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A Liberdade Que Advém de Ser Tediosamente Bíblico

“Venha ver meu pastor sem roupas”.

Era o que estava escrito num outdoor na rodovia. Enquanto percorriam o caminho do trabalho para casa, deixavam os filhos no treino de futebol, iam ao mercado ou visitavam suas vovós no fim de semana, as pessoas eram cortejadas por uma igreja local. O apelo? Aparentemente, esta igreja tinha um homem sem roupas como seu pastor. O cartaz provocativo fazia a propaganda de uma nova série de sermões em que o pastor falaria honestamente sobre sua vida e os desafios que enfrentava. Isso deveria fazer com que as pessoas se identificassem com ele e, por associação, com a igreja, e assim se sentiriam à vontade e desejariam voltar outras vezes.

Gostaria de poder dizer que essa é uma história fictícia. Afinal, os pastores são notórios por suas ilustrações inventadas, não são? Mas é verdade.

Embora esta história possa ser um exemplo extremo de busca de pecadores para evangelização, no entanto, ela demonstra quão longe algumas igrejas e seus líderes estão dispostos a ir para “alcançar” pessoas. Desde a promessa de animais vivos em presépios ou distribuição de ovos de páscoa por helicóptero e até iPads gratuitos, algumas igrejas fazem de tudo para que seus convites sejam difíceis de recusar.

Talvez você se pergunte, “esses esforços não são bons? Afinal, a igreja necessita estar comprometida com a evangelização”.

Não Tão Rápido

Antes de se inscrever para mais uma conferência com promessas de dose dupla de bênçãos na evangelização ou de se angustiar por não ser tão criativo quanto outras igrejas à sua volta, pare e faça algumas perguntas fundamentais. Como Deus deseja que sejam os cultos em sua igreja? Podem se resumir fundamentalmente à evangelização, ou é necessário dar atenção a outras prioridades? Você, como pastor, é chamado para ser o Diretor-Geral de Inovações? Ou é chamado para pastorear, prestando contas a Deus por aqueles que Ele colocou sob o seu cuidado?

Precisamos nos lembrar que a igreja visível é uma reunião de cristãos em uma assembleia local para adorar ao Senhor. Não mais oferecendo o sacrifício de animais, oferecemos nossas vidas como sacrifícios vivos ao nosso grande Deus e Rei, que nos amou quando ainda éramos pecadores e enviou Seu Filho para morrer por nós (Rm 12.2; 5.8). Nos reunimos, em primeiro lugar, para louvar a Deus por nos ter redimido em Cristo. Problemas surgirão em nossas congregações se nosso olhar se voltar para o pecador perdido ao invés de para o Salvador ressurreto. Na melhor das hipóteses, ficaremos distraídos; na pior, deturparemos a noiva de Cristo, que está sendo preparada para o Seu retorno (Ap 19.7).

Isso não significa que devemos ignorar os incrédulos em nossos cultos, ou que não devemos convidá-los (1Co 14.23). No entanto, nós pastores faríamos bem em renovar nossos votos ao nosso chamado, “ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo” (Ef 4.12). Não somos chamados para liderar uma igreja baseada em técnicas e truques e movida pelos sentidos, com todo tipo de atrações litúrgicas que possamos implementar. Somos chamados a liderar nossas igrejas utilizando os meios da graça, especificamente a Palavra, a oração, e as ordenanças do batismo e da Ceia do Senhor. Cantamos canções de lamento por conhecermos em primeira mão os efeitos de um mundo caído, e cantamos canções de louvor por encontrarmos conforto em um Deus soberano e triunfante que faz com que todas as coisas cooperem para o nosso bem e para a Sua glória (Rm 8.28).

Seria este um chamado a uma reunião entediante e sem vida? De maneira nenhuma! É um chamado para o espectro completo da experiência humana, levando em conta a revelação que Deus nos concedeu através de Sua Palavra.

Onde Foram Parar as Bíblias?

Felizmente, a decodificação dos algoritmos do Instagram, nosso esforço pioneiro no Tik-Tok ou o conteúdo na Twitch não são os ingredientes secretos sobre os quais edificaremos. Pelo contrário, nossas igrejas necessitam depositar sua esperança na proclamação fiel da Palavra de Deus por pastores atentos (2Tm 4.2). A Palavra de Deus é poderosa, mais cortante do que qualquer espada de dois gumes (HB 4.12).

Pastores, vocês creem nisso?

Eis um teste para o próximo domingo: até que ponto sua congregação necessitará da Bíblia para compreender o que é cantado, lido, orado e ensinado a eles? Haverá uma breve menção ao Criador e uma citação rápida de Sua Palavra? Será a pregação caracterizada pela emoção mais do que pela exposição, por piadinhas espertas mais do que por aplicações diretas? Ou você irá expor tão substancialmente uma porção da Palavra de Deus que os irmãos precisarão de “embalagens pra viagem” para levarem pra casa? Ficarão seus corações cheios da Palavra de Deus cantada, orada, lida e pregada? Terão eles muito a ponderar consigo mesmos e conversar com outras pessoas nos dias seguintes, tanto cristãos quanto não-cristãos?

A Deus Toda a Glória

Um dos meus vizinhos tem uma pequena companhia de circo (uma versão “mini” do Cirque du Soleil). Quando descobriu que sou pastor, ele me contou que teve como cliente uma igreja local que contratou sua companhia para fazer parte de uma série de sermões, com artistas trapezistas e tudo o mais. Fiquei sem palavras. Queria expressar minha satisfação por sua companhia ir bem financeiramente, mas ao mesmo tempo, estava triste ao ouvir sobre uma igreja, que deveria ser uma coluna e um baluarte da verdade, recorrendo a estes truques (1Tm 3.15).

Pastor, uma filosofia simples de ministério nos liberta. Deus não o chamou para ser criativo ou superar expectativas. Ele o chamou para um ministério de proclamação, para pregar a Palavra de Deus sem reservas ou hesitação. Ele o chamou para um ministério de pastoreio, e você prestará contas pelas vidas que Ele confiou a você. Ele o chamou para um ministério de intercessão, no qual você deve clamar para que a vontade de Deus seja feita na vida de Seu povo.

Seja no aconselhamento pessoal ou em proclamações públicas, os pastores são chamados a colocar as glórias de Cristo diante de seu povo mesmo que as tragédias deste mundo e o pecado em seu coração tente enganá-los para que acreditem nas mentiras do maligno. Pastor, você é chamado a pregar e pastorear, conduzir e modelar, amar e perdoar. É chamado a relembrá-los da fé que professaram em seu batismo público, e de renovarem esta fé se achegando regularmente à mesa do Senhor.

Essa é a descrição da sua função. Leia-a novamente, vá para cama e durma bem. Descanse na verdade de que você tem sido fiel àquilo que o Senhor o chamou para fazer hoje. Deixe Deus ser Deus. O que quer que venha do seu trabalho, é feitura Dele–tudo pela graça.

Publicado originalmente pelo 9Marks: https://www.9marks.org/article/the-freedom-that-comes-from-being-boringly-biblical/

Traduzido por Caroline Ferraz.

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