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Uma das tarefas fundamentais para a igreja no dia de hoje, é aprender a ler a história em que nos encontramos e a história que Deus está contando, ao invés da história que contamos a nós mesmos. Isto só é possível quando o Espírito ilumina a Palavra, para que possamos ver a nós mesmos e ao nosso mundo corretamente. Parte disso significa que vamos regularmente ser desafiados pelas Escrituras, ao Deus nos surpreender com as histórias que ele conta.

Por exemplo, sobre o que pensamos quando pensamos em ser cheios do Espírito? Se fôssemos nos encontrar com alguém cheio do Espírito, qual seria nossa expectativa sobre o que eles fariam? Como agiriam? O que diriam? Ou de maneira oposta: que tipo de coisas que não diriam ou fariam? Se já temos algum tempo como cristãos, acho que pensaríamos nos dons do Espírito ou no fruto do Espírito. Pensaríamos em manifestações sobrenaturais de poder do Espírito, em profecia ou falar em línguas ou em curas. Ou, ainda mais importante, pensaríamos em amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, e domínio próprio (Gal. 5.22-23). Nossas expectativas de pessoas cheias do Espírito é de que sinceramente amem as pessoas; que sejam manifestamente gentis; que falem com bondade e paciência em todas as circunstâncias. E estas são expectativas boas e bíblicas.

Mas o livro de Atos nos mostra que a vida cheia do Espírito é cheia de surpresas.

Insultos Inspirados pelo Espírito

Em Atos 13 o Espírito Santo comissiona a Paulo e Barnabé para o seu trabalho missionário. Uma de suas primeiras paradas é em Pafos, uma cidade na ilha de Chipre, onde o procônsul romano (essencialmente um governador da província) Sérgio Paulo quer ouvir o que eles têm a dizer (Atos 13.7). Portanto, temos aqui um oficial proeminente do governo; “um homem culto”; ávido por ouvir a palavra de Deus. Mas, em sua corte há um mágico chamado Elimas, um profeta, mais provavelmente um encantador, que é pago para prever o futuro. Ele resiste à pregação dos apóstolos e tenta apartar o procônsul do cristianismo (Atos 13:8). Aqui é onde as nossas expectativas sobre a vida cheia do Espírito viram de cabeça para baixo:

Todavia Saulo, também chamado Paulo, cheio do Espírito Santo, fitando os olhos nele, disse: ó filho do diabo, cheio de todo o engano e de toda a malícia, inimigo de toda a justiça, não cessarás de perverter os caminhos retos do Senhor?” (Atos 13.9-10)

Isso não soa como o que chamaríamos de benigno, cortês ou gentil. Estas são palavras duras, palavras incisivas, palavras afiadas dirigidas a uma pessoa em particular. Neste caso, o fruto do Espírito é xingamentos, insultos e palavras ásperas. Neste caso, ousadia impulsionada pelo Espírito significa não usar meias palavras sobre a malignidade deste mágico.

Quando Insultos Inspirados pelo Espírito São Necessários

Por conectar estar cheio do Espírito com estas palavras incisivas, esta passagem é um desafio para nós. Em primeiro lugar, ela exige que reconheçamos que este tipo de discurso pode ser motivado e avivado pelo Espírito de Deus. Ela nos obriga a ampliar a nossa visão de uma vida cheia do Espírito. Não que a vida cheia do Espírito não inclua amor sincero, longanimidade, benignidade e mansidão. Mas, aparentemente, a vida cheia do Espírito também é compatível com esse tipo de discurso direto e incisivo. Fidelidade às Escrituras exige que tenhamos uma categoria para um insulto inspirado pelo Espírito.

Além do mais, para pastores e outros líderes cristãos, esta passagem nos desafia a discernir quando este tipo de discurso é apropriado (e até mesmo necessário). Estas palavras vêm de um apóstolo, um líder na igreja, portanto, não acho que todos os cristãos são necessariamente chamados a falar com palavras tão duras. Mas, como líderes, quando devemos falar desta maneira? Quando é que uma palavra afiada reflete a obra do Espírito, e quando é que ela reflete nossa própria ira e estupidez? Uma reflexão mais profunda sobre esta passagem pode nos ajudar a discernir o tipo de ocasião em que tal linguagem é apropriada.

Temos aqui um homem, Sérgio Paulo, que esta aberto e receptivo ao evangelho. Deus havia aberto o caminho; havia feito um “caminho reto” para Paulo apresentar o evangelho a ele. A seguir, encontramos um outro homem, Elimas, tentando entortar aquele caminho reto. Mudando a metáfora, ele está tentando erguer um muro entre Sérgio Paulo e o evangelho.

Portanto, quando alguém tenta erguer um muro entre as pessoas e o evangelho, palavras afiadas e reveladoras são apropriadas (talvez até mesmo necessárias) para derrubar o muro. Se Elimas não deseja ouvir o evangelho, isso é uma coisa. Mas quando ele impede ativamente outros de ouvir e responder ao evangelho, Paulo fala a verdade. Ele chama os bois pelos nomes. “Você aí, erguendo o muro, destruindo o caminho. Você é um filho do diabo. Inimigo de toda a justiça. Você é um mentiroso e um vilão.”

Vendo o Mesmo em Jesus

Vemos esse mesmo padrão no ministério de Jesus. Ao lermos os Evangelhos, ouvimos suas palavras duras para com os fariseus, os escribas e os saduceus. Ele não os tratou com luvas de pelica. Ele não foi gentil com eles. Ele lhes dá nomes: raça de víboras, filhos do inferno, guias cegos, sepulcros caiados. Em Mateus 23, ele pronuncia sete ais ou maldições sobre eles por causa de sua hostilidade para com o seu ministério. Ele explica por que a sua linguagem é tão dura:

Mas ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque fechais aos homens o reino dos céus; pois nem vós entrais, nem aos que entrariam permitis entrar. (Mt 23.13)

Tal como Elimas, os fariseus e os escribas estavam impedindo as pessoas de entrarem no reino. Impediam aos famintos serem alimentados pela Palavra de Deus. E assim Jesus não usa rodeios para com eles. Ele os confronta de frente.

Além disso, Mateus 23 nos ajuda a fazer uma distinção fundamental, que explica por que Jesus fala tão duramente com alguns pecadores e tão gentil e pacientemente com outros. Jesus e Paulo distinguem entre os apóstolos do mundo e os refugiados do mundo. São refugiados aqueles que pelo menos estão interessados em ouvir o evangelho. Podem não acreditar, mas estão curiosos. Podem reconhecer que há algo faltando em suas vida. Podem se sentirem culpados por causa de seus pecados e sua vergonha. Seja qual for a razão, eles poderiam estar interessados ​​em entrarem no reino. Mas o próximos versículo em Mateus 23 descreve os apóstolos do mundo:

Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o tornais duas vezes mais filho do inferno do que vós. (Mt 23.15)

Apóstolos do mundo estão em uma missão. Eles andam em derredor, buscando a quem possam tragar. Têm um falso evangelho e querem espalhá-lo e se opõem ativamente ao evangelho de Jesus. É por isso que ele fala de uma maneira com a mulher no poço, com as prostitutas e com os pecadores que vêm a ele em busca de refúgio, e de outra maneira com os líderes; sejam eles religiosos como os fariseus ou pagãos como Elimas; que procuram atrapalhar seu ministério.

As Demandas do Amor

É precisamente isto que vemos em Atos 13. Sérgio Paulo é um refugiado do mundo. Elimas é um apóstolo do mundo. Ele é um falso profeta com um falso evangelho. Quando um apóstolo do mundo tenta erguer um muro entre nós e os refugiados, o Espírito nos enche e o amor exige que falemos. Note bem que o amor exige. É por isso que as palavras de Paulo para o encantador não são contrárias ao amor, à benignidade e à longanimidade; elas são movidas pelo amor, pela benignidade e pela longanimidade. Amor por Cristo e benignidade para com o governador e longanimidade para com suas perguntas; estas são as coisas que evocaram palavras severas e duras de Paulo.

Devemos, portanto, trabalhar e orar para que Deus nos ajude a discernir entre apóstolos e refugiados, e para que tenhamos a sabedoria do Espírito para falarmos de forma adequada em todas as circunstâncias. Esse fardo recai especialmente sobre os líderes cristãos.

Mas esta passagem não apenas desafia os pastores e líderes. Mesmo que cristãos leigos nunca sejam chamados para falar tal como Paulo fala aqui, são chamados a dizer “Amém” quando seus líderes assim o fazem. Isto significa que todos os cristãos devem aprender a reconhecer apóstolos do mundo e falsos profetas. Quando líderes piedosos falam a verdade nua e crua, não podemos simplesmente desaprovar e dizer, “Calma. Não é o Espírito Santo um espírito de amor e benignidade? Não fale tão duramente.”

Em vez disso, devemos ter uma categoria em nossa mente para palavras mordazes cheias do Espírito e movidas pelo Espírito, para que também possamos dizer “Amém”.

Traduzido por Claudio L. Chagas.

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