Eu costumava pensar no céu de vez em quando, mas não posso dizer que isso afetava o meu dia a dia. Tudo mudou quando meu filho mais velho, Cam, morreu em Cristo de forma repentina e inesperada, em novembro de 2013. Depois que meu filho foi viver com o Senhor, o céu se tornou uma influência profunda na minha perspectiva diária e isso mudou a minha vida.
Antes o céu era algo que eu conhecia intelectualmente, mas, após a morte de Cam, a eternidade se tornou algo que impulsiona a ação, um filtro para aprumar a minha perspectiva e um conforto — não apenas para uma grande tragédia, mas também para as decepções comuns da vida.
Uma mentalidade voltada para o céu de forma mais acentuada me proporcionou um contentamento maior, me deu forças para perseverar no sofrimento e me inspirou a focar em missões e evangelismo. A dor da morte do meu filho não é uma coisa que eu teria escolhido, e não vou superá-la completamente neste mundo caído, mas essa mudança de foco para o céu, trazida pelo Senhor, tem sido uma das maiores bênçãos da minha vida.
Por que o céu não afeta a maioria dos cristãos modernos tanto quanto poderia? Aqui estão três motivos, junto a algumas orientações sobre como podemos crescer em uma mentalidade celestial.
1. Vemos o céu como um estado exclusivamente futuro.
Antes da morte do meu filho, eu só pensava no céu como o lugar para onde irei quando morrer — o que os teólogos chamam de “estado intermediário” — e também como o novo céu e a nova terra que Jesus trará no final desta era.
Mas o céu é mais do que esses estados futuros; o Novo Testamento, particularmente as cartas de Paulo e os Evangelhos, caracterizam a primeira vinda de Cristo como a chegada do céu à terra na era presente. O Antigo Testamento apontava para o “dia do Senhor” dos últimos tempos e para a era vindoura como sua expectativa celestial (Jl 2.1-11; Sf 1.14-18). O dia do Senhor marcava a vinda de Deus à terra para purificar o mundo do mal e trazer justiça contra seus inimigos. A era vindoura, o período em que o céu habitaria a terra, se seguiria ao dia do Senhor.
As cartas de Paulo identificam a primeira vinda de Cristo como um cumprimento inicial do dia do Senhor. Em 2 Coríntios 6.2, Paulo escreve: “porque ele diz: ‘Eu te ouvi no tempo da oportunidade e te socorri no dia da salvação; eis, agora, o tempo sobremodo oportuno, eis, agora, o dia da salvação‘” (ênfase minha). Visto que a visitação divina ocorreu pela primeira vez quando Deus veio em Jesus encarnado, a era vindoura se iniciou. O céu habita a terra. Isso não significa que “este mundo perverso” terminou (Gl 1.4); isso acontecerá com a segunda vinda de Cristo. No entanto, o céu está aqui.
Quando uma pessoa coloca a sua fé em Jesus há uma mudança em sua localização espiritual. Em Colossenses 1.13, Paulo diz que os crentes agora habitam no reino celestial: “Ele nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor”. Quando Paulo diz que “a nossa pátria está nos céus” (Fp 3.20), ele está falando em termos presentes. Embora ainda vivamos fisicamente em nossa carne pecaminosa e nesta terra caída, também habitamos espiritualmente no reino dos céus.
Mesmo agora, temos acesso às “bênçãos espirituais nas regiões celestiais” por meio da nossa união com Cristo (Ef 1.3). Com certeza o nosso pecado e as lutas desta era presente perversa ainda criam dificuldades e dor. Ao mesmo tempo, as ricas bênçãos espirituais do céu trazem uma alegria profunda e igualmente rica ao nosso dia a dia.
2. Temos ideias desinformadas e não-bíblicas sobre o céu.
Quando comecei a pesquisar sobre o céu, fiquei surpreso ao descobrir que os livros de “visita celestial” constituem a maioria da literatura recente sobre a vida após a morte. Observei várias pessoas após a perda de um ente querido recorrerem a livros como esses, onde alguém relata uma experiência de quase morte. Muitos cristãos modernos veem tais livros como relatos teológicos autoritativos sobre como será o céu.
Eu desencorajaria as pessoas a investirem tempo com livros sobre visitas celestiais, tendo em conta que as Escrituras fornecem a verdade absoluta sobre o que podemos esperar da vida vindoura. A verdade revelada na Bíblia (e nos livros que explicam o que a Bíblia nos diz sobre o céu) supera em muito quaisquer relatos subjetivos de pessoas.
Os livros Heaven (Céu) de Randy Alcorn, Heaven: Your Real Home from a Higher Perspective (Céu: o seu verdadeiro lar de uma perspectiva maior) de Joni Eareckson Tada e meu livro Heavenward: How Eternity Can Change Your Life on Earth (Voltado para o céu: como a eternidade pode mudar a sua vida na terra) são todos bons recursos para ajudá-lo a construir uma perspectiva bíblica sólida sobre o céu. Um comentário de qualidade como The Returning King (O rei que retorna) de Vern Poythress tornará o livro de Apocalipse menos intimidante e aumentará seu conhecimento sobre a vida após a morte.
O céu só pode afetar nossas vidas se basearmos nossas visões na verdade. Ter uma teologia pessoal do céu centrada na Bíblia fundamenta nossa mentalidade sobre a eternidade em uma base verificável.
3. Tratamos o céu como uma abstração impessoal.
Um problema na teologia moderna é que os cristãos tendem a despersonalizar realidades teológicas. Por exemplo, muitos reduziram o evangelho a uma mera transação: Jesus morreu, nós nos arrependemos e cremos, a salvação eterna é creditada em nossa conta bancária espiritual. Adquirimos as credenciais e temos a liberação concedida nos portões de pérola da entrada do céu.
Isso fica muito aquém da perspectiva bíblica, holística e pessoal: nós fomos identificados pessoalmente com Jesus em sua vida, morte e ressurreição. O Espírito de Deus habita em nossos corações. Estamos unidos a Cristo e encontramos vida abundante na comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito. Nossa justificação diante de Deus vem como parte das realidades relacionais de nossa regeneração e adoção, e da promessa de nossa santificação e ressurreição final.
O céu sofreu uma despersonalização semelhante. Tendemos a pensar nas características do céu, como ruas de ouro e portões de pérola, ou sobre a experiência ali (libertação do sofrimento, euforia total e assim por diante), muito antes de pensarmos no centro da promessa do céu: Jesus.
O céu se tornou pessoal para mim quando meu filho foi morar lá. E enquanto eu estudava e explorava as realidades do céu, também acabei crescendo em meu relacionamento com Cristo, o Rei do céu. O que faz do céu “o céu” é Jesus, e vamos experimentar uma comunhão irrestrita com ele lá. Contemplaremos a visão face a face de Deus em sua glória, é isso que torna o céu tão euforicamente maravilhoso. Entender o céu nesses termos pessoais nos move em direção a uma comunhão mais profunda com Jesus e melhora nosso relacionamento com ele nesta vida presente.
Quando o céu é despersonalizado ele se torna meramente hipotético e abstrato, e, como consequência, tem pouca influência em nossas vidas porque não parece real. Crescer em uma mentalidade celestial não significa apenas saber mais sobre o céu intelectualmente. Significa que a eternidade tem um efeito discernível em nosso humor, perspectiva e ações.
Em seu ensaio The Negro Spiritual Speaks of Life and Death (O Negro Spiritual fala da vida e da morte), Howard Thurman descreveu o papel crucial que a mentalidade celestial desempenhou na sobrevivência e perseverança dos escravos dos Estados Unidos. Thurman falou sobre a visão concreta do céu contida em suas canções:
O céu era específico! Acreditava-se que uma série de eventos aconteceria em ordem… Uma coroa, uma coroa pessoal é dada… Há mansões… Existem vestes.
A teologia do céu deles era concreta e individual. Uma imaginação celestial que fluía das Escrituras era o que nutria esse sustento eterno.
O céu terá maior significado e sentido em nosso dia a dia quando o virmos como uma realidade tanto real quanto pessoal, e podemos empregar a nossa imaginação celestial dentro dos limites das Escrituras para avançar nessa direção.
Como será ter um corpo que não sente dor nas costas, refluxo ou enxaquecas? Como será conversar com Martinho Lutero, o apóstolo Paulo, ou com seu irmão que morreu antes que você o conhecesse? Como será não andar mais pela fé, porque você vive com Jesus à vista todos os dias? Como será nunca mais experimentar tentação ou cair em pecado? Como será explorar a nova terra sem limitação ou custo? Usar nossa imaginação santificada dessa forma nos lembra que o céu é real e relevante, e que sua realidade deve influenciar nossas vidas.
Em minha vida, essas mudanças assumiram várias formas. Tenho mais coragem para dizer coisas difíceis e para compartilhar o evangelho quando pode parecer estranho, afinal, a vida na terra é muito curta e a eternidade muito longa para deixar que a estranheza ou o desconforto se interponham à fidelidade. O céu moldou meu pensamento moral e ético: quando sou tentado a ser indulgente comigo mesmo, ou a agir com raiva e mesquinhez, saber que não vou agir dessa forma no céu me compele a resistir ao pecado nesta vida. Quando me lembro de que a comunhão perfeita e irrestrita com Jesus é o que tornará o céu tão glorioso, sou lembrado de parar o que estou fazendo e buscar agora uma comunhão íntima com ele como o caminho para o contentamento.
A mentalidade celestial pode nos abençoar com grande satisfação, perseverança, perspectiva, inspiração e foco. Aprender mais sobre a eternidade e pedir ao Espírito Santo que cultive um pensamento voltado para o céu pode transformar radicalmente sua vida. Certamente transformou a minha.
Traduzido por David Bello Bondarenco