palavras, pensamentos e ações. Lembra-nos das riquezas inesgotáveis da Palavra de Deus e da segurança de permanecer em sua lei. No entanto, quando esse aspecto é superestimado, perdemos de vista nossa necessidade de graça ou o fato de que ainda somos pecadores que machucam aqueles que nos rodeiam com os nossos pecados.

Esquecemo-nos da necessidade de arrependimento, tanto diante do Senhor como uns com os outros, e nos irritamos com a sugestão de que precisamos pedir perdão. Quando esse aspecto da identidade cristã se torna um ídolo, declarações como “Eu sei que não sou perfeito, mas…”, tornam-se a norma, e desprezo, ao invés de compaixão, por companheiros pecadores torna-se nossa prática.

Pecador Demais?

Da mesma forma, nossa identidade como pecadores serve aos propósitos de Deus. A Escritura nos confirma que todo homem, mulher e criança, mesmo os que estão seguros nas promessas salvíficas de Deus, ainda são pecadores (1 João 1:8; Romanos 7:19-20). Sim, nós somos chamados a ser aqueles que obstinadamente matam o pecado dia a dia. No entanto, perceber que algo do pecado permanece em nós até a glória é de vital importância. É esse aspecto de nós mesmos que nos ajuda a correr para as fontes de graça a fim de sentirmo-nos revigorados por elas, sabendo da profundidade da sujeira que precisa de limpeza. Lembra-nos que também nós estamos em grande necessidade da misericórdia de Deus. Portanto, o perdão deve ser algo que estamos prontos a oferecer aos outros (Efésios 4:32). Sem ver os nossos próprios pés de barro, o pecado de todos parece primariamente uma ofensa contra nós mesmos e não contra Deus.

Nos tornamos frustrados, confusos e muito facilmente somos feridos pelas deficiências dos outros. No entanto, da mesma forma que alguns cristãos idolatram seu senso de santidade, outros idolatram sua pecaminosidade. Quando a busca por piedade pessoal é rotulada como “legalismo” ou quando tentar matar o próprio pecado se torna sinônimo de futilidade, há uma boa chance de estarmos adorando aos pés de nossa própria natureza pecaminosa.

Sofredor Demais?

Não apenas somos santos e pecadores, mas também somos sofredores.. Mesmo Cristo, o Filho perfeito de Deus que não conheceu pecado (Hebreus 4:15) e, portanto, não merecia nada além de glória, teve que sofrer. portanto, os cristãos são aqueles que também sofrem. Este é um dos pontos principais de Pedro em sua primeira epístola:

Porquanto para isto mesmo fostes chamados, pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos. (1 Pedro 2:21)

O sofrimento é uma norma na experiência cristã, e não uma raridade. E não é apenas sofrimento físico ou psicológico, mas as nossas próprias almas clamam angustiadas, desejando ser o que elas foram projetadas a ser ao invés de serem distorcidas pelo pecado (Romanos 8: 22-23). Apesar de não fazermos muito para sofrer, esse é um aspecto de nossa identidade cristã que nos permite compreender o verdadeiro custo do pecado. Nos possibilita conhecer intimamente a dor do pecado de outros contra nós e o impacto de pecar contra outros. Através da nossa própria angústia somos capazes de simpatizar com os outros e oferecer palavras bíblicas de conforto assim como Paulo exorta:

Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai de misericórdias e Deus de toda consolação! É Ele que nos conforta em toda a nossa tribulação, para podermos consolar aos que estiverem em qualquer angústia, com a consolação que nós mesmos somos contemplados por Deus. (2 Coríntios 1:3-4)

No entanto, essa identidade pode encontrar lugar no trono de nossas afeições. Quando o nosso sofrimento vai para além dos limites, incapaz de suportar o escrutínio das Escrituras, ou quando torna-se tão esmagador e único que ninguém é capaz de nos entender, há uma boa chance de que ele nos fez seu servo.

Esforçando-se pela Harmonia

Verdade seja dita, nenhum de nós detém estes três aspectos de nossa identidade cristã em perfeita harmonia. Nós todos tendemos a priorizar um sobre os outros ou a negar que um deles existe. Mas devemos nos esforçar para ter uma visão equilibrada da nossa identidade em Jesus. Santo, pecador, sofredor, todos os três devem ter sua voz, todos os três devem ser ministrados, e todos os três devem ministrar a outros.

Este post foi publicado originalmente em desiringgod.org.

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