Embora 2024 não tenha sido um dos melhores anos para a produção cinematográfica, algumas obras se destacaram. Entre elas, dois experimentos de grandes proporções: primeiro, “Megalópolis”, a mistura colossal de ficção científica e drama dirigida pelo aclamado Francis Coppola (responsável por clássicos como O Poderoso Chefão e Apocalypse Now) e, segundo, a sequência épica do clássico Gladiador de 2000, “Gladiador 2”, também dirigida por Ridley Scott, responsável pelo primeiro (e por outras pérolas como Blade Runner Cruzada).
Em Megalópolis, o arquiteto e ganhador do Prêmio Nobel, Caesar Carolina (interpretado por Adam Driver), sonha com uma utopia, uma comunidade construída sobre o fundamento da engenhosidade e do potencial humano. Megalópolis, a cidade que Caesar quer edificar, é um mundo superior, um lugar entre os homens e os deuses, uma fuga da realidade defeituosa, um paraíso onde a criatividade humana não é barrada pelos limites – nem mesmo do tempo. Seu adversário, no entanto, é o prefeito de Nova Roma (uma versão distópica de Nova York), Cícero, que vê no mundo real a única possibilidade para a humanidade, com todas as suas mazelas.
Já em Gladiador 2, a narrativa é outra: o filho de Maximus (o gladiador do primeiro filme, vivido por Russell Crowe), Lucius (interpretado por Paul Mescal), neto do grande imperador-filósofo Marco Aurélio (famoso por suas Meditações), é capturado na Numídia, em uma das campanhas militares deflagradas pelos imperadores gêmeos Geta e Caracala e, repetindo o destino de seu pai, torna-se um gladiador no grande Coliseu romano, tendo que lutar por sua liberdade. Contudo, na trama mais ampla, a luta de Lucius não é apenas pela própria liberdade, mas sobretudo pela liberdade de construir a “Roma dos Sonhos” de Marco Aurélio: uma república restaurada, com um povo livre e capaz de florescer, guiados pela virtude e pela nobreza características dos homens, mas sufocadas pela tirania dos imperadores.
Megalópolis e Gladiador 2 são, sem dúvidas, dois filmes monumentais, com uma produção que reflete os milhões de dólares investidos e as mentes brilhantes por trás de seus roteiros. E, embora ambas as obras tenham narrativas própria, e sejam separadas por milênios, elas compartilham de um tema comum: Roma (nos lembrando, mais uma vez, que o homem contemporâneo pensa mais no Império Romano do que costuma admitir). Entretanto, mais do que referências históricas a Roma, os dois filmes compartilham o tema da “Roma dos Sonhos”, do imperium, daquela grande cidade que, uma vez construída, alcançada pela ação humana em sua máxima potência, fará com que o mundo seja um lugar melhor – ou, para emprestar o vocábulo cristão, um lugar redimido. Em Megalópolis, a grande cidade é construída pela engenhosidade do espírito humano. Em Gladiador 2, é a força e a honra dos homens que dará a eles um mundo livre e fará com que seus nomes fiquem inscritos na história, ecoando eternidade adentro.
Ao observar de perto como esses temas se desenvolvem nas duas obras, fica evidente que o “sonho de Babel” continua vivo no coração humano e bastante produtivo na cultura. Em pleno Século XXI, a raça humana ainda sonha com aquela grande cidade, tão alta e tão imponente que alcançará os céus. Uma cidade tão única, que o nome de seus construtores jamais será esquecido. Uma cidade em que todas os nossos limites deixarão de existir e – veja só! – seremos como deuses, criando nossa própria realidade, nosso próprio destino. É interessante como, por exemplo, em Megalópolis, o tema da superação dos limites é tão presente que, em determinado momento, um dos personagens tem parte de seu corpo substituída por um material sintético de propriedades quase mágicas – o mesmo material do qual Megalópolis será feita – e, com essa substituição, passa a ser melhor do que era antes. É um gesto simples, mas profundamente significativo em um tempo como o nosso, em que indivíduos se submetem a todo tipo de procedimento para se verem livres das amarras que a própria biologia lhes impôs.
Uma miríade de outras obras poderiam ser citadas aqui, mas Megalópolis e Gladiador 2 são suficientes para deixar claro que os homens ainda sonham com Babel – e continuarão sonhando até o fim de seus dias – porque não percebem uma verdade essencial: a redenção e a liberdade não podem ser encontradas em uma cidade edificada “de baixo para cima” – não importa quão altas sejam suas torres e quão bem elaboradas sejam suas filosofias de liberdade e florescimento. A redenção só pode ser encontrada em uma cidade edificada “de cima para baixo” – sim, contrária a qualquer noção de engenharia: é a “Cidade de Deus” que precisa descer até os homens, para que os problemas do mundo caído sejam resolvidos.
O “sonho de Babel” fracassou no passado, tem fracassado no presente e fracassará no final. É apenas na Cidade de Deus que podemos ser verdadeiramente livres e de fato florescermos como seres humanos – humanos como jamais conseguimos ser, por conta de nosso pecado. Enquanto nossa cultura se ilude com a possibilidade vazia de uma “Roma dos Sonhos” ou uma Megalópolis, o Evangelho nos oferece uma cidade magnífica, cujo arquiteto e edificador é infalível (Hb 11.10), na qual nossos anseios mais profundos serão correta e verdadeiramente satisfeitos. Infelizmente, como o cinema nos mostra, até que ela se revele, nossa cultura ainda sonhará com torres tão altas, mas tão altas, que Deus precisa descer do céu para enxergá-las…