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Viabilizar Abuso Convida o Juízo Divino

Os evangélicos norte-americanos muitas vezes olham para líderes do Reino Unido, tais como John Stott, em busca de inspiração. Mas, embora tenham havido muitos exemplos maravilhosos de fé na igreja evangélica britânica, este mesmo círculo está tendo que lidar com as consequências de abuso crônico perpetrado por um punhado de líderes e viabilizado por uma rede muito mais ampla. Especificamente, esta semana veio à tona a publicação de um relato de abuso físico, psicológico e sexual cometido por um proeminente pastor baseado em Londres chamado Jonathan Fletcher. Seu comportamento foi viabilizado ao longo de décadas, e ele continuou no ministério mesmo após seu direito de ministrar ter sido formalmente removido. É importante que haja engajamento com tais relatos, e que lamentemos e reflitamos sobre eles a partir de diferentes perspectivas.

No entanto, parece haver muita confusão sobre como entender estes escândalos da perspectiva mais importante de todas: a espiritual. Se não considerarmos o que está acontecendo espiritualmente, então todas as outras perspectivas são insuficientes, pois o aspecto espiritual permeia e influencia profundamente todos os outros.

Como devemos entender a dinâmica espiritual? Seriam os escândalos de abuso apenas “o diabo tirando vantagem da situação” (uma frase que já ouvi várias vezes), ou algo além disso? Como devemos entender os abusadores? São pecadores pelos quais devemos orar, ansiando por seu arrependimento e perdão? Seria correto dizer coisas como “Não fosse a graça de Deus, poderia ter sido eu”?

O Abuso Não É “Apenas Pecado”

O apóstolo Paulo escreveu que era o “principal” dos pecadores (1Tm 1.15). Será que isso significa, que qualquer um poderia se tornar um abusador? Como evangélicos, temos como característica não tratar as pessoas como fantoches. Sabemos que o mundo não se divide de forma clara entre o bem e o mal, “pois todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Rm 3.23).

No entanto, precisamos evitar o perigo oposto de tratar o pecado, especificamente pecados abomináveis como o abuso, como algo normal. Abuso significa “uso indevido do poder”, como a Dra. Diane Langberg aponta em Redeeming Power: Understanding Authority and Abuse in the Church [Poder Redentor: Compreender a Autoridade e o Abuso na Igreja]: “Qualquer estudo do uso indevido do poder também é sempre um estudo sobre o ludibriar, primeiro a si mesmo e depois aos outros”.

Lubridiar a si mesmo requer um endurecimento persistente da consciência. Bem advertem as Escrituras sobre a “hipocrisia dos que falam mentiras e que têm cauterizada a própria consciência” (1Tm 4.2). Ela exige uma profunda distorção de como alguém percebe os outros, não mais como portadores da imagem, mas meros peões em um jogo de satisfazer as concupiscências do agressor (por sexo, por poder, e assim por diante).

Abusar de alguém—e pior ainda, abusar repetidamente e encobrir isto—requer uma longa e resoluta jornada por uma estrada muito escura. Portanto, sim, pelo fato de o pecado ser tão mau, todo ser humano tem a capacidade para cometer um pecado tão grave; mas não, não há nada de normal sobre o abuso.

Do mesmo modo, isto significa que necessitamos ser realistas e sagazes quanto às perspectivas de arrependimento. Embora Jesus tenha nos exortado a amar nossos inimigos e orar por aqueles que nos perseguem (Mt 5.44), ele também pronunciou condenação sobre líderes espirituais que abusam de sua posição (Mt 23.13-39).

Há algo fundamentalmente diferente entre o estado espiritual de um não-cristão que peca, mesmo chegando a perseguir o povo de Cristo (tal como Saulo de Tarso em Atos 9), e um líder de igreja que provou o dom celestial e se tornou participante do Espírito Santo (Hb 6.4), mas escolheu tal caminho de se auto ludibriar.

A graça de Deus em Cristo é tão extraordinária e chocante que pode ser suficiente para o perdão destas pessoas, mas as camadas de cauterização em seus corações e consciências significa o que as Escrituras apontam como que “prosseguiram pelo caminho de Caim… e pereceram na revolta de Corá.” (Jd 11).

Lembremo-nos dos Juízos de Deus

É claro que estamos em uma batalha espiritual e, embora de modo algum se diminua a responsabilidade pessoal ou a soberania divina, o Diabo está por trás do mal do abuso. Necessitamos oferecer conforto aos feridos ou abalados por tal abuso, que o Bom Pastor, que deu a vida por suas ovelhas, não deixará que sejam tomados da sua mão (Jo 10.11,28).

Dependendo de como igrejas, ministérios ou até mesmo a subcultura evangélica mais ampla respondem, também necessitamos ver que pode haver mais acontecendo. Quando um ministério cristão é abalado ou corre o risco de ser encerrado, rapidamente atribuímos o problema ao “Diabo tirando vantagem”. Mas quando tal igreja ou ministério tem respondido de maneira ímpia, as Escrituras atribuem isto mais prontamente à mão do Senhor em julgamento e repreensão.

Pense na advertência de Paulo aos Coríntios sobre como eles estavam tratando a Ceia do Senhor, e as doenças, e até mesmo mortes, resultantes disso (1Co 11.27-32). Pense na carta à igreja de Éfeso no Apocalipse, advertindo que, se eles não se lembrassem de seu primeiro amor e se arrependessem, seu candeeiro seria removido (Ap 2.4-5).

Onde Estão os Isaías de Hoje?

Em última análise, Deus vai purificar e preservar sua igreja. Ao longo da história, quando partes da igreja caíram em pecado impenitente, vez após outra Deus limpou a casa. Necessitamos considerar que quando padrões abusivos de liderança existem e igrejas e ministérios de ambos os lados do Atlântico deixam de responder adequadamente, a mão de Deus pode estar ativamente voltada contra nós.

Uma autêntica resposta espiritual de realmente ver esta perspectiva espiritual foi a de Isaías, quando se colocou sob a misericórdia de Deus e intercedeu: “Ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o SENHOR dos Exércitos! (Is 6.5). É importante perguntar, onde estão os Isaías que veem essa perspectiva e nos estão liderando para uma resposta semelhante hoje?

Traduzido por Luiz Santana.

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