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Em nossa cultura, assim se fala da sexualidade:

1. A opressão do passado.

No passado, culturas antigas cercavam o sexo com todos os tipos de tabus. Em geral, o sexo fora do casamento era proibido para controlar as mulheres, para ajudar os homens a proteger suas filhas e esposas como sua propriedade.

2. A necessidade de expressão autêntica.

No entanto, nos tempos modernos, passamos a acreditar na liberdade e nos direitos individuais, incluindo o direito de amar quem escolhermos em um relacionamento consensual. A ciência nos mostrou que o sexo é uma coisa saudável e uma parte crucial da identidade de alguém. É também um direito humano e, portanto, só prosperaremos e floresceremos como seres humanos se este direito de escolha estiver igualmente disponível para todas as pessoas.

3. A luta para amar quem queremos amar.

Ao longo do século passado, uma série de indivíduos corajosos—geralmente mulheres, gays e transgêneros—enfrentaram heroicamente a cultura opressiva dizendo “Isso é quem eu sou! Não deixe ninguém dizer quem você pode ou não amar!” Muitos dos primeiros heróis desse movimento foram marginalizados e muitos morreram por sua disposição de desafiar as elites culturais.

4. Os direitos que conquistamos hoje.

Hoje em dia, entretanto, temos uma cultura que afirma o direito de fazer sexo fora do casamento, de manter relacionamentos do mesmo sexo e incluí-los na instituição legal do casamento, e permitir que as pessoas escolham seu próprio gênero. Em todas estas mudanças, estamos forjando a primeira sociedade humana da história que é positiva para o sexo, e na qual todas as pessoas podem viver como seres sexuais iguais.

5. O perigo contínuo.

Apesar dessas grandes realizações, a maioria dos lugares do mundo—e muitos lugares em nossa própria sociedade —ainda resiste a essa cultura saudável de liberdade e justiça sexual. De fato, há aqueles que gostariam de voltar no tempo e reverter estes direitos. Sob nenhuma circunstância devemos permitir que forças regressivas—a principal das quais é a religião—tirem isso de nós novamente.

Esta história moral moderna sobre sexualidade cria um enredo de uma luta entre heróis corajosos e vilões fanáticos e opressores—tudo em direção a um final feliz.

No entanto, essa história moral específica, é baseada em várias crenças que não são comprovadas—apenas presumidas. São percepções modernas de liberdade e identidade, e como veremos, da história. Os cristãos não conseguirão falar com o mundo sobre sexo de forma convincente, se simplesmente respondermos à esta narrativa com uma lista de imperativos morais, por mais bíblicos que sejam. Há que colocar a ética sexual cristã em uma contra-narrativa, baseada na grande história de redenção da Bíblia. Para fazer isto, necessitamos enfrentar três desafios.

Três Desafios para os Cristãos de Hoje

Desafio Nº 1: Como abordar a narrativa da identidade moderna— crenças básicas inexplícitas e profundamente enraizadas sobre a identidade e liberdade/poder.

A narrativa da libertação sexual moderna parece atraente para tantos por ser baseada em crenças enraizadas de identidade e liberdade, que foram incutidas profundamente em nós por meio de instituições culturais durante quase três gerações.

Identidade

As proibições cristãs sobre o casamento, a homossexualidade e o transgenerismo não fazem sentido para a maioria das pessoas, por crerem que a sexualidade é crucial para a expressão da identidade. Por trás desta crença, está o próprio conceito do eu moderno.

Em nossa cultura, o sexo não é mais visto como uma forma de honrar a Deus e criar e nutrir uma nova vida humana. A maioria acredita em algo assim: “Se você quiser usar o sexo para o desenvolvimento de uma nova vida humana, essa é uma opção e escolha sua, mas não é a principal razão pela qual as pessoas fazem sexo. Em vez disso, o sexo é para realização individual e auto-realização”. Esta visão moderna da identidade é muitas vezes chamada de “individualismo expressivo”—a ideia de que, no fundo, existem sentimentos e desejos que necessitam ser descobertos, desbloqueados e expressos para que nos tornemos verdadeiramente autênticos. A identidade hoje em dia é encontrada nos desejos, enquanto no passado ela era encontrada no dever e nos relacionamentos com Deus, família e comunidade. Determinar—e agir de acordo com—nossos desejos sexuais é considerado uma parte fundamental deste processo de nos tornarmos pessoas autênticas.

Hoje, essa visão de identidade não é transmitida com argumentos, mas é apresentada como uma premissa irrefutável, que não pode ser questionada. Slogans como “seja verdadeiro consigo mesmo” e “viva sua própria verdade” são repetidos de inúmeras maneiras, verbais e não verbais, e embrenham-se profundamente no coração das pessoas. Qualquer outra visão é vista como psicologicamente repressiva e, portanto, prejudicial à saúde.

No entanto, o eu moderno é extremamente frágil. Por ser baseado em nada além de sentimentos internos, está em constante mudança, de ano a ano ou mesmo mês a mês. A identidade moderna requer a busca por emoções e desejos sempre mutáveis e muitas vezes contraditórios para determinar um “eu” central. Após decidirmos quem queremos ser, alcançar isto depende totalmente de nós mesmos; não importa se a família ou comunidade apoiam ou não. Portanto, o eu moderno é altamente orientado para o desempenho e pode ser um fardo esmagador. Um problema adicional é que essa visão de identidade requer um “relativismo suave”. A sociedade nos ensina a dizer: “Só eu posso determinar o certo e o errado para mim mesmo”, embora ao mesmo tempo, a cultura nos imponha um conjunto muito definido de normas morais. Isso é profundamente contraditório: ditar absolutos morais ao mesmo tempo em que insistimos que agora estamos livres de todas estas verdades. De todas estas maneiras, o eu moderno e sua visão da identidade são instáveis e problemáticos, por mais dominantes que pareçam.

Liberdade e Poder

A essa visão individualista da identidade—que indiscutivelmente vem crescendo em influência cultural desde pelo menos o período do “romantismo” do início do século XIX—foi adicionada a visão pós-moderna de liberdade e poder. Ela sustenta que o poder na cultura é exercido por meio de “narrativas dominantes”—a saber, afirmações de linguagem e verdade—produzidas pelas elites que habitam os altos escalões da cultura. Tudo o que consideramos bom, verdadeiro, certo e belo foi edificado pelos “sistemas de discurso” de uma cultura específica. Só seremos livres para nos auto-criarmos se “desestabilizarmos os discursos dominantes”. Por exemplo, se desejamos incluir pessoas trans na sociedade, o caminho a seguir não é apenas mostrar compaixão a indivíduos. Em vez disso, necessitamos desconstruir a própria ideia de gênero binário. Só então as pessoas trans terão um lugar de igualdade na sociedade.

Esta visão pós-moderna de liberdade e poder traz problemas tão significativos quanto a visão moderna da identidade. Gera um “relativismo rígido” auto-contraditório. Se todos os sistemas sociais são cadeias de poder forjadas através do discurso—de modo que todas as afirmações de verdade e julgamentos morais são de fato apenas maneiras de exercer o poder—então por que um conjunto específico de detentores do poder seria “errado” ou “injusto”? Como se pode determinar quais conjuntos de relações de poder socialmente estruturadas são injustos (e quais não são) a não ser que se tenha uma norma moral objetiva e não culturalmente construída, com a qual julgar? E de onde viria tal absoluto moral transcendente, se Deus não existe?

Estas visões contemporâneas de identidade e liberdade estão, de muitas maneiras, em desacordo entre si. (A visão da identidade é individualista e freudiana: a visão do poder é marxista e nietzscheana.) No entanto, nos últimos 20 anos, elas se fundiram e se tornaram dominantes e difundidas, particularmente em nossa mídia popular. Comédias românticas, comédias seriadas, desenhos animados, os filmes da Disney e de outros para crianças—todos elevam estas crenças e as forjam na narrativa heróica de nosso tempo (aquela explicitada no início deste artigo). O significado da vida é determinar quem você é e se livrar dos grilhões de uma sociedade opressiva que se recusa a aceitar e incluir você. Esta é a história que deve ser nossa luz orientadora na tomada de decisões de vida, e deve servir como o valor compartilhado de uma sociedade livre.

Convincentemente, argumenta-se que os cristãos não podem apresentar uma lógica plausível para a ética sexual bíblica porque, de muitas maneiras, nos adaptamos demais—ou até mesmo adotamos—as visões contemporâneas de identidade e liberdade na maneira como pregamos e ministramos. Alguns apontaram que, há anos, o cerne de ministérios evangélicos para jovens tem um conteúdo altamente emotivo. A ênfase não tem sido a teologia e a doutrina bíblica, mas quase exclusivamente em como Cristo constrói nossa auto-estima e atende às nossas necessidades emocionais. A teologia da prosperidade, igrejas e ministérios sem membresia e disciplina, mega-igrejas orientadas para o consumidor—todas se adaptam fortemente à cultura do individualismo expressivo ao invés de desafiá-la.

Conclusão

Até que as pessoas em nossa cultura rejeitem essas visões de identidade e liberdade, não poderão considerar a visão cristã da sexualidade como plausível. Portanto, nenhuma apologética da sexualidade cristã pode ter qualquer impacto real, a menos que gastemos tempo e esforço para revelar a natureza profundamente problemática destas crenças básicas.

Em resumo, ao fazermos uma apologia sexual, não podemos falar apenas sobre sexo. Todo o ensino cristão sobre o significado do sexo só fará sentido quando estiver enquadrado em uma estrutura bíblica convincente de identidade—de estar em Cristo e de discipulado, de se perder no amor e serviço de Deus para encontrar o verdadeiro eu (Mt 10.39).

Desafio Nº 2: Como abordar a narrativa histórica—a ignorância da primeira “revolução sexual” (cristã).

Como vimos acima, a principal história cultural sobre a sexualidade é, em grande medida, uma narrativa histórica—que fornece uma “história do sexo” que é hoje amplamente aceita. Esta serve como outra camada de pressuposições que enquadram as respostas das pessoas modernas à visão cristã da sexualidade. Aqueles que acreditam neste relato de nossa história sexual não serão capazes de achar a visão cristã plausível. No entanto, recebemos uma grande ajuda para explodir mitos populares da história do sexo no pioneiro estudo de Kyle Harper chamado “From Shame to Sin” [Da vergonha ao Pecado].

História ou Mitos?

A história popular diz: (a) O mundo romano era uma época e lugar de “liberdade sexual polimorfa” e “diversidade sexual”; (b) mas o cristianismo veio com uma ética sexual altamente restritiva imposta através de legislação. No entanto, Harper escreveu: “Ao longo da última geração, à medida que a história da sexualidade se tornou um dos grandes empreendimentos acadêmicos, a história popular de que o cristianismo pôs fim à liberdade pagã com o corpo foi exposta como uma caricatura, na melhor das hipóteses”. Como assim?

No mundo greco-romano, embora as mulheres respeitáveis tivessem que ser virgens no casamento e não pudessem fazer sexo com ninguém além de seus cônjuges, havia a expectativa que os maridos—e todos os homens—fizessem sexo com servos e escravos, prostitutas, mulheres pobres e meninos. Os homens poderiam essencialmente se impor sobre qualquer pessoa abaixo deles na ordem social. Eles poderiam fazer sexo com qualquer pessoa, exceto a esposa de outro homem de status. Pelo menos para os homens, era uma ética sexual permissiva. Por que então, muito antes dos Césares se tornarem cristãos professos, a igreja cresceu tão rapidamente, à medida que milhões de pessoas adotaram voluntariamente os padrões mais restritivos de nossa fé para o comportamento sexual? Como um código tão restritivo pode vencer culturalmente?

A resposta sucinta é esta: embora o código comportamental pagão fosse mais permissivo, pelo menos para homens, a lógica subjacente ou visão em relação ao sexo proposta pelos cristãos era muito mais positiva e humanitária. O resultado prático era uma maior proteção aos interesses das mulheres e das crianças. Como assim?

Toda cultura tem uma moralidade sexual, e essa moralidade é baseada em crenças sobre o objetivo do sexo. Um ato sexual é permitido se atender ao telos da cultura (ou seja, propósito) para sexo—caso contrário é proibido. Em Roma, a moralidade sexual era determinada pelo status social das partes e, portanto, pelo poder. O sexo era para o prazer pessoal e o aprimoramento de pessoas com posição social. A legitimidade ou não dos atos sexuais dependia de manterem ou não as pessoas em um relacionamento correto com a polis, a ordem social e a hierarquia. Aqueles com mais poder e honra social tinham maior liberdade sexual do que aqueles com menos (homens sobre mulheres, alto status social sobre status social mais baixo).

A Primeira Revolução Sexual (Cristã)

O cristianismo, no entanto, trouxe a primeira revolução sexual no Ocidente. O cristianismo mudou a “lógica fundamental” do sexo, de modo que “o cosmos substituiu a cidade como estrutura da moralidade”. Os atos sexuais passaram a ser julgados pelo prisma de se mantinham as pessoas em um relacionamento correto com o cosmos, a ordem criada e redentora de Deus. O comportamento sexual dos cristãos tinha que ser espelhado no amor salvador de Deus por nós. Como Deus se entregou a nós em Jesus Cristo, e nós nos entregamos exclusivamente a ele, então o sexo deve ser praticado apenas dentro de uma aliança de casamento ao longo da vida. Tal como a união com Cristo preenche a lacuna e une Deus e a humanidade, então o sexo deve ser praticado em um casamento que une dois gêneros diferentes. (Veja abaixo em Desafio Nº 3.) Portanto, em uma ruptura revolucionária com a cultura os cristãos proclamavam que a legitimidade ou não dos atos sexuais era determinada não pelo status social e pelo poder, mas pelo amor dentro da aliança e da diferença de gênero.

Houve um resultado imediato e concreto, evidente a todos. Ao romper a conexão de sexo com a ordem social, o cristianismo protegeu os vulneráveis de exploração. Nenhum homem poderia exigir sexo de uma mulher sem abrir mão de sua independência e comprometer toda a sua vida com ela. Nenhum homem poderia exigir sexo de seus servos. Os vulneráveis—mulheres, escravos e crianças—eram protegidos pela insistência de que o sexo ocorresse somente dentro da segurança da união pactual do casamento. Mas além desses resultados práticos, a “lógica subjacente” do cristianismo em relação ao sexo foi muito mais longe e mais alto. Ela criou um padrão no qual o sexo não era mais um mero apetite que mal podemos controlar, mas como uma expressão alegre, e até sagrada, que reflete a maneira como Deus está salvando o mundo.

A Segunda Revolução Sexual (Moderna)

Como a revolução sexual cristã se relaciona com a segunda “revolução sexual” moderna?

Primeiro, é importante reconhecer que os próprios valores humanitários de nossa cultura—incluindo sua afirmação de sexo e consentimento—vêm do cristianismo. A ênfase moderna no valor do corpo físico e do sexo—bem como no consentimento e mutualidade (1Co 7.1-4) sem um padrão separado para homens e mulheres—são dádivas cristãs para o mundo moderno. De fato, a declaração de Paulo de que “o marido não tem poder sobre o seu próprio corpo, e sim a mulher”, assim como o da esposa pertence ao marido, foi uma declaração radical e sem precedentes naquela cultura patriarcal. Harper escreveu:

Os pressupostos sociais da moralidade sexual pré-cristã, tal como a exploração aleatória dos corpos de não-pessoas [impotentes], parecem incompreensíveis [para nós hoje] precisamente porque a revolução cristã expulsou completamente aquela velha ordem.

Harper está se referindo a um crescente corpo de estudos demonstrando que a pessoa secular moderna, que crê ferozmente na igualdade de direitos e dignidade de cada indivíduo, está realmente tomando emprestado uma crença sobre a natureza humana que originalmente se desenvolveu a partir da Bíblia e proveniente de sociedades cristãs.

Em segundo lugar, devemos perceber que o movimento moderno de liberdade sexual é, em muitos aspectos, retrógrado, uma volta ao tempo da lógica subjacente de Roma. A cultura moderna quebrou o vínculo entre sexo e Deus, e reconectou o sexo à ordem social. Portanto, o sexo está novamente separado da exigência de um compromisso vitalício no casamento. O sexo novamente se tornou como algo a respeito da autorrealização em vez da auto-doação. Como observou Harper, a revolução sexual moderna retém algumas das dádivas do cristianismo para o mundo: os conceitos de consentimento e do valor do sexo. No entanto, embora não seja tão brutal quanto era na cultura pagã mais antiga (devido aos elementos cristãos restantes), a cultura sexual hoje ainda é despersonalizadora e objetificadora. Existem inúmeros estudos e evidências informais de que as pessoas são muito mais solitárias, com o sexo sem compromisso não apenas do casamento, mas também de qualquer relacionamento pessoal, por conta do enorme e elaborado império da pornografia. Na Roma antiga, geralmente havia uma parte—a parte com poder—usando a outra parte como objeto para satisfazer suas necessidades físicas. Hoje, frequentemente as partes usam uma à outra, tratando a outra como um objeto para atender às próprias necessidades, em relacionamento apenas enquanto suas necessidades estiverem sendo atendidas.

O desejo da cultura moderna de reter algumas partes da ética sexual cristã, mas não as outras, criou uma enorme tensão.

A ideia de consentimento combina melhor com a aliança, não com o sexo casual. As mulheres, em particular, podem se sentir usadas como objetos. Os primeiros cristãos enfrentaram a mesma acusação que nós—que nossa ética sexual é sufocante, desmancha-prazeres, negativa, opressora e irrealista. Eles também sabiam que, embora a curto prazo o autocontrole sexual seja difícil, a longo prazo, a ética sexual cristã é mais gratificante e menos desumanizante. Em nossos dias, nós também devemos encontrar maneiras de falar com confiança sobre as boas novas revolucionárias do cristianismo sobre o sexo.

Desafio Nº 3: Como enraizar o ensino da igreja sobre a sexualidade na totalidade de sua teologia, ao invés de simplesmente declarar sua ética.

A ética sexual cristã pode ser declarada com grande economia e simplicidade: “O sexo está reservado para um homem e uma mulher casados entre si”. Mas hoje a maioria dos jovens perguntará: “Por quê? Por que o sexo fora do casamento (ou com alguém do mesmo sexo) é errado?”

A teologia cristã responde que o sexo faz parte da imagem de Deus—necessita retratar a Deus e, em especial, seu amor redentor. O sexo não se trata de aumentar o poder de alguém, mas de abrir mão mutuamente do poder em amor, tal como Cristo fez por nós. A resposta cristã à pergunta: “Por que o sexo necessita ficar restrito ao casamento heterossexual?” nos leva ao coração do evangelho. Portanto, não devemos apresentar a ética sexual sem enraizá-la nas doutrinas bíblicas de Deus, da criação e da redenção. Certamente Paulo argumenta desta maneira. Depois de nos relembrar que estamos unidos a Cristo pelo Espírito (“aquele que se une ao Senhor é um espírito com ele.”), ele imediatamente diz: “Fugi da impureza [porneia]” (1Co 6.17-18). Por que o sexo fora do casamento é errado? Note que Paulo não diz meramente: “É errado porque a Palavra de Deus diz isso”, embora ele certamente pudesse tê-lo dito. Em vez disso, ele escreve: “Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo?” (1Co 6.18-19).

Ele está dizendo que a imoralidade sexual é errada por causa de nossa união com Cristo, que deve servir como padrão para a união sexual.

Enfim, para que serve o sexo? É uma indicação que aponta para o desígnio do amor salvador de Deus. É uma maneira de vivenciarmos no nível horizontal entre dois seres humanos, algo do mesmo padrão de amor que conhecemos no nível vertical com Cristo. Vamos explicar melhor isso.

Fundamentando os Propósitos do Sexo na Teologia Bíblica

1. Tal como a união com Cristo é uma relação de amor exclusivo, de aliança e doação de si mesmo, a intimidade sexual é apenas para ser vivenciada dentro da aliança do casamento.

Como não há intimidade com Deus sem entrar em aliança com ele, da mesma maneira, não deve haver intimidade sexual sem entrar em um relacionamento exclusivo, permanente e de aliança com seu cônjuge. A cultura moderna transforma todas as relações sexuais em relações consumistas e transacionais. Uma conexão de consumo se trata de auto-realização mútua; as necessidades do indivíduo são inegociáveis e são mais importantes do que o relacionamento, que é provisório e facilmente encerrado. Uma aliança, contudo, é baseada na doação mútua e em colocar as necessidades da outra parte e o bem do relacionamento antes das suas. No casamento, os cônjuges desistem de sua independência em prol da interdependência. Eles se entregam um ao outro—emocional, física, legal e economicamente. Não devemos “dividir o eu” tal como a modernidade o faz, com parceiros sexuais dando seus corpos uns aos outros, mas não o resto de si mesmos. A regra “sem sexo fora do casamento” soa “sexo negativo” para as pessoas modernas, mas o oposto é o caso. Ela transforma o sexo de um mero bem de consumo a uma forma de criar a comunhão mais profunda entre dois seres humanos. É também uma forma de honrar e nos tornar conformes Àquele que se entregou totalmente por nós, para que possamos ser libertos para nos entregar exclusivamente a Ele.

2. Tal como a união com Cristo é uma relação entre seres profundamente diferentes (Deus e humanidade), da mesma maneira a intimidade sexual é apenas para ser vivenciada em uma união através da profunda diferença de gênero.

Efésios 5.31-32 interpreta Gênesis 2.24 cristologicamente. Paulo diz que quando Deus criou a união conjugal, ele estava fazendo isso para nos dar um mistério—um sinal que aponta para o amor e a união de Cristo conosco. O vínculo homem-mulher só pode servir como uma analogia da união Cristo-Igreja se as partes forem significativamente diferentes.

A maravilha de nossa união em Cristo é que a humanidade e a divindade—separadas pelo pecado—agora estão unidas, primeiro na pessoa do próprio Cristo, e depois em nossa união com ele através do Espírito Santo. Uma das grandes realizações do casamento é que os gêneros—também separados pelo pecado (Gê 3.16-17)—são reunidos em uma união amorosa. A regra “casamento apenas entre um homem e uma mulher” soa restritiva a ouvidos modernos, mas o oposto é o caso. A homossexualidade não honra a necessidade dessa rica diversidade de perspectivas e humanidade de gênero nas relações sexuais. Uma das grandes ironias dos tempos modernos recentes, no qual celebramos a diversidade em tantos outros setores culturais, é que desvalorizamos a unidade singular na diversidade—o casamento entre gêneros. Homem e mulher têm, cada um, excelências e glórias, perspectivas e poderes, que o outro gênero não tem e não pode reproduzir. Assim como não é possível ter uma sociedade ou igreja inteiramente masculina ou feminina sem um empobrecimento, também não podemos ter tal tipo de casamento.

3. Tal como a união com Cristo traz nova vida ao mundo, da mesma maneira Deus concedeu apenas ao casamento entre homem e mulher a capacidade de criar uma nova vida humana e os melhores recursos para nutrir essa vida.

Em Gênesis 1, foi para os seres humanos como homem e mulher (v. 27) que Deus disse “Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra” (v. 28). É somente à esta união homem-mulher que Deus concedeu a capacidade de produzir uma nova vida humana. No casamento, homem e mulher formam uma profunda unidade com o poder de produzir vida. Se um casamento traz novas vidas ao mundo, a presença de um pai e uma mãe dá aos filhos relacionamentos profundos e de longo prazo e acesso a ambas as metades de gênero da humanidade e, portanto, a toda a gama de forças e habilidades humanas. Novamente, isso se encaixa no padrão de nossa união com Cristo. Assim como a união do homem e da mulher produz o “fruto do ventre—seu galardāo” (Sl 127.3), assim a união de Cristo com o seu povo produz o fruto de uma nova vida em Cristo, através da conversão (João 15.16; Ro 1.13; Cl 1.6, 10) e crescimento em semelhança a Cristo (Gl 5.22-23).

Resumo

Para recapitular: o sexo é (a) para dar a si mesmo, o que só é completo se houver uma aliança por toda a vida, (b) para transpor a diferença através da barreira entre homem e mulher, e (c) para a criação e sustentação da vida. Estes propósitos teológicos explicam a ética—o porquê da intimidade sexual só deve ser vivenciada dentro do casamento entre um homem e uma mulher.

Em Direção a Uma Apologética Sexual Cristã

A Justificativa para a Visão Cristã do Casamento

Como devemos proceder, então, com uma apologética sexual? Primeiro, ao mesmo tempo em que fundamentamos os três propósitos do sexo em nossa teologia bíblica, também devemos conectá-los às narrativas culturais existentes, de modo a criticá-las e ainda assim construir a partir delas. Poderemos então dizer ao mundo que o cristianismo entende que a intimidade sexual é:

1. Superconsensual.

Os cristãos crêem que a intimidade sexual não é para aqueles que apenas dão consentimento temporário para um encontro sexual, mas para aqueles que dão consentimento permanente e vitalício um ao outro através do casamento. Mesmo dentro do casamento, o sexo deve ser mutuamente consensual (1Co 7.1-4). Acreditamos que isso reflete a maneira como conhecemos a Deus—somente por meio de uma aliança de amor exclusivo.

2. Diversa em gênero.

Os cristãos crêem que Deus distribuiu habilidades, perspectivas e outros dons únicos entre os dois gêneros. Não cremos que os homens possam reproduzir todos os dons que as mulheres têm, nem que as mulheres possam reproduzir o que os homens têm. Cremos que o casamento entre pessoas do mesmo sexo deixa de praticar a diversidade de gênero que desejamos ver em outras áreas da vida. Mas cremos que a união de homens e mulheres reflete a união de Deus e da humanidade por meio de Cristo.

3. Potencial para gerar vida.

Os cristãos entendem como sendo vontade de Deus a realidade biológica de que a união sexual entre homens e mulheres pode produzir uma nova vida humana. É por isso que cremos que é a instituição do casamento está reservada apenas a relacionamentos homem-mulher. Essa relação não é apenas aquela que pode produzir uma nova vida humana, mas também expõe os filhos em crescimento à total amplitude de características de gênero humano, através da presença de mãe e pai.

A Contra-Narrativa Cristã da Sexualidade

1. A brutalidade do sexo no velho mundo.

A sociedade greco-romana foi a precursora histórica de toda a cultura ocidental. No mundo antigo, os padrões sexuais eram muito permissivos. O sexo era visto apenas como uma forma de aumentar o prazer pessoal e para satisfação dos que detinham o poder, portanto qualquer tipo de sexo era permitido desde que não perturbasse a ordem social da época—homens sobre mulheres, senhores sobre escravos, ricos sobre pobres. Embora as esposas não pudessem fazer sexo com outras pessoas, seus maridos poderiam fazer sexo com a maioria das pessoas que desejassem. Isso gerava muita brutalidade.

2. Uma nova identidade pessoal.

O cristianismo veio ao mundo com uma mensagem de graça: era possível ter comunhão pessoal com Deus em uma relação de amor, como um dom gratuito através da obra de Jesus, o Filho de Deus, que morreu e ressuscitou por nós. Essa mensagem de salvação pela graça—e não por boas obras, moralidade, respeitabilidade ou linhagem—teve um efeito de nivelamento social. Os cristãos que tinham status social na sociedade estavam exatamente na mesma condição—pecadores necessitados de graça—quanto os excluídos socialmente e os fracassados morais (cf. João 3 e João 4).

3. Uma nova ética social.

Essa nova identidade pessoal era única. A auto-estima dos cristãos não se baseava no desempenho, ou em como alguém era considerado pela família e pela sociedade. A capacidade da cultura para definir o valor pessoal dos crentes foi quebrada. Também significava que os cristãos eram todos iguais em Cristo—igualmente pecadores que necessitam de graça e igualmente amados, justificados e adotados como filhos amados de Deus. Esta nova identidade teve muitos efeitos práticos. A comunidade cristã foi a primeira comunidade religiosa multiétnica, que unia ricos e pobres de maneira sem precedentes. Os relacionamentos dentro da comunidade cristã deveriam ser baseados no amor de doação e sacrificial, ao invés de classe e status.

4. Uma nova visão para a sexualidade.

No entanto, uma das aplicações mais marcantes dessa nova identidade e ética social foi na área das relações sexuais. Os cristãos defendiam que o sexo fosse baseado não no poder (como na sociedade romana), mas no amor. Não para ser cativo à cultura, mas a Cristo que se entregou por nós e nos levou a um relacionamento exclusivo e de aliança com ele. O amor sexual tinha que refletir o amor salvador de Deus, e isso significava que o sexo era moldado por dois princípios. Primeiro, o princípio da doação. Assim como a salvação e a intimidade com Deus só estão disponíveis dentro de um exclusivo relacionamento de aliança com Deus por toda a vida, a intimidade sexual só deve ser vivenciada dentro do casamento. Em segundo lugar, o princípio da diversidade de gênero. Assim como a salvação cria uma união entre Deus e a humanidade—uma unidade através de diferenças profundas—o casamento reúne aquilo que é diferente (homem e mulher). Assim como cada gênero tem algumas glórias e habilidades que o outro gênero não pode reproduzir, praticar a diversidade de gênero no casamento reúne toda a gama de excelências e habilidades humanas.

5. Os fracassos da sociedade ocidental.

Quando as leis que impõem os padrões sexuais cristãos em todo um país ficaram desconectadas da alta visão animadora do amor e graça de Cristo, uma espécie de “negatividade sexual” de fato ocorreu, de modo que muitas vezes , qualquer tipo de sexo era visto como vergonhoso. Além disso, quando os códigos sexuais cristãos são mantidos por uma população nominalmente cristã—sem um senso aguçado de sermos pecadores salvos por pura graça—estes costumes são mais frequentemente aplicados com demasiada severidade, de modo que adolescentes grávidas ou jovens homossexuais são tratados com crueldade. E muitas vezes os líderes da sociedade não apenas violam a moral que professam, mas usam seu poder para coagir sexo tal como os romanos. Pessoas sem poder se sentem excluídas e oprimidas.

6. A revolução sexual moderna.

A revolução sexual moderna foi, até certo ponto, uma reação a esse regime severo. No entanto, há grandes evidências de que a revolução é deficiente de várias maneiras. Embora as pessoas contemporâneas tenham mantido a ideia de consentimento mútuo (uma ideia que veio do cristianismo), eles separaram o sexo do compromisso de toda a vida. Isso significa que “voltamos no tempo” para o mundo antigo, onde o sexo era para auto-realização em vez de um doar-se em amor. O sexo se torna transacional, um bem de consumo no qual duas partes trocam favores apenas enquanto estiverem tendo suas necessidades atendidas. Isto resulta em que há um grande número de pessoas fazendo sexo, mas se sentindo usadas (e, consequentemente, abandonando a intimidade sexual pela estimulação digital ou outras formas de satisfação e distração aprovadas pela sociedade); de pessoas que não sentem necessidade de se casar e ter filhos; de pessoas que se sentem solitárias e desapegadas na medida em que o número de pessoas que vive em família despenca. Estas tendências são especialmente devastadoras para as comunidades mais pobres e, portanto, pode-se arguir que a ética sexual moderna é mais onerosa para aqueles com menos poder e proteção social.

7. A contracultura sexual cristã.

Os cristãos ainda crêem que o sexo deve estar enraizado na história maior do amor salvador de Deus. Nossa cultura nos diz que necessitamos descobrir nossos desejos mais profundos e depois expressá-los, a fim de nos tornarmos autênticos. Mas na realidade, temos impulsos contraditórios em nosso coração. Necessitamos de algum padrão externo para nos ajudar a determinar quais de nossos desejos e instintos devem ser cultivados e quais não devem. Tanto os antigos quanto os modernos permitem que a cultura estabeleça os padrões. O cristianismo diz: Não deixe que sua tribo ou cultura o controle e determinem seu valor. Deixe que a Palavra de Deus seja sua matriz moral para entender seu coração. Deixe que o amor e a graça de Deus, através de Jesus Cristo, lhe dêem sua validação e identidade mais profundas.

Cremos que esta ligação entre o amor de Deus e a sexualidade, incorporada através do modelo bíblico de casamento, é a melhor maneira de os seres humanos viverem e prosperarem.

Traduzido por Vittor Rocha.

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