Em livros com tendência à “teologia da prosperidade light”, nenhum ultrapassou A Oração de Jabez. Desde a sua publicação em 2000, mais de nove milhões de cópias foram vendidas. E, embora seu maior impacto tenha ficado para trás, seu legado permanece.
Mais fundamentalmente, a teologia da prosperidade é impulsionada por uma hermenêutica defeituosa. O livro A Oração de Jabez oferece um exemplo muito popular deste método de leitura da Escritura, defendendo, de maneira involuntária, uma teologia da prosperidade “light”, apesar de ter sido escrito por um professor que não defende a teologia da prosperidade.
Ao contrário do que afirma o best-seller, a história bíblica de Jabez nos conta como Deus conforta aqueles que se encontram em profunda dor. Mas o livro A Oração de Jabez foi comercializado para cristãos com aspirações de ascensão social, e relata a história deste israelita como se ele fosse um de nós. Mas este é o problema: Jabez não foi como nós. Não viveu em meio a nosso materialismo moderno. E sua oração não pode ser aplicada diretamente a nós sem, antes, vermos como ela se relaciona com sua própria situação, e, em seguida, como se relaciona a Jesus Cristo.
Questões de Interpretação
Ao invés de ver Jabez na narrativa de 1-2 Crônicas e como ele, por sua vez, se relaciona com as promessas da aliança a Israel e que encontram o seu cumprimento em Cristo, A Oração de Jabez, e tantos outros livros e sermões como ele, se dirigem diretamente do texto para a aplicação individual. Como resultado, muitos evangélicos – incluindo muitos que consideram a teologia da saúde e da riqueza abomináveis – tiveram sementes da perigosa prosperidade “light” implantadas em seus corações.
Eis como funciona: ao reivindicar um versículo (ou versículos) que contém uma promessa como sendo para eles, tais crentes, não intencionalmente, ignoram a Cristo e a sua cruz — a verdadeira fonte de toda bênção. Sem pretender negar o evangelho, é isto que eles certamente fazem.
Pode-se chamar isto de pregação acidental da prosperidade, mas este é o calcanhar de Aquiles de pregadores evangélicos que tomam atalhos para tornar a Bíblia relevante. Apesar de não fazerem promessas malucas de riqueza ou de cura, eles tomam um versículo da Bíblia e dizem: “Você pode desfrutar mais das bênçãos de Deus, se fizer esta oração ou implementar estes princípios.” Tais abordagens da Escritura se resumem a uma fórmula que, quando aplicada à oração, causa com que Deus abra as janelas do céu e libere bênçãos materiais sobre nós.
Através de práticas interpretativas pobres, qualquer um de nós pode semear sementes de prosperidade “light”. Embora existam falsos mestres insidiosos que, intencionalmente, defendem a doutrina da saúde e da riqueza, muitos de nós nos desviamos da ortodoxia simplesmente por meio de métodos inconsistentes ou não intencionais de interpretação. Para que possamos pregar o verdadeiro evangelho, isto tem de parar — mas não por exilarmos a Jabez.
Sete Observações
A fim de evitar tais hermenêuticas enganosas, precisamos voltar a Jabez. Pois em sua história de dor, podemos descobrir o conforto de Cristo e aprender a como evitar pregar acidentalmente uma teologia da prosperidade “light”. Podemos aplicar Jabez fielmente em caminhos que levam a verdadeiras bênçãos espirituais de conforto, paz, sabedoria e força, para nos firmar no jogo de alta pressão da vida cotidiana. Aqui estão sete observações sobre a história de Jabez:
1. A Bíblia é o Livro da Aliança de Deus para com sua comunidade de fé.
A Bíblia não é um guia individual de auto-ajuda; não é um folheto que mira livrar pessoas de situações particulares. É um livro de comunidade, que conta a história de como Deus escolheu a Abraão, resgatou sua prole do Egito, e criou um novo Israel por meio da morte e ressurreição de Cristo.
Uma vez que a Bíblia é uma história da comunidade redimida de Deus, ela deve ser lida como tal. Isolar indivíduos de sua comunidade é sobrepor sobre eles nosso individualismo moderno. Com Jabez, não devemos ler sua oração como um pedido de bênção privada, mas como um clamor a Deus para abençoá-lo como uma parte do povo da aliança de Deus.
2. Jabez está no Antigo Testamento.
Sob a antiga aliança, o acordo de Deus com Israel era diferente do de hoje. As bênçãos de Israel eram geralmente de natureza física. Elas incluíram proezas militares, segurança nacional, solos férteis, e assim por diante. Por outro lado, as bênçãos da nova aliança são geralmente de natureza espiritual.
Há, é claro, bênçãos espirituais sob a antiga aliança (por exemplo, o Espírito de Deus estava presente com Israel) e benefícios físicos relacionados à nova (por exemplo, a ressurreição dentre os mortos). Todavia, não podemos importar bênçãos materiais de Israel diretamente a nossa nova configuração de aliança. Fazê-lo ignora radicalmente como estas bênçãos da aliança foram alteradas pela inauguração do reino de Cristo.
Sob a nova aliança, é o Espírito que é a nossa bênção (Efésios 1.3; Gálatas 3.14), não opulência material ou segurança irrestrita. Na verdade, àqueles que têm o Espírito são prometidas dificuldades até a volta de Cristo (João 16.33; 2 Timóteo 3.12). O Senhor pode aumentar nosso território, mas também pode nos abençoar tirando-o de nós. Ao ler a oração de Jabez, devemos considerar o contexto da aliança e ter o cuidado de buscar a Cristo em primeiro lugar, e não algo que ele possa nos dar.
3. Jabez é encontrado em uma genealogia
As genealogias não são escritas para esconder segredos para decodificadores da Bíblia; elas são dadas para nos lembrar do desenrolar da história de Deus. Em 1 Crônicas, a história de Jabez não dá a antigos ouvintes dicas sobre como invocar as bênçãos de Deus; lembra aos santos pós-exílio da graça, fidelidade e domínio soberano de Deus em sua história.
Inferir uma “bênção secreta” na oração de Jabez aniquila a intenção original do autor e se move em direção a uma alegoria pura e simples: fazer esta oração lhe trará esta bênção. Como sempre, devemos ler cada passagem com um olhar no seu gênero. A teologia da prosperidade falha inúmeras vezes nesta área fundamental de interpretação da Bíblia e fabrica o que equivale a um outro evangelho.
4. Jabez é um filho real de Judá.
Na longa genealogia de 1 Crônicas 1-9, todas as tribos de Israel são mencionadas, mas duas são centrais: Judá e Levi. A primeira remonta ao reino prometido de Deus, enquanto a última se concentra em sacerdotes designados para Israel. Significativamente, Jabez vem da tribo de Judá e é, portanto, um filho real.
Embora muitos hoje em dia não entendem este ponto, os filhos de Israel entenderiam. Era uma bênção real ter nascido em Judá (veja Gênesis 49. 9-12), até ou a menos que um filho de Judá não tivesse pai.
5. Jabez é órfão.
Não é estranho que, numa genealogia listando pais e filhos, Jabez não tenha nem um nem outro? Pode a ausência do pai contribuir para o seu nome incomum? Jabez significa “dor”, e, embora não saibamos a causa da dor de sua mãe, sabemos que ele não tem um pai — uma situação profundamente dolorosa no antigo Israel.
Vivendo no tempo dos juízes, uma época caracterizada por sua anarquia caótica, o pai de Jabez pode ter sido morto ou sua mãe, estuprada. Independentemente disto, sua situação está em gritante contraste com o padrão de pais e filhos encontrado em 1 Crônicas 4.
Certamente, isto desempenha um papel na compreensão da oração de Jabez. Sem um pai, ele não teria um lugar seu na terra. Ele era essencialmente um estranho à terra que significava as bênçãos de Deus. Portanto, quando o ouvimos orar para que suas fronteiras fossem estendidas, devemos ouvi-lo como um refugiado sem lar, não como um de nós, lutando para fazer pagamentos em nosso iPhone.
6. O nome de Jabez lembra Gênesis 3.
Há outra passagem no Velho Testamento que fala sobre dor e parto — Gênesis 3.16. Naquele versículo, Deus amaldiçoa a mulher, o que, por sua vez, molda o resto da história humana.
Ainda que o leitor americano médio perca essa conexão, a ligação entre dor e parto teria sido inconfundível em Israel. Jabez e sua mãe estão sofrendo os efeitos da maldição. Assim, quando Jabez clama por libertação, ele está clamando por misericórdia redentora.
7. Jabez é um verdadeiro filho de Abraão.
Enquanto os irmãos de Jabez com pais (ou seja, os homens de Judá) tiveram acesso hereditário às promessas de Deus, muitos — inclusive Onã (2.3), Acar (2.7), e Hezrom e Jair (2.21-22) — anularam sua herança por meio de sua maldade. Mas Jabez não; ele foi mais honrado do que seus irmãos, porque invocou o Senhor. Embora órfão, ele herdou um lugar na terra por causa da sua fé (como evidenciado por uma cidade que leva seu nome, em 1 Crônicas 2.55).
Apesar de incorrer no perigo de orfandade, de acordo com a aliança, Jabez foi um verdadeiro filho de Abraão e um precursor de Davi. Sua dor preparou o caminho para que recebesse as bênçãos de Deus. E é aqui, na consolação misericordiosa de Deus para Jabez, que começamos a ver uma aplicação contemporânea.
Para aplicar a sua oração, temos que ver como a sua fé voltada para o futuro viaja pelo caminho da aliança até Jesus. Para nós, situados deste lado do Calvário e do Pentecostes, a oração de Jabez nos encoraja a levar a nossa dor ao Senhor. Deus não promete remover todos os espinhos (2 Coríntios 12.7), de modo que a Escritura é desprovida de qualquer garantia de saúde e riqueza. Mas Ele promete de que cada oração feita com fé será respondida com o conforto que Cristo dá no Espírito Santo. É assim que experimentamos a bênção de Deus num mundo caído. E este é um presente muito mais glorioso do que prata, ouro, ou mesmo mais alguns anos de vida num mundo caído.
Como Pregar Sobre Jabez
No final das contas, a história de Jabez, tal como outras histórias cheias de promessa, não está na Bíblia para que possamos cooptá-la para as nossas próprias iniciativas pessoais. Está lá para convidar pessoas que sofrem a encontrar misericórdia no Deus que nos consola com o seu Filho e seu Espírito. Muito parecido com Jesus (que também clamou a Deus e foi ouvido por causa da sua reverência, Hebreus 5.7-10), Jabez é um modelo de fé a ser considerado e imitado por todos (Hebreus 13.4-7).
Afinal, a oração dele não aponta para um mantra secreto para bênçãos materiais. Ela chama sofredores a confiarem no Deus que fez aliança com Israel, que ama consolar aos que vêm a Ele com fé. Desta forma, a oração de Jabez não prega uma teologia da prosperidade “light”, mas o conforto do evangelho para aqueles que sofrem os efeitos da queda. E, por esta razão, não devemos ter receio de contar sua história com frequência — contanto que mostremos como ela conduz a Cristo.
Traduzido por Karine Souza.