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A Vida Cristã é Paradoxal. Aceite Isto.

Adorando o Deus de "Ambos" e "E"

Mais por Jen Pollock Michel

Ela estava brava comigo. Como qualquer mãe poderia supor, ela tinha razões justas e injustas. É claro que foi sobre as razões injustas que eu fiquei me remoendo na manhã seguinte, lembrando de como a casa tinha tremido com o vendaval de palavras chorosas e amargas da noite anterior. Parada em frente à pia, reafirmei a mim mesma que a auto-preocupação era uma coisa da adolescência, que o atrito relacional era normal naquela época em que sua formatura do ensino médio se aproximava. Mesmo assim, senti-me assolada.

A preocupação havia me acordado cedo naquela manhã, e eu a obedeci, seguindo-a escada abaixo até a cozinha. Enquanto a água esquentava no fogão, passei os olhos pelas manchetes da manhã. Luke Perry havia morrido e ainda havia dezenas de desaparecidos devido aos enormes tornados que haviam atingido o Alabama. Ao que parecia, resolutamente a tristeza ainda era a condição do mundo. Subi as escadas até o meu escritório, café quente na mão, e na casa silenciosa, com todos dormindo tranquilamente, comecei a tentar a desenredar a conversa da noite anterior, que eu não tinha terminado, mas que havia passado para o meu marido depois de me deitar na cama com um livro — ironicamente um livro sobre a aparente indecência da necessidade. Nas páginas de meu diário, revelei meus temores pelo futuro e a culpa por tudo o que fiz de errado nos últimos 18 anos. Eu estava preocupada sobre a possível fossilização destes erros, apreensiva de que os anos poderiam tê-los endurecidos além do possibilidade de conserto. Ela ia fazer 18 anos e o tempo estava se esgotando.

As palavras fluíam e eram como balbuciadas na página. Mas não consolaram a terrível angústia de ser uma pessoa humana.

O Paradoxo de Ser Humano

Assim como qualquer outro ser humano, eu sou um enigma para mim mesma. Desejo criar bem os meus filhos. Farei o que é correto por eles. Mas mesmo em meus melhores dias, deixo de realizar estas boas intenções pelo fato de ser humana, limitada tanto em compreensão quanto em capacidade. Não tenho o conhecimento soberano dos fardos secretos que meus filhos carregam, e também nem sempre consigo me dispor a carregá-los incansavelmente. Nos piores dias (e há mais deles do que eu gostaria de enumerar), fracasso em minhas melhores intenções maternais, não simplesmente por ser humana, mas por ser pecadora. Quando meu telefone toca, e a voz irritada e acusadora da minha filha mais velha surge do outro lado da linha, não respondo com compreensão ou amor. Desligo o telefone na cara dela.

Em sua carta aos romanos, o apóstolo Paulo elaborou bastante sobre este paradoxo de sermos humanos, que significa que por um lado, somos moralmente frágeis mas que também temos aspirações morais. Em Romanos 7, ele confessa a sua própria trágica ambiguidade: “Porque nem mesmo compreendo o meu próprio modo de agir, pois não faço o que prefiro, e sim o que detesto.” Nisto, somos um mistério para nós mesmos. Deixamos de fazer o bem que desejamos fazer, e satisfazemos o mal que detestamos. A cada dia, sou uma prova empírica do argumento de Paulo.

De acordo com G. K. Chesterton, o paradoxo de ser humano é que somos tanto “a primeira das criaturas” quanto “o primeiro dos pecadores”. Feitos à imagem de Deus, compartilhamos a sua semelhança moral, amando o bem e odiando o mal desde o princípio. Éramos a “escultura de Deus andando pelo jardim”, e nossa grande tristeza depois da queda não era a de uma fera do campo, mas a de um “Deus danificado”. Embora tivéssemos sido projetados para ser como Deus e governar com ele, escolhemos a autonomia e a rebelião no lugar da submissão e da adoração. Uma mordida do fruto proibido nos amaldiçoou, criaturas que amam a si mesmos que somos, a paradoxalmente sempre escolher o dano do pecado. No jardim, Deus graciosamente nos ofereceu vida, e nós voluntariamente a recusamos. Corpo desta morte, de fato.

Por um lado, a depravação humana são péssimas novas — uma acusação devastadora proferida por Paulo, no começo de sua carta aos romanos: “Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus”. Por outro lado, reconhecer a nós mesmos como pecadores é um alívio incrível — novas muito melhores do que o otimismo dos secularistas, que presta pouca atenção à capacidade humana de destruir as coisas.

Um paradoxo do evangelho é: as más novas são as grandes boas novas de Deus.

O Paradoxo do Evangelho

O paradoxo, argumentou Chesterton, é o coração pulsante do evangelho. Na jornada de fé de Chesterton, os paradoxos do pensamento cristão o compeliram de forma especial. Ao ler autores ateus e agnósticos seculares, ele observou que, embora o cristianismo fosse consistentemente o alvo de ataques, era sempre atacado por razões inconsistentes. Alguns o criticavam por ser demasiadamente otimista — outros por ser demasiadamente pessimista, Alguns o culpavam por ser ousado demais — outros por ser demasiadamente brando. A culpa era do cristianismo, ainda que ninguém pudesse concordar porquê. Seria ele demasiadamente ascético e monástico — ou demasiadamente insistente na pompa e circunstância? À medida em que Chesterton continuou a refletir, começou a se perguntar se o cristianismo não seria, de fato, todos esses “vícios” de uma só vez: pessimista e otimista, corajoso e manso, ascético e mundano.

Em outras palavras, seria a única falha do cristianismo a sua hospitalidade ao paradoxo?

Com base na ideia de que Deus se revestiu de carne humana e ainda assim permaneceu como Deus, Chesterton acabou concluindo que o cristianismo não é uma teologia baseada em metódicos “ou isto”, “ou aquilo”. Em vez disso, em comparação com outros sistemas religiosos, o cristianismo é excepcionalmente hospitaleiro ao paradoxo, ou seja, um aparato baseado nas palavras “ambos” e “e”. De fato, como Chesterton notou, o paradoxo é a ponta afiada sobre a qual grande parte da verdade de Deus pode ser encontrada: “Sempre que sentimos que há algo estranho na teologia cristã, em geral, descobriremos que há algo estranho na verdade”.

E é estranho afirmar, ao mesmo tempo, que os seres humanos têm razão para “grande orgulho” e “grande abatimento” (Chesterton novamente). No entanto, se debater com o paradoxo de ser uma pessoa humana é o pequeno passo que, com a ajuda de Deus, pode se tornar no salto gigantesco em direção à salvação. Pelo menos esta foi a conclusão de Blaise Pascal, um matemático, filósofo e cristão convertido do século XVII, em um de seus famosos “fragmentos” de reflexão religiosa, ou Pensées, que ele escreveu antes de sua morte prematura. “É uma miséria saber que se é um miserável”, escreveu Pascal, “mas há grandeza em saber que se é um miserável”. A condição paradoxal para a salvação não é o mérito moral, mas a culpa moral. Não podemos oferecer a Deus promessas de consistência, pureza e fidelidade, porque estas são promessas que nunca poderemos cumprir. Nosso destino é o fracasso moral a cada vez, mesmo que estejamos tentando fazer o oposto. Recebemos ajuda apenas ao admitir a nossa carência.

Mas de acordo com Atanásio, em “Sobre a Encarnação do Verbo”, não é a depravação da humanidade que torna necessária a Sua salvação, mas sim paradoxalmente, Sua grandeza. Como poderia Deus permitir que sua criação especial, dotada de sua semelhança, caísse em ruína? E se Ele o fez, poderia Ele chamar tal apatia de amor? “Era impossível… que Deus deixasse o homem ser levado à corrupção, porque isso seria impróprio e indigno dele próprio”. Foi a glória de Deus, até mesmo a sua glória transmitida à humanidade, que exigia um resgate. Tal como escreveu Chesterton: “Que ele se chame de tolo, e de tolo maldito… mas ele não deve dizer que tolos não são dignos de salvação”. Assim como Deus o quis, a humanidade foi salva por um paradoxo: que carecendo da glória de Deus, ela deveria ser resgatada para, outra vez, tornar-se como ele.

As razões para a salvação parecem paradoxais, mas considere também os meios. De acordo com a grande surpresa da história de Deus, Jesus Cristo não considerou como usurpação o ser igual a Deus, mas se esvaziou, humilhando-se até a morte de cruz. O primogênito de toda a criação se tornou o último, e a vida da humanidade foi encontrada no prejuízo do próprio Deus. Além disso, para que não pensemos no auto-sacrifício de Cristo apenas como um meio para a absolvição, devemos nos lembrar do paradoxo da graça: o evangelho anuncia tanto clemência quanto violência, tanto misericórdia quanto julgamento, tanto resgate quanto morte. O que resplandece no Gólgota é Deus abraçando a contradição: a fraqueza como poder, a loucura como sabedoria.

É um paradoxo que faz as pessoas tropeçarem.

Os Convites do Paradoxo

Pelo menos para mim, parece que Deus tem uma espécie de preferência pelo paradoxo — que dada a escolha entre “ou um” e “ou outro”, Deus frequentemente escolhe o “e”. O paradoxo é, claramente, o modo pelo qual podemos avaliar corretamente, não apenas a nossa natureza, mas a de Deus: ele é imanente e transcendente, misericordioso e justo, misterioso e passível de conhecimento. Na pessoa de Jesus Cristo, o grande EU SOU se tornou o grande EU “E” (n.t. trocadilho no inglês de “I AM” com “I AND”), não moderando nem sua divindade nem sua humanidade, mas cobrindo-se com o que nos parece ser contradição.

Certamente há mais paradoxos para abordar na história de Deus do que tenho espaço para mencionar aqui — incluindo a natureza do reino (como uma realidade tanto agora e como por vir), a natureza da graça (como “Deus operando em nós para que possamos tanto querer como efetuarmos a sua boa vontade”); a natureza do lamento, que, como na manhã em que eu passei o olho pelas manchetes e me sentei para escrever em meu diário, nos convida simultaneamente à dor e à esperança. Estes são mistérios irredutíveis que nenhuma teologia sistemática pode logicamente explicar, e é melhor que imitemos Moisés quando confrontados com o paradoxo. Quando encontrou-se diante da sarça que ardia no fogo e não era consumida, ele fez duas coisas: aproximou-se para dar uma olhada melhor, depois retirou as sandálias.

O paradoxo inevitavelmente oferece estes dois convites: à curiosidade e à humildade.

Recentemente, estive relendo o livro de Rosaria Butterfield, The Secret Thoughts of an Unlikely Convert [Os Pensamentos Secretos de uma Convertida Improvável]. Descrevendo algumas de suas suposições sobre os cristãos antes de se tornar cristã, ela admitiu que achava que eles careciam de curiosidade. Ela pensava que eles liam a Bíblia erradamente, trazendo a Bíblia na conversa apenas para interromper a conversa ao invés de para aprofundá-la. Eles pareciam estar sempre oferecendo respostas, mas, como Rosaria observou ironicamente, “as respostas vêm depois das perguntas e não antes”.

Infelizmente, a experiência de Butterfield às vezes tem sido a minha própria — nós damos um curto-circuito na nossa curiosidade insistindo prematuramente na certeza. Não sou alguém que queira argumentar contra a certeza, pois as Escrituras foram escritas e os credos foram debatidos para estabelecer certezas teológicas e doutrinárias. Manter a importância do paradoxo não é o desdenhar de modo ambivalente como a pós-modernidade, que descarta a capacidade humana por qualquer conhecimento objetivo. Ao invés disso, o paradoxo fornece uma categoria para um tipo diferente de certeza: “de verdades que não são coesas logicamente”. Em vez de evitar reivindicações quanto à verdade, o paradoxo é um mecanismo para afirmar que a verdade, embora passível de ser conhecida, ainda pode permanecer misteriosa e até mesmo além do alcance da razão.

Quando trazemos à luz a tensão do paradoxo nas Escrituras, devemos nos mover em direção a ele com expectativa, e não nos afastarmos com medo. Sermos deixados em um estado de tensão, complexidade e mistério, necessariamente nos leva à humildade: à pequenez contínua de saber que ele é Deus e nós não o somos. Esta ideia de ser como uma criança parece um argumento suficiente por si só, embora, curiosamente seja também um testemunho convincente para a nossa era secular, que, apesar de ter rejeitado a realidade de Deus, ainda anseia pelo transcendente, por alguma coisa maior, mais duradoura e mais bela do que sua confusa vida material. Nosso testemunho mais convincente pode nem sempre ser nossos argumentos ponderados e nossa apologética sofisticada.

Pode ser também o paradoxo.

“Ambos” e “E”

Na manhã seguinte à discussão explosiva com minha filha adolescente, cheguei ao fim de várias páginas do meu diário com uma compreensão mais clara de como ir em frente. Não é surpreendente que as conclusões tenham sido construídas principalmente sobre “ambos” e sobre “e”. Eu necessitava persistir tanto em um ministério de palavras quanto em um ministério de presença silenciosa — pois Deus havia me dado tanto o mandamento para falar com meus filhos como um meio de formação espiritual, e o exemplo de seu próprio ministério silencioso de bondade para com Elias, que chegou desanimado e desesperado depois de seu confronto com os profetas de Baal. Como uma situação de “ambos” e “e”, acabou sendo uma resposta cheia de tensão e que me fez retroceder, não ao meu próprio entendimento, mas ao de Deus. Ao contrário de um resposta do tipo “ou um ou outro”, foi uma resposta que me deixou com a convicção de que a dependência contínua da sabedoria do Espírito seria necessária.

Suponho que a suficiência de ‘ambos” e “e” foi o que Jó descobriu ao final de seu longo e irado discurso, que Deus achou por bem não responder. “Quem é este que escurece os meus desígnios com palavras sem conhecimento? Cinge, pois, os lombos como homem, pois eu te perguntarei, e tu me farás saber. Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra?” Jó nunca obteve uma resposta para as suas perguntas. Nunca ficou sabendo os motivos definitivos de Deus da razão de permitir o seu sofrimento.

E o paradoxo é:

Aquilo foi o suficiente.

Tradução de David Bello

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