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A PANDEMIA LEVOU A IGREJA À DIÁSPORA TECNOLÓGICA

Mais por Leonardo Sahium

A pandemia do COVID-19 transformou nossas agendas, impediu o curso natural da vida corrida do Século XXI. Mas, em meio à crise fomos tomados por um elemento surpreendente, a força da igreja invisível. Os templos estão fechados, não existem mais as reuniões onde centenas de pessoas congregam visivelmente, trocam cumprimentos, cantam juntas e celebram a fé. Mesmo assim, a Igreja de Jesus Cristo continua ativa, viva, proclamando o evangelho e fazendo diferença na sociedade. Sabemos que a Igreja é edificada por Jesus Cristo (Mt 16.18). Cristo é o cabeça deste Corpo que chamamos Igreja (Cl 1.18). O crescimento da Igreja vem de Deus (1 Co. 3.6,7). Cremos que o Espírito Santo noscapacita a viver como Igreja (João 16; Efésios 5). O que não sabíamos é que viveríamos uma nova diáspora, uma diáspora tecnológica. O termo diáspora vem da palavra grega (διασπορά), que também pode ser traduzido por “dispersão”. Esta palavra é usada para explicar a saída de um povo, de seu lugar de habitação, por ter sido forçado por circunstâncias, políticas, econômicas e sociais.  

           Nos séculos que antecederam a vinda de Jesus Cristo, para cumprir seu ministério na terra, houve um número cada vez maior de judeus que viviam fora de Israel, que eram descendentes dos que haviam vivido o exílio na Babilônia. O historiador Justo Gonzales explica:

“No Império Romano, os judeus se haviam espalhado por diversas circunstâncias, e já no século primeiro as colônias judaicas em Roma e em Alexandria eram numerosíssimas. Em quase todas as cidades do Mediterrâneo oriental havia pelo menos uma sinagoga…. Mas em geral estes judeus da “Dispersão” ou da “Diáspora” – pois assim se lhes chamou – não construíram templos nos quais podiam oferecer sacrifícios, mas antes sinagogas nas quais estudavam as Escrituras.”

Percebemos aqui, neste primeiro movimento, uma diáspora que contribuiu para que outros lugares no mundo tivessem acesso à fé judaica, mesmo sendo esta uma consequência de um evento não programado pelos judeus. Em outras palavras, eles não escolheram a diáspora, mas foi-lhe imposta por questões sociais, políticas e econômicas.

O ministério de Jesus Cristo estabelece um ritmo dinâmico de evangelização. Ele anda de cidade em cidade, interage com as pessoas, observa seus problemas, anseios, expectativas, religiosidade e família. Jesus não restringe sua pregação a um povo de uma região, ou cidade, mas Ele atravessa fronteiras, expande seu ministério, faz discípulos e agrega multidões que o acompanham em suas jornadas proclamando o Evangelho do Reino. Mas depois de sua morte e ressurreição, encontramos Jesus chamando seus discípulos para ir por todo mundo e pregar o evangelho a toda criatura (Mt 28.18-20;  Mc 16.15-18; Lc24.44-49). Michael Green descreve este comissionamentode Jesus como um desafio de percepções ainda não alcançadas na mente daqueles discípulos:

Jesus encarregou um grupo de onze homens para executar sua obra de levar o evangelho a todo mundo. Eles não eram pessoas importantes, nem bem instruídas, e também não tinham pessoas influentes atrás de si. Eles não eram ninguém em seu país, e, de qualquer forma, seu país não passava de uma província de segunda classe na extremidade oriental do mapa romano. Se eles tivessem parado para avaliar as chances de sucesso de sua missão, mesmo tendo a convicção de que Jesus estava vivo e que seu Espírito os acompanhava para equipá-los para sua tarefa, eles teriam desanimado; tão grandes eram as condições adversas. Como eles conseguiram? Mesmo assim, eles conseguiram.”  

No livro de Atos dos Apóstolos percebemos uma evolução rápida no crescimento da Igreja, mas ao mesmo tempo, o ambiente geográfico onde tudo acontece está restrito a Jerusalém, até que surge Estevão e a partir de seu martírio tudo muda. Um fato que irá desencadear um novo momento, uma diáspora, uma dispersão.

“Naquele dia, levantou-se grande perseguição contra a igreja em Jerusalém; e todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judeia e Samaria. Alguns homens piedosos sepultaram Estevão e fizeram grande pranto sobre ele. Saulo, porém, assolava a igreja, entrando pelas casas; e, arrastando homens e mulheres, encerrava-os no cárcere. Entrementes, os que foram dispersos iam por toda parte pregando a palavra. Filipe, descendo à cidade de Samaria, anunciava-lhes a Cristo” (Atos 8.1-5).

Para o comentarista Lightfoot: “a obra de Estevão é assumida por Filipe: 1) pregador aos samaritanos; 2) pregador prosélito pagão.” A pregação de Filipe em Samaria alcança grande sucesso, amplia as fronteiras da evangelização. Ao receberem a informação do ministério de Filipe, Pedro e João empreendem uma viagem até Samaria para ver a expansão do evangelho, e ali, perceberam este novo campo alcançado.

Após este momento, o livro de Atos nos insere na história da conversão e chamado de Paulo, o apóstolo aos gentios. Em Paulo percebemos o avanço evangelístico com propostas estratégicas claras, buscando cidade influentes, plantando igrejas, investindo no treinamento de líderes locais com uma visão de missão mundial. No entanto, Paulo, sempre se mostrou  submisso à orientação do Espírito Santo (At. 16.6-10).

F.F. Bruce destaca que o evangelho cresce em todo mundo de maneira exponencial, independente da ação e presença dos apóstolos, o evangelho continuou desbravando novas fronteiras:

“A primeira evangelização de gentios em larga escala não aconteceu em Cesareia, mas em Antioquia da Síria, e os evangelistas não foram nem Pedro nem Filipe, mas alguns homens “que tinham vindo de Chipre e de Cirene”(At 11.20), membros da comunidade helenista que haviam fugido de Jerusalém e da Judeia depois da morte de Estevão. Quando estes homens, que seguiram para o norte através da Síria e Fenícia, evangelizando as comunidades de judeus, chegaram a Antioquia, começaram a contar a história de Jesus a gentios e judeus, muitos gentios receberam de bom grado as boas novas e saudaram Jesus como o Salvador.”

O que observamos é que a diáspora em Atos foi um fator usado por Deus para a expansão do evangelho em todo o mundo. A igreja não criou um projeto de evangelização mundial, simplesmente aconteceu como resultado da perseguição. O comentarista Howard Marshall, ao analisar Atos 8.4, afirma:

“A história começa a mostrar como a perseguição da igreja em Jerusalém acabou surtindo um efeito favorável. Aqueles que foram expulsos dos seus lares ou que acharam melhor deixa-los pregavam a Palavra como boas novas enquanto iam de lugar em lugar.”

Outros eventos da história consolidam esta evangelização mundial a partir da diáspora da igreja de Jerusalém. Não podemos nos esquecer da destruição de Jerusalém no ano 70 d.C., que traz tremendo impacto sobre a história da igreja. O historiador Stephen Neill, diz: “A partir do ano 70 d.C. a Igreja cristã deixou de ter um centro local e aprendeu a considerar a presença viva do Senhor em si mesmo.”

Tendo entendido o contexto e influência da diáspora no livro de Atos dos Apóstolos, percebemos aqui um paralelo com nosso atual momento. A pandemia do COVID-19 levou a igreja à diáspora tecnológica.

Assim como a perseguição contra os cristãos em Atos 8, a pandemia não foi uma opção da igreja de Cristo, mas foi-lhe imposta por circunstâncias que impeliram-naenfrentamento de uma nova realidade. Igrejas fecharam, os grupos não podem se reunir nem mesmo em seus lares. O que antes foi uma imposição do Império Romano, hoje é uma imposição de isolamento pela preservação da saúde pública.

Assim como a perseguição contra os cristãos exigiu-lhes uma saída de sua zona de conforto, nós também enfrentamos agora o fim da nossa rotina usual, nos deslocando como igreja para fora dos nossos muros físicos e exigindo de cada igreja a diáspora tecnológica. Expor sua igreja nas redes sociais antes da pandemia era uma opção, mas agora se tornou uma obrigação. Fomos expulsos do confortável universo privado e inseridos nos desafios da exposição pública. Neste ambiente descobrimos suas crises e oportunidades. Assim como a pax romana criou a rota de expansão, no primeiro século, facilitando as viagens por todo Império Romano, assim também a internet é nossa estrada para todas as nações.

Na diáspora do livro de Atos dos Apóstolos, a igreja avança com maior velocidade que sua liderança. A mensagem do evangelho é proclamada não apenas por seus pastores, mas cada cristão se tornou um proclamador através de seus contatos nas redes sociais. Como aconteceu no primeiro século da era cristã, Deus chamou a igreja para um avanço global, usando todas as circunstâncias que, a princípio pareciam desestabilizar as nações, mas se prestarmos bastante atenção, veremos uma clara intencionalidade divina nesta diáspora tecnológica.

Quando o Império Romano pensou que havia vencido aos cristãos com sua perseguição e consequente diáspora, na verdade, providenciou um dos maiores avanços missionários da história. Da mesma forma, quando muitos pensam hoje, que a pandemia fechou as igrejas, na verdade, ela se tornou uma das maiores oportunidades para a igreja levar o evangelho aos ouvidos do mundo todo, pois, agora, de maneira evidente estes ouvidos se tornaram mais atentos à mensagem da vida eterna em Jesus Cristo.

Portanto, este é o momento, esta é a nossa diáspora tecnológica, estas são as nossas ferramentas. Todas as igrejas estão, agora, usando a tecnologia para levar a mensagem do evangelho com o maior alcance possível, e isso é uma grande bênção! Como nos ensina a Palavra: “Portai-vos com sabedoria para com os que são de fora; aproveitai as oportunidades.” (Cl 4.5). Com toda certeza,mesmo em meio a pandemia, a igreja de Cristo continuará sendo edificada, pela sua graça e para sua glória!

     

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