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Teologia Faz Bem para a Igreja

Nos nossos dias muitas pessoas realmente acreditam que estudar teologia é algo completamente desnecessário. Para alguns, o cristianismo é uma experiência pessoal com Cristo que nada tem a ver com a mente; para outros, o verdadeiro cristianismo importa-se exclusivamente com a prática de princípios e, portanto, não precisam atentar-se a conceito e ideias sobre Deus, Sua palavra e revelação.

Embora essa atitude contrária ao estudo da teologia seja comum, ela dificilmente pode ser considerar uma atitude correta. A bem da verdade, as Escrituras atestam a importância de se estudar teologia. Por isso, nesse artigo vamos considerar a importância prática da doutrina, observar sete razões pelas quais pessoas desprezam o valor da doutrina e por fim, apresentar boas razões para estudarmos teologia.

 

1. A Importância Prática da Doutrina

Uma das mais recorrentes desculpas para não se estudar as doutrinas cristãs, é que tal estudo não tem importância prática. Muitos realmente acreditam que existe uma divisão entre o conhecimento e a prática, entre o conceito e a ética, entre a mente e o coração. E por assim pensarem, entendem que qualquer estudo centrado em conhecimento será focado apenas na mente do indivíduo e não no seu coração, e como consequência disso, será um estudo sem relevância prática.

Nada poderia estar mais longe da verdade! As Escrituras não ensinam essa divisão entre conhecimento e prática, muito menos entre doutrina e ética. De acordo com o que lemos nas Escrituras, a doutrina é o alicerce da prática cristã. Ou seja, sem bases conceituais e doutrinárias sólidas, o cristão não terá fundamento para a prática da sua fé.

Por exemplo, o chamado para a vida santa tem por base a doutrina da identificação na morte do cristão com Cristo (Rm 6.1-13); a rejeição do preconceito de pessoas nasce da percepção de que Deus não é parcial com as pessoas (Rm 2.11), e de que Ele não estabelece preferência entre ricos e pobres (Tg 2:1-4), de que Ele envia suas bênçãos para todos os homens sem distinção (Mt 5:45). A vida santa é estimulada pelo reconhecimento de que existe um plano divino para o futuro, que envolve a completa realização da santidade (1 Jo 3.1-3). Aliás, é porque cremos que Deus tem um plano e um propósito para sua criação é que nos empenhamos em apresentar o evangelho as pessoas (2 Co 2.10).

Além disso, o cristão pode apenas reagir aos falsos ensinos se conhecer a verdadeira doutrina. Heresias, falsos ensinos, mentiras e tantas outras práticas que distorcem o que as Escrituras ensinam só poderiam ser percebidas, respondidas e corrigidas por aqueles que tem um bom conhecimento das doutrinas que as Escrituras ensinam. Em outras palavras, só poderemos saber o que é falso, se conhecermos o que é verdadeiro. Diga-se de passagem, o mesmo é válido para práticas e comportamentos que são contrários à sã doutrina (cf. 1 Tm 1.8-10).

Ou seja, a doutrina verdadeiramente cristã serve como fundamento para a prática verdadeiramente cristã. Aquele que se opõe ao estudo aprofundado das Escrituras por entender que a doutrina não tem implicações práticas, provavelmente não retirou das Escrituras essa conclusão. Afinal, as Escrituras atestam o oposto disso: a doutrina serve de fundamento para a prática.

 

2. Aversões a Teologia

Tendo feito essas considerações, devemos nos perguntar: “Se a doutrina é a base da prática cristã, porque algumas pessoas não gostam e não querem estudar teologia?” A verdade é que existem diferentes respostas a essa pergunta. Alguns rejeitam o estudo das Escrituras por pietismo, enquanto outros o fazem pelo zelo biblicista, pelo pragmatismo, pelo misticismo, pelo ceticismo, pelo carismatismo ou até mesmo por um ecumenismo utópico.

a. Pietismo

Algumas pessoas realmente acreditam, embora provavelmente nunca o afirmem em voz alta, que o estudo da doutrina pode destruir a fé. É como se o estudo da teologia fosse um empecilho para a verdadeira expressão da fé cristã. A experiência com Deus é o que importa, e a verdadeira experiência não acontece no estudo das Escrituras. A vida espiritual não se preocupa com questões conceituais ou doutrinárias, tudo o que importa é a devoção.

Entretanto, o que não se percebe, é que para fazer uma afirmação como essa, o indivíduo precisa de fundamento, e melhor, precisa de um sistema doutrinário que o permita chegar à essas conclusões. Em outras palavras, como ele sabe que a verdadeira experiência não acontece no estudo das Escrituras? É realmente verdade que o estudo da doutrina não pode levar alguém a experimentar Deus genuinamente? Fazer afirmações como essa sem poder, entretanto, demonstrar sua veracidade é um problema doutrinário. Com isso, não estamos dizendo que a experiência com Deus não seja importante, estamos afirmando que a experiência e o estudo não são antagônicos como pensam alguns. Devoção, piedade e conhecimento não são opostos entre si, até porque o verdadeiro conhecimento de Deus é o fundamento para a devoção e piedade (1 Jo 2.3-14).

b. Biblicismo

Entre os teologicamente mais conservadores, existem aqueles que realmente acreditam que a teologia é oposta às Escrituras. Alguns o fazem por defender um dualismo infantil que diz que a fonte das Escrituras é divina, enquanto as fontes da teologia são humanas. De acordo com essa visão, devemos nos dedicar exclusivamente ao texto das Escrituras e rejeitar as construções teológicas que se fazem a partir dela. Outros o fazem por acreditarem que a teologia é desnecessária, e o que realmente importa é a escritura.

Ironicamente, ambas as proposições supracitadas são feitas a partir de uma plataforma teológica, seja ela conceitual, seja ela histórica. Conceitualmente, aqueles que dividem a fonte da teologia e das Escrituras o fazem por meio de uma doutrina da revelação restritiva. Eles afirmam a inspiração do texto, aceitam a autoridade do texto e rejeitam as reflexões humanas feitas a respeito dela. Entretanto, historicamente, essa opinião só pode ser feita dentro da tradição protestante. A centralidade e prioridade das Escrituras na reflexão teológica foi um dos muitos resgates conceituais oferecidos pela Reforma Protestante. Em outras palavras, na tentativa de se afirmar a desnecessidade da teologia, esses cristãos afirmam a teologia protestante da prioridade das Escrituras à teologia.

A bem da verdade é que ninguém lê as Escrituras com base exclusivamente nas Escrituras. A escritura é de fato inspirada, mas toda leitura das Escrituras é interpretativa, e toda interpretação é humana. A partir do momento em que nos colocamos a ler a escritura nós a estamos interpretando por meio de um viés teológico, quer o leitor saiba disso ou não. Ninguém lê o texto num vácuo espiritualmente neutro e santo, pois todos nós trazemos nossas pressuposições para o texto. E muitas das pressuposições que carregamos são fruto do ambiente teológico que estamos inseridos, e são derivadas de afirmações teológicas conscientes ou não. Ou seja, aqueles que afirmam a exclusividade das Escrituras na reflexão cristã, o fazem por meio de afirmações teológicas, conscientes disso ou não.

Vale dizer, por outro lado, que não rejeitamos a primazia das Escrituras no estudo da teologia. O que estamos demonstrando é que a ideia da exclusividade das Escrituras na reflexão cristã é ingênua e imatura, senão autocontraditória.

c. Pragmatismo

Alguns cristãos realmente acreditam que a teologia é irrelevante. Para eles, o que realmente importa é como vamos viver nossas vidas no dia a dia, e nesse quesito a teologia nada tem a acrescentar. É como se a reflexão cristã a respeito da doutrina revelada nas Escrituras não tivesse relevância prática.

A razão para alguns pensarem desse modo tem a ver com a cultura extremamente pragmática e imediatista dos nossos dias. Refletir sobre como agir pode levar mais tempo do que se gostaria, mas oferece bases mais consistentes para nossa prática cristã. O resultado pode não ser imediatamente rápido, mas quem disse que os resultados devem ser medidos em tempo e não em relação com a verdade? Infelizmente, muitos fizeram do pragmatismo e do imediatismo o critério ultimo para decisões éticas, eclesiásticas e missionais, fazendo com que muito do que se produz nos nossos dias seja superficial e transitório.

Isso não quer dizer que não possamos ser pragmáticos com algumas das nossas escolhas sobre ética, igreja e missão. O que não podemos fazer é ignorar que a doutrina cristã é a base para essas decisões, mesmo as mais pragmáticas.

d. Misticismo

Para alguns cristãos, a teologia tornou-se complicada demais quando se propôs a investigar e invadir os mistérios de Deus. A retórica mais conhecida desse argumento é que a teologia complica aquilo que é simples. O argumento por trás da retórica é que a verdadeira espiritualidade é encontrada fora da escritura, porque a letra mata, mas o espirito vivifica. São nas experiências místicas que o verdadeiro conhecimento de Deus é encontrado.

Novamente, a ironia dessa proposta é que precisa-se de uma estrutura teológica para organizar a revelação divina desse modo. Em outras palavras, necessita-se de uma teologia da revelação divina para se sugerir que a verdadeira fonte da verdadeira experiência mística com Deus acontece além das Escrituras. E mais, para fazer isso, o indivíduo precisaria usar as Escrituras (!).

A verdade é que não se pode negar a manifestação de Deus, e sua revelação além daquilo que foi revelado de forma proposicional nas Escrituras, pois aprendemos com elas que o Espírito de Deus também se revela na natureza (At 14.17; Rm 1.20) e não somente nas Escrituras (Hb 4.12-13). Ao mesmo tempo, não se pode ignorar a primazia da Escritura à experiência, afinal qual seria o critério para se avaliar a veracidade da experiência? Diga-se de passagem, deve-se assumir uma estrutura conceitual teológica que afirme a não contrariedade das revelações do Espírito. Ou seja, uma teologia que considere que o mesmo Espírito que atuou nos apóstolos e profetas não comunique algo nos dias de hoje que seja contrário àquilo já revelado nas Escrituras. O misticismo levado à efeito conduzirá o cristão ao agnosticismo piedoso, que afirma que não se pode saber ao certo quem Deus é, muito embora se possa sentir o que Ele espera de nós.

e. Ceticismo

A partir de uma percepção superficial dos dilemas teológicos, alguns cristãos acreditam que o estudo teológico não oferece clareza, mas confusão. A retórica é mais ou menos parecida com essa: “Se os teólogos que dedicam toda suas vidas para entender a teologia e as Escrituras não conseguem concordar em um assunto, como eu poderia encontrar uma solução para esse dilema?” Essa postura presume a impossibilidade de se conhecer algo sobre Deus e sua revelação de modo objetivo, e por isso é cética quanto a validade do estudo teológico.

Por um lado, a pergunta feita por esses cristãos é de fato interessante. Teólogos não concordam entre si, como poderiam meros mortais como nós saber qualquer coisa sobre teologia? Por outro lado, devemos considerar que aqueles que assim se perguntam, confundem convicção e certeza. Nem todo conhecimento revelado nas Escrituras será plenamente objetivo, e nesse sentido, a certeza não será o objetivo do estudo. Isso não significa que não se possa ter convicções teológicas bem fundamentadas.

Considere por um momento um tema não controvertido entre os teólogos conservadores, como por exemplo o pecado. Ao que parece, todos os teólogos dos mais diferentes espectros da teologia conservadora irão concordar com o fato de que os seres humanos são criaturas caídas e desfiguradas pelo pecado. Por outro lado, nem todos irão concordar com as implicações dessa afirmação teológica, ou com a abrangência dessa desfiguração no ser humano. Ou seja, é possível manter convicções em assuntos controvertidos, mesmo que a certeza objetiva e absoluta não seja possível. Diante da imensa profundidade daquele que se revela nas Escrituras, sabemos ser impossível saber tudo sobre Ele com absoluta certeza. Até porque um Deus que é plenamente factível e explicável para a mente humana, dificilmente seria verdadeiramente Deus.

f. Carismatismo

O carismatismo, diferente do pietismo e do misticismo, sugere de modo similar a eles que o estudo teológico não é uma atividade espiritual. Enquanto o pietismo evita a teologia para valorizar a devoção, e o misticismo a experiência da divindade, o carismatismo evita a teologia por enfatizar os ministérios do Espírito Santo e sua atual manifestação. Aqui encontra-se a dicotomia entre a vida espiritual e o estudo teológico, uma dicotomia que deveria ser evitada a todo custo. A consequência lógica da proposição de tal dicotomia, é que pode-se confiar no Senhor com seu coração, mas jamais com sua mente, como se o estudo enfraquecesse as presentes manifestações do Espírito, ou que o mesmo se tornasse inefetivo e improdutivo quando o cristão passasse a estudar.

Por outro lado, devemos considerar que existe certa veracidade nesse tipo de ceticismo, até porque muito da produção teológica produzida no Protestantismo teve suas bases no racionalismo que tende a minimizar a experiência, a piedade e as manifestações do Espírito. Se bem observado, notar-se-á que muito do que se aprende em instituições de ensino teológico se sobrepõe com a espiritualidade genuína, devoção em oração, discernimento do Espirito. Aliás, encontrar-se-á muitos estudantes e professores de teologia que sabem muito sobre Deus, mas quase nada experimenta verdadeiramente Dele.

É por isso que devemos rejeitar ambos os extremos, do academicismo improdutivo, e do carismatismo ignorante. Talvez o maior desastre que aconteceu na história da teologia foi a separação entre a teologia que se faz sentado e aquela que se faz de joelhos. Se bem analisada, as Escrituras ensinam ambas as verdades e ambas devem ser mantidas unidas para o bem da cristandade, da comunidade da fé e da maturidade cristã.

g. Ecumenismo Cristão

Ecumenismo é a tentativa de se encontrar um ponto comum entre diferentes propostas religiosas e com isso defender a unidade primária dessas religiões. O ecumenismo cristão pensa de modo similar, mas apenas dentro do cristianismo. Para os cristãos que defendem essa bandeira, o amor une e a doutrina divide. Em outras palavras, devemos parar com as reflexões teológicas e focar na manifestação do amor cristão como ponto de verdadeira unidade na cristandade.

Entretanto, devemos observar que existem dois elementos equivocados na retórica desse movimento. Em primeiro lugar, amor não une, ele redime. Em muitos casos, o amor defendido nesses ambientes não é o justo amor da divindade, mas o inclusivo amor da humanidade que se tem em mente. Nesse tipo de amor, aceita-se todas as diferenças em nome de um sentimento que mais se parece com a conivência do que com a justiça de Deus. O amor de Deus, por outro lado, não é um sentimento desassociado de suas virtudes, mas a manifestação delas, sendo a redenção de seres caídos por meio da morte de Cristo para viverem em novidade de vida a mais importante manifestação desse amor. O amor de Deus redime. Em segundo lugar, doutrina divide como deveria. De acordo com as Escrituras a doutrina divide a verdade da mentira, a doutrina da heresia, o falso do verdadeiro. Aliás, essa é a função da verdade (cf. 2 Tm3.1-3; 4.2-4; Tt 1.9-11; 2.1).

Por outro lado, é necessário se dizer que entre os cristãos conservadores, em especial entre os fundamentalistas, a teologia tem sido usada como vara da disciplina divina. Aqueles que tem um conhecimento limitado das Escrituras e impróprio da teologia, usam a teologia como desculpa para hostilidade e carnalidade e com isso dividem o corpo de Cristo de modo desnecessário e infantil. Esses fundamentalistas, por presumirem assertividade em todas as suas afirmações teológicas, acreditam que sua missão é impor suas convicções doutrinárias à fórceps a todos que se dizem cristãos, e se fazem o rolo compressor da justiça e verdade divina na tentativa de destruir visões distintas daquelas que eles mesmos defendem. Esse equívoco é trágico para a fé, pois divide o corpo de Cristo.

Em outras palavras, deve-se evitar ambos os extremos, seja o da unidade utópica do ecumenismo cristão, seja do separatismo infantil de alguns fundamentalistas. A bem da verdade, a melhor resposta para ambos, é uma boa dose de conhecimento teológico.

 

3. Necessidade da Teologia

Como ficou claro, a teologia é mais do que um capricho dos acadêmicos, é uma necessidade real para a comunidade da fé. Sem uma boa base doutrinária qualquer uma das aversões apresentadas acima poderia ser considerada verdadeira. Por outro lado, uma teologia que se propõe a investigar e explicar as Escrituras, ao invés de destruir a fé (pietismo) ela irá promover uma fé consciente; ao invés de se opor às Escrituras (biblicismo), ela será biblicamente verdadeira; ao invés de se mostrar irrelevante (pragmatismo), ela será vital para vida, eclesiologia e missão cristã; ao invés de invadir os mistérios de Deus (misticismo), ela será curiosamente reverente diante da grandeza de Deus; ao invés de levar pessoas ao agnosticismo (ceticismo), ela será humildemente conclusiva; ao invés de impedir a manifestação do Espirito (carismatismo), ela será impelida por Ele; ao invés de dividir (ecumenismo), ela será construtiva para a comunidade da fé.

Em outras palavras, a teologia é fundamentalmente importante para o cristão, a comunidade da fé e a missão cristã. Sem um bom fundamento teológico, a própria piedade seria distorcida, a liturgia esquecida e a missão enfraquecida. Por isso, o cristão deve dedicar-se a conhecer mais do Senhor, da sua comunidade e missão por meio da teologia, pois a teologia não é o fim da dedicação acadêmica do cristão, mas apenas o meio pelo qual sua devoção, religião e missão são percebidas e desenvolvidas.

Soli Deo Gloria

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