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Muitos cristãos contemporâneos se sentem desconectados dos ministérios vibrantes e cheios do Espírito dos profetas e apóstolos, descritos na Bíblia. No Antigo Testamento, aparentemente Deus dirigia o povo de Israel numa sucessão de eventos milagrosos, um após do outro. No Novo Testamento, aqueles que presenciavam o ministério de Jesus ficaram atônitos pelos milagres que ele realizou (Lucas 5.25), e os apóstolos na igreja primitiva regularmente faziam sinais e maravilhas entre o povo (Atos 5.12).

Hoje, no entanto, tais eventos milagrosos parecem raros e, quando ouvimos relatos de milagres, muitos cristãos demonstram ceticismo. No mínimo, sentimos que existe algo diferente sobre o modo como Deus operava nos períodos do Antigo e Novo Testamento e o modo como ele opera hoje. Isso levanta uma questão válida: por que não vivenciamos hoje os milagres sobre os quais lemos no Novo Testamento?

Para responder a esta pergunta, necessitamos entender não só como Deus opera através da providência e da graça comum, mas devemos também entender o propósito dos milagres na Bíblia.

Propósito dos Milagres nas Escrituras

Os milagres nas Escrituras são atos de Deus que proclamam Seu poder soberano sobre a criação, assim como seu compromisso com o bem do seu povo. Frequentemente, os milagres têm significado porque servem a um propósito maior no plano redentor de Deus, testemunhando a autenticidade dos mensageiros de Deus que trazem Sua revelação para a humanidade. Esta é uma das principais funções dos milagres nas narrativas bíblicas: “Quando os milagres ocorrem, eles dão provas de que Deus está realmente operando e, assim, servem para promover o evangelho”[1]. Os milagres validam a mensagem de Deus e a seus mensageiros.

No Antigo Testamento, Moisés fez milagres para demonstrar sua autoridade como porta-voz de Deus (Êx 4.1–9). Da mesma forma, os profetas receberam de Deus palavras para proclamar, e para validar sua autoridade, Deus lhes concedeu a capacidade de realizar milagres (I Reis 17.17-24, 18.36-39, II Reis 1.10).

Robert Reymond observou que considerando que “os milagres da era do Antigo Testamento validaram a Moisés e aos profetas como homens de Deus, os milagres da era do Novo Testamento por sua vez, validaram a Cristo e aos seus apóstolos”[2]. Nicodemos, por exemplo, reconheceu que Deus estava com Jesus por causa dos milagres que ele fazia (João 3.2). Lucas registra aproximadamente 20 dos milagres de Jesus, e quatro destes (todos curas), estão exclusivamente em Lucas. Os milagres de Jesus validam seu papel de autoridade no plano divino que traz salvação (Lucas 7.22). Na verdade, a amplitude das curas de Jesus mostra a extensão da sua autoridade. Ele curou os doentes, expulsou espíritos malignos e curou uma variedade de condições específicas: um fluxo de sangue, uma mão ressequida, cegueira, surdez, paralisia, epilepsia, lepra, hidropisia e febre. Ele ressuscitou mortos e exerceu poder sobre a natureza.

Os milagres também apontam para o reino de Deus e para a restauração da criação. João chama os milagres de Jesus de “sinais” (João 4.54, 6.14), e Jesus sugere que suas obras milagrosas atestam que o reino de Deus é chegado (Lucas 11.14-23). Jesus realizou curas, exorcismos e milagres sobre a “natureza” (tal como transformar água em vinho e multiplicar os pāes) como sinal de que o reino de Deus havia chegado à terra. Como afirma Wayne Grudem, um dos propósitos dos milagres era “testemunhar o fato de que o reino de Deus havia chegado e começado a expandir seus resultados benéficos na vida das pessoas”[3]. Este é o ponto daquilo que Jesus disse em Mateus 12.28: “Se, porém, eu expulso demônios pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o reino de Deus sobre vós”. Por causa das obras milagrosas de Jesus, aqueles que o viam sabiam que o Deus de Israel estava agindo mais uma vez em meio a eles.

Tim Keller escreveu que milagres levam não apenas a uma crença cognitiva, mas à adoração, à reverência e à admiração. Os milagres de Jesus especificamente, nunca foram truques de mágica, projetados apenas para impressionar e coagir… Ao contrário, ele utilizou poder milagroso para curar os doentes, alimentar os famintos e ressuscitar os mortos. Por quê? Nós, como pessoas modernas, pensamos em milagres como a suspensão da ordem natural, mas para Jesus eles eram a restauração da ordem natural[4].

Os milagres de Jesus revelam Sua identidade divina, uma identidade que requer adoração. Esta foi a resposta dos discípulos depois que Jesus caminhou sobre as águas: “Verdadeiramente és Filho de Deus!” (Mt 14.33). Quando perguntaram se ele era o “que estava para vir” (Lucas 7.19) Jesus, em vez de responder com uma palavra que testificasse que ele era o Messias, aponta para seus milagres. O retrato que Lucas faz de Jesus está focado em Sua autoridade e na promessa que ele traz. A obra salvadora de Jesus inaugura o reino de Deus, salva pecadores, assegura o perdão do pecado, e dá o Espírito.

Vale a pena citar extensamente a descrição de Grudem de milagres no Antigo e no Novo Testamento:

A ocorrência de milagres parece ser uma característica da igreja do Novo Testamento. No Antigo Testamento, os milagres pareciam ocorrer principalmente em conexão com um líder proeminente de cada vez, tal como Moisés, Elias ou Eliseu. No Novo Testamento, há um aumento súbito e sem precedentes no número de milagres, quando Jesus inicia Seu ministério (Lucas 4.36-37, 40-41). No entanto, ao contrário do padrão do Antigo Testamento, a autoridade para realizar milagres e expulsar demônios não se limitava ao próprio Jesus, e os milagres não desapareceram quando Jesus voltou para o céu. Mesmo durante Seu ministério, Jesus deu autoridade para curar os doentes e expulsar os demônios não apenas aos Doze, mas também a setenta de seus discípulos (Lucas 10.1, 9, 17-19; cf. Mt 10.8; Lucas 9.49–50).[5]

Portanto, os milagres da igreja primitiva, serviram um propósito relevante naquele momento da história redentora: verificar a autenticidade da revelação de Deus e comunicar a chegada da nova era escatológica entre o povo de Deus.

Consideremos o Conselho de Jerusalém em Atos 15. Uma das maiores disputas na igreja primitiva envolvia a questão de se os gentios convertidos ao cristianismo teriam que observar a lei do Antigo Testamento e serem circuncidados. Tornou-se uma questão de disputa tão grande que Paulo, Pedro e Barnabé se encontraram com os líderes dos cristãos judeus em Jerusalém para debater a questão. Vale ressaltar que, como afirma Atos 15.12, “toda a multidão silenciou, passando a ouvir a Barnabé e a Paulo, que contavam quantos sinais e prodígios Deus fizera por meio deles entre os gentios”. Nesta ocasião, as obras milagrosas de Deus serviram de evidência aos cristãos judeus de que Deus estava de fato operando de uma maneira nova e única também entre os gentios.

Milagres Hoje em Dia

Então, como devem os cristãos pensar sobre milagres hoje em dia? Primeiro, devemos perceber que o grande volume e a proximidade dos milagres na Bíblia tiveram propósitos significativos no plano redentor de Deus da época. No entanto, este ponto não significa que milagres tenham cessado de existir hoje em dia. Na verdade, como observa Grudem: “Não há nada impróprio em buscar milagres para os propósitos adequados dados por Deus: confirmar a veracidade da mensagem do evangelho, trazer ajuda aos necessitados, remover obstáculos aos ministérios das pessoas, e trazer glória a Deus”.[6] Os milagres ainda ocorrem, e os cristãos devem evitar os dois extremos de ver tudo como milagre e não ver nada como milagre.

Em segundo lugar, os cristãos necessitam ampliar seu entendimento da ação de Deus para incluir tanto o seu sustento providencial nos assuntos diários, como suas obras milagrosas de redenção na igreja. Por exemplo, em João 14.12, Jesus disse: “Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço e outras maiores fará, porque eu vou para junto do Pai”. Mas não está claro de imediato o que Jesus quis dizer quando disse que aqueles que virão após ele farão “obras maiores”. Alguns podem pensar que estas “obras maiores” se referem a mais milagres e outros eventos semelhantes. No entanto, o insight de D. A. Carson aqui é útil:

Obras maiores… não pode significar simplesmente mais obras, ou seja, a igreja fará mais coisas do que Jesus fez, já que envolve tantas pessoas durante um período de tempo tão longo; já que existem formas no grego perfeitamente satisfatórias de se dizer “mais” e, de qualquer forma, o significado seria então insuportavelmente banal. “Obras maiores” tampouco podem significar obras “mais espetaculares” ou “mais sobrenaturais”: é difícil imaginar obras mais espetaculares ou sobrenaturais do que a ressurreição de Lázaro, a multiplicação dos pães e transformar a água em vinho.[7]

“Obras maiores” feitas por aqueles que vieram após Jesus, indicam principalmente a nova ordem escatológica estabelecida pela morte, ressurreição e ascensão de Cristo.

Os “sinais” e “obras” que Jesus realizou durante Seu ministério não conseguiram alcançar plenamente seu verdadeiro objetivo até Jesus ressuscitar dentre os mortos e ser exaltado. Só depois disto puderam ser vistos pelo que eram. Em contrapartida, as obras que são dadas para os crentes fazerem através do poder do Espírito escatológico, após a glorificação de Jesus, serão definidas na estrutura da morte e do triunfo de Jesus, e, portanto, revelarão o Filho de imediato e verdadeiramente.[8]

E, embora tais obras certamente incluíssem os sinais e maravilhas feitos pela igreja primitiva no poder do Espírito, elas não se limitaram a estas ações milagrosas. Ao contrário, elas também incluíram o “mistério” dos gentios sendo inseridos no novo povo de Deus. As obras milagrosas de Deus na igreja incluem o perdão dos pecados e a inclusão no novo povo de Deus, daqueles que antes estavam longe. As curas, os sinais e as maravilhas são extraordinários, sim, mas não mais extraordinários do que a redenção realizada por Cristo.

Mesmo que não testemunhemos eventos milagrosos extraordinários frequentemente, Deus está agindo. Ele está agindo nos processos normais (naturais) que vemos todos os dias. Ele está milagrosamente chamando pessoas para si mesmo à medida que Sua igreja cresce e se expande. Ele está agindo de maneiras milagrosas entre pessoas que não conhecemos em todo o mundo.

Caso tenhamos ou não o privilégio de testemunhar eventos claramente milagrosos e sobrenaturais, nós cristãos podemos ter certeza de que Deus está operando ativamente, atraindo pessoas para si, trazendo glória a Jesus e edificando sua igreja (Mt 16:.8).

[1] Grudem, Systematic Theology [Teologia sistemática], 360.

[2] Robert L. Reymond, A New Systematic Theology of the Christian Faith [Uma nova teologia sistemática da fé cristã], 2nd ed. (Nashville, TN: Thomas Nelson, 1998), 412.

[1] Grudem, Systematic Theology [Teologia sistemática], 360.

[4] Timothy Keller, A Fé na Era do Ceticismo.

[1] Grudem, Systematic Theology [Teologia sistemática], 359.

[7] DA Carson, O Comentário de João (Shedd Publicações, 2007).

Traduzido por Mariana Alves Passos.

 

 

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