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Robert Bowers ainda estava gritando que queria matar judeus, quando entrou no Hospital Geral de Allegheny com vários ferimentos a bala. Isto ocorreu após haver atirado e matado 11 pessoas na sinagoga Tree of Life [Árvore da Vida], em Pittsburgh.

“Ele foi levado ao meu hospital e estava gritando: ‘Quero matar todos os judeus’, e as primeiras pessoas que cuidaram dele são judias”, disse Jeffery Cohen, presidente do Hospital Geral de Allegheny, à rede de notícias Action News 4. “Bem, isto não incentivador.”

Um desses primeiros socorristas judeus foi Ari Mahler, um enfermeiro traumatologista que é filho de um rabino. Ele narrou seu encontro com Bowers em um post recente no Facebook:

“Eu cuido com gentileza, minhas ações são medidas com empatia, e independentemente da pessoa que você possa ser, quando está sob meus cuidados, quando está deitado na minha maca, cada respiração sua é mais bonita do que a última. Tratava-se do mesmo Robert Bowers que havia acabado de cometer homicídio em massa. O mesmo Robert Bowers que havia colocado meu coração em pânico, preocupado se meus pais teriam sido duas de suas 11 vítimas, menos de uma hora antes de sua chegada”.

Embora os tiroteios em massa sejam frequentemente apresentados como um fenômeno recente, o pessoal médico já cuida de criminosos — e, é claro, de suas vítimas — há muitos anos. Em 1996, por exemplo, Martin Bryant abriu fogo na Austrália, matando 35 pessoas e ferindo outras 21 pessoas. O Royal Hobart Hospital era a única instalação equipada para traumas na área e, portanto, coube à equipe médica cuidar de Bryant e dos outros 21 feridos no confronto. Visto que o Hospital Royal Hobart também servia como necrotério da cidade, recebeu todas as 35 pessoas que haviam morrido. É impossível contar o peso que a equipe do hospital deve ter sentido — serem confrontados com a polícia, com a mídia e com muitas famílias enlutadas enquanto ao mesmo tempo se esforçavam para cuidar dos sobreviventes.

“Pense em Bryant como uma aberração”, aconselhou o psiquiatra forense Ian Sale, que entrevistou Bryant. “Pense nele como um desastre natural.” Isto tornou mais fácil nos distanciarmos daquele mal — e a crer que um evento semelhante não aconteceria novamente.

Até que aconteceu. Em 1996 nossa teologia poderia ter-nos dito que Bryant não era uma aberração, mas sim um portador da Imago Dei (Imagem de Deus). Um portador da Imago Dei horrivelmente deformada, mas, mesmo assim, um portador da Imago Dei. Este sóbrio lembrete deveria ser o ponto de partida de todos os nossos encontros com qualquer pessoa, independentemente de quão desumano seja seu comportamento.

Muitos de nós podemos falar apaixonadamente sobre dar a vida pelos outros, até nos depararmos com os detalhes específicos. Certamente não fomos chamados para cuidar deles.

A recente decisão de Mahler de aceitar esta incumbência não foi a coisa mais notável em sua resposta. O mais notável foi o grau em que ele respondeu. Ele escreveu:

“Tenho certeza de que ele não fazia ideia de que eu era judeu. Por que agradecer a um enfermeiro judeu, quando 15 minutos antes, estaria disposto a atirar na minha cabeça sem nenhum remorso? Não disse nenhuma palavra a ele sobre minha religião. Durante todo tempo escolhi não dizer nada a ele. Eu queria que ele sentisse a compaixão. Escolhi mostrar-lhe empatia. [ênfase minha]”.

Tal graça não é meramente surpreendente, francamente é exasperante. Temos realmente obrigação de cuidar — sem falar em nos importar profundamente — com os Martin Bryants e Robert Bowers da vida? Afinal, é bem provável que Mahler tivesse muitas opções respeitáveis para não participar. Ele poderia ter solicitado a um enfermeiro não judeu para cuidar daquele paciente, e ninguém teria pensado menos dele. Alguns chamariam isto de “ser profissional”.

Embora haja dezenas de citações na literatura médica orientando médicos e enfermeiros a “suspender o julgamento moral” ao cuidar de pacientes ingratos e hostis, poucas oferecem instruções práticas. Há ainda menos conselhos sobre como salvar a vida de uma pessoa que você, sem nenhuma dúvida, sabe que te mataria se tivesse a oportunidade. Óbvio que Deus não esperaria isso de nós. Seriam os Mahlers deste mundo superdotados no departamento de boas obras?

No evangelho de Lucas, capítulo 10, quando um Mestre da Lei perguntou a Jesus algo semelhante — “Quem é o meu próximo?” — Jesus deu uma resposta detalhada. Com precisão cirúrgica, Jesus conta de um judeu em grande necessidade que recebeu cuidados de seu inimigo, um samaritano. Quando li esta história pela primeira vez para minha filha Anna, de 9 anos de idade, ela não captou a ironia sobre um samaritano ajudar um judeu, já que ela não estava a par do contexto histórico. Em vez disso, ela fez uma pergunta ponderada: “Para onde o samaritano estava indo?”

O bom samaritano suspendeu qualquer tarefa na qual estivesse envolvido para intervir a favor de um inimigo jurado, religiosa e culturalmente. Não foi colocar um mero band-aid. Foi nada menos do que, como os enfermeiros chamam hoje, uma abordagem holística, centrada no paciente.

Quem é meu próximo? Seja honesto. Você não se identifica com este mestre da Lei, ainda que saibamos que ele buscava se justificar? Senhor, quanta compaixão você espera que eu tenha? Meu tempo, dinheiro e energia são limitados. Sem dúvida há outros mais adequados para ajudar. Onde está a família desta pessoa? Não há algo na Bíblia sobre a família ajudar primeiro?

Contudo Jesus responde ao mestre da Lei com uma pergunta melhor — como posso ser um próximo solícito? O “quem” torna-se evidente. Ame as pessoas que você encontra no seu dia-a-dia. Para alguns, pode ser um Bryant ou um Bowers. Para outros, pode ser um parente com quem você se senta no jantar no dia de Ação de Graças.

Relendo Lucas 10 agora, identifico-me mais com o mestre da Lei do que com o samaritano. Sou suscitada a orar: “Senhor, livra-me da auto-justificação. Conceda-me a graça para amar meus inimigos de maneiras dispendiosas, demoradas e inconvenientes. Não deixe que eu veja as oportunidades que o Senhor dá, calcule a despesa baseada em meus próprios recursos escassos, e simplesmente vá embora com a falsa confiança de que este não é o meu chamado. ”

Quando Deus nos dá mais do que podemos suportar, quando Ele nos pede mais do que cremos que podemos dar — e Ele o fará — tais momentos não nos devem levar às justificativas, mas sim ao próprio Jesus.

Traduzido por Mauro Abner

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