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Apocalipse 13.18 diz: “Aqui está a sabedoria. Aquele que tem entendimento calcule o número da besta, pois é número de homem. Ora, esse número é seiscentos e sessenta e seis.”

Este é um dos versículos mais debatidos de todo o livro de Apocalipse, por causa do desacordo generalizado sobre a identificação e o significado do número 666. A linha de interpretação mais comum é a da gematria: no mundo antigo, as letras do alfabeto frequentemente substituíam os numerais (nosso sistema numérico deriva dos matemáticos árabes posteriores). Portanto, cada letra representava um número.

Avaliando as Opções

O problema é que nenhuma identificação clara pode ser feita ligando 666 a qualquer nome histórico antigo específico. Fizeram-se tentativas de alterar as grafias e incorporar títulos para tentar fazer uma multidão de nomes se encaixar, contudo nada de conclusivo emergiu. Mais comumente, o número é identificado com Nero, com base em uma transliteração hebraica do título “Nero Caesar”. No entanto, esta opção tropeça na confusão sobre a exata ortografia hebraica de César, e não se encaixa no fato de que os leitores de João eram em grande parte de língua grega, e que Nero tinha muitos outros títulos além de César. Além disso, se João estivesse usando gematria, ele teria alertado seus leitores dizendo algo como “o número em hebraico (ou grego) é. . . ” como ele usa as frases “em hebraico” ou “em grego”em Ap 9.11 e Ap 16.16, quando ele quer chamar a atenção dos leitores para certo significado.

Foram feitas tentativas malsucedidas para identificar o número com outros imperadores romanos, ou combinações de imperadores (mais de 100 nomes foram propostos na Grã-Bretanha entre 1560 e 1830). No século passado, os nomes do Kaiser e de Hitler, entre outros, também foram calculados para igualar 666. Todas as tentativas de identificar o número com o cálculo literal do nome de um indivíduo encontram dificuldade por causa da maneira metafórica em que a linguagem e os números são usados no livro. Nenhuma das muitas soluções propostas usando a forma literal de cálculo da gematria é, em última instância, satisfatória, porque existem tantos nomes, antigos e modernos, que poderiam ser iguais ao número. Como disse um comentarista, a razão para tantas propostas é que é fácil transformar um nome em um número, mas complicado deduzir o nome certo de um número.

Outros Fatores em Todo o Apocalipse

Se o número fosse destinado a ser identificado como algum governante mediante tal cálculo literal, seria uma rara exceção da maneira como os números são empregados em outras partes do livro. Em todo o Apocalipse os números têm significado figurado e simbolizam alguma realidade espiritual. Nenhum envolve qualquer tipo de cálculo literal de gematria: por exemplo, 24 anciãos, 7 selos, 144.000, 3,5 anos, 2 testemunhas, 7 cabeças e 10 chifres. Esta posição se apoia na visão imediatamente após em Ap 14.1, dos santos tendo na fronte escrito o nome do Cordeiro e o nome de seu Pai”. O posicionamento direto deste versículo demonstra o intuito de criar um contraste entre o nome da besta (ou seja, seu número) e o nome do Senhor. Se o nome do Senhor se refere a uma realidade puramente espiritual, o que ocorre de fato, o mesmo acontece com o nome e o número da besta.

Além disso, a palavra número (grego arithmos) é sempre usada figurativamente para conotar uma multidão incontável (Ap 5.11; 7.4 [sendo 144.000 referência simbólica para todos os salvos]; Ap 7.9 [na forma verbal]; Ap 9.16 [2x]; Ap 20.8). Neste caso, também não há a intenção de que o número seja calculado. O número 7 refere-se à completude e se repete ao longo do livro. No entanto, 666 aparece apenas aqui. Isto sugere que os triplos seis se destinam a contrastar com os setes divinos ao longo do livro, e significam incompletude e imperfeição. O sexto selo, a sexta trombeta e a sexta taça representam o julgamento de Deus sobre os seguidores da besta. Em contraste, a sétima trombeta retrata o reino eterno de Cristo (embora inclua também o julgamento final). Os sétimos selo e taça ainda retratam um julgamento, mas que (por implicação e nos contextos mais amplos destas duas passagens) termina com o estabelecimento do reino.

Além disso, se o número de 144.000 santos no versículo seguinte tem a força figurativa de significar o número completo do povo de Deus (veja Ap 14.1), então o contraste intencional com o número 666 no versículo anterior se referiria à besta e seu povo como inerentemente incompleto. O número 3 na Bíblia significa completude como, por exemplo, é expresso pela completude da Divindade em Ap 1.4,5, que é parodiada pelo dragão, besta e falso profeta aqui no capítulo 13 de Apocalipse (e em Ap 16.13).

Uma Abordagem Melhor

A repetição do número 6 por três vezes parece indicar o que poderia ser chamado de “completude da incompletude pecaminosa” encontrada na besta. A besta é a epítome da imperfeição, embora aparente ter alcançado a perfeição divina. Três 6 parodiam a Trindade divina de três 7. Às vezes, o número sete é apropriado para se aplicar ao Diabo ou à besta, a fim de enfatizar sua profunda natureza maligna, severa perseguição e reinado universal de opressão (por exemplo, Ap 12.3; 13.1; 17.3, 9-11). A razão para usar 6 em vez de 7 para descrever a besta em Ap 13.18 é por causa da ênfase repetida em Ap 13.3-14 sobre a besta como um Cristo falsificado e a segunda besta como um falso profeta. Quando os crentes resistem com sucesso ao engano da besta, evitam ser identificados com a essência de seu nome, que é a imperfeição personificada, pois ser identificado com o nome de alguém é equivalente a participar do caráter desta pessoa (veja Ap 2.17).

Essa discussão até agora aponta para uma compreensão do número da besta de maneira coletiva, ao invés de apenas como uma referência a uma figura individual de Anticristo. Isto é sugerido mais adiante pela frase “ pois é número de homem”, que poderia ser traduzido individualmente como “pois é um número de uma pessoa específica” ou melhor genericamente como “pois é um número de humanidade. ” Muitas vezes, a palavra homem (grego anthropos) é genérica, quando ocorre sem um artigo (como aqui), e conforme se vê em Ap 21.17, onde a “medida de homem” (a frase literal grega) significa uma “medida humana”. Da mesma forma, a omissão do artigo definido (“um homem”, em oposição a “o homem”) em Ap 13.18 sugere a ideia geral de humanidade e não de um indivíduo especial que só pode ser discernido por meio de uma maneira esotérica de cálculo. É um número comum à humanidade caída. Essa noção genérica é consistente com Ap 13.1, que afirma que a besta tem sua origem terrena no mar da humanidade caída (para esta última ideia veja também Ap 17.15). A besta é o representante supremo da humanidade não regenerada, separada de Deus e incapaz de alcançar semelhança divina, mas sempre tentando. A humanidade foi criada no sexto dia, mas se não tivessem entrado no sétimo dia do descanso de Deus, Adão e Eva teriam sido imperfeitos e incompletos. O triplo seis enfatiza que a besta e seus seguidores estão aquém dos propósitos criativos de Deus para a humanidade.

A admoestação de Ap 13.18 (e aqui há sabedoria), ensina que os crentes devem ter cuidado com concessões, não apenas a um indivíduo histórico como Nero, mas a todas as facetas do estado, ao longo do curso da história, na medida em que é conivente com os aspectos religiosos, econômicos e sociais da cultura idólatra, a qual se resume a humanidade caída. A sabedoria é melhor vista à luz das palavras “sábios” e “entender” usadas em Dn 11.33 e Dn 12.10. Em ambos, os santos devem ter percepção espiritual para compreender a inauguração da tribulação dos últimos dias, provocada por uma figura real maléfica que ludibria outros para que reconheçam sua soberania. Há uma admoestação semelhante em Ap 17.9: “Aqui está o sentido, que tem sabedoria: as sete cabeças são sete montes, nos quais a mulher está sentada”. Este versículo também requer a interpretação de um número figurativamente. João está exortando os santos ao discernimento moral e espiritual, não à capacidade intelectual de resolver um problema matemático complexo, que os incrédulos, assim como os cristãos espirituais, são mentalmente capazes de resolver. Os cristãos devem estar cientes de que o espírito do Anticristo pode se expressar nos lugares mais inesperados, até mesmo na igreja de hoje (1Jo 2.18,22; 4.1-3; 2Jo 7)

A profecia de Daniel 11.30-39 já alertava que os apóstatas da comunidade da aliança seriam aliados do estado ímpio e se infiltrariam na comunidade de crentes. Se os leitores de João e os crentes de hoje tiverem percepção espiritual, então eles permanecerão fiéis e serão “vencedores da besta, da sua imagem e do número do seu nome” (Ap 15.2). Apocalipse 13.18 é uma advertência contra a atividade do inimigo satânico em cada geração, não apenas sua atividade no tempo imediatamente anterior ao retorno de Cristo.

Nota dos editores: Este é um excerto ligeiramente revisado do popular comentário publicado recentemente por G.K. Beale (com D.H. Campbell), Revelation: A Shorter Commentary (Grand Rapids: Eerdmans, 2014) [Apocalipse: Um Breve Comentário].

Traduzido por Mauro Abner.

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