×
Procurar

Você já pensou sobre o ministério de ouvir?

A própria palavra “ministério” evoca imagens de pregação, ensino, escrita, fala e aconselhamento. Mas ministrar a alguém é simplesmente servi-lo e amá-lo. E um modo discreto, negligenciado, pouco falado de nós servirmos e amarmos os outros é ouvi-los.

Com “ouvir”, não quero dizer simplesmente não falar. Podemos evitar falar por vários motivos, até mesmo por raiva ou por nos retrairmos. Com “ouvir” quero dizer algo proativo, não passivo. A escuta verdadeira absorve. Ela não se recosta; ela se inclina em direção a quem fala. A escuta real é um engajamento mental tanto quanto o falar.

Considere as poucas vezes em sua vida quando você realmente se sentiu ouvido. Você não se sentiu amado? Você não saiu dessa conversa mais dinâmico, mais vivo, mais humano?

Ouvir alguém, realmente ouvir, é sair da prisão da auto-referencialidade, onde todos nós tendemos a viver. É sair de nós mesmos, deixando o “eu” para trás. É ouvir o que o outro diz e resistir à vontade instintiva de enquadrá-lo em nossas próprias experiências e interpretar a situação de acordo com elas. É muito mais do que um fenômeno auditivo; é transferir o foco de nós próprios para o outro, entrar em sua realidade, vivenciar sua vida junto com ele. É, fundamentalmente, amar.

Mas o problema com o “ouvir” vem de longa data.

Surdez Espiritual

A humanidade mergulhou na decadência e ruína porque nós não ouvimos bem. Ouvimos a serpente ao invés dAquele que nos criou para a comunhão consigo mesmo. Desde então, temos mostrado uma tendência crônica e perversa de tapar nossos ouvidos para o Senhor, preferindo dar ouvidos à loucura. Na realidade, em todo o Antigo Testamento, a frase hebraica usada normalmente para “obedecer” é “ouvir a voz de”, e “desobedecer” é “não ouvir a voz de”.

Na sequência do Éden, Moisés conclamou o povo a ouvir a Deus (Êxodo 15.26), tal como fez Josué (Josué 3.9), e como fizeram os juízes (Juízes 2.17). Não só o povo, mas os reis não ouviram ao Senhor (1 Reis 12.15; 2 Crônicas 10.15). Finalmente, o povo foi enviado para o exílio por não ouvir (2 Reis 17.14; 18.12).

Através dos últimos profetas, Deus conclamou seu povo para ouvi-lo de novo. Agora, no entanto, surge uma nova variante na chamada para escutarem a Deus; seu povo não irá ouvir apenas seus estatutos e regras, mas também sua insistência em ser misericordioso com o seu povo rebelde (Isaías 40.28-29;51.1-11; Jeremias 31.10-14). Mas o coração humano em seu estado natural nem isso quer ouvir. Nós naturalmente nos desviamos. Tapamos nossos ouvidos para o céu e para a alegria (Zacarias 7.11-12). O tolo em Provérbios é, basicamente, aquele que não ouve (Provérbios 12.15).

O Evangelho Que Abre Os Ouvidos

Então, o que Deus fez?

Ele não se retraiu. Ele se inclinou a nós. Ao invés de cruzar os braços e se ausentar (o que seria uma resposta perfeitamente justa à nossa bizarra obstinação), ele saiu de si mesmo para ouvir e se engajar no que estava mais errado conosco. Ele deixou de lado a preocupação consigo mesmo e adentrou nossa realidade.

O que é o evangelho? É a boa notícia de que o próprio Cristo nos amou o suficiente para deixar o paraíso e suportar o maior fardo de todos, o fardo da punição fatal do pecado.

O evangelho é uma mensagem que diz que estávamos errados. Nós, pecadores, necessitamos ouvir alguém fora de nós que diagnostique nossa doença. Um cristão é alguém cuja existência completa foi transformada através do reconhecimento de que estávamos errados o tempo todo; de que necessitávamos ouvir a outro.

Este evangelho tanto cria palavras quanto aquieta nossas palavras. Por um lado, palavras são criadas; por sermos tão profundamente amados, encontramos um novo impulso para falar aos outros deste amor. Mas, por outro lado, as palavras são aquietadas. Já não passamos pela vida tão consumidos por nós mesmos que não sejamos capazes de sair de nós mesmos e ouvir o outro. Amados por um Cristo que deixou o seu Eu para trás (Filipenses 2.7), nossos corações descansam em amar os outros, deixando o nosso eu para trás.

O evangelho abre nossas bocas. Mas o evangelho também fecha nossas bocas e abre nossos ouvidos. Por sermos amados, nós escutamos.

Comece a Ouvir Hoje

Dezenas de vezes hoje, alguém começará a falar com você.

Uma criança, querendo algo para comer. Um colega de trabalho, entrando em contato para a próxima reunião. Um chefe, oferecendo uma palavra de correção. Um amigo, retornando uma ligação. Um pai, combatendo a solidão. Um pastor, abrindo as Escrituras. Um vizinho, dizendo oi enquanto caminha com o cachorro. Um cônjuge, refletindo sobre o dia. Um confidente, precisando de conselhos. Um parente, nos aborrecendo com os detalhes da vida.

Em cada caso, podemos nos desviar ou nos envolver. A exortação para ser “pronto para ouvir” e “tardio para falar” (Tiago 1.19) não é apenas uma dica útil para a vida. É aonde o evangelho nos leva. Por que não sermos ouvintes ao longo da vida, prontos para ouvir?

Isso não significa que nunca dispensaremos uma conversa para atender a questões mais importantes. Às vezes, a coisa mais amorosa a se fazer é parar de ouvir, tal quando se trata de fofocas ou de um vendedor que bateu à sua porta durante o jantar. Significa, em vez disso, que cada vez mais o padrão natural de um coração moldado pelo evangelho é entrar nas palavras de outras pessoas, em vez de mantê-las à distância.

Isso significa que vamos começar mais frases com “Eu entendo seu ponto” em vez de “Mas…”. Mais respostas como “Isso deve ser difícil” em vez de “Algo parecido aconteceu comigo…” Muitas vezes, isto significa sentar e ficar junto em silêncio, em vez de gerar palavras apenas para afastar a estranheza do silêncio.

Não só no diálogo privado, mas também no discurso público, os cristãos devem ser conhecidos entre as pessoas por sua disposição para ouvir. Se o amor é a marca definidora dos cristãos, não deveria o “ouvir” ser uma marca fundamental da interação com os outros, seja no diálogo político, na discussão racial, nos assuntos econômicos, na apologética?

Nós pecamos. Mas Deus não nos cala com gritos. Ele ouve gentilmente a nossa necessidade mais profunda e nos encontra lá, na cruz.

O chamado central da vida cristã é amar. Uma maneira negligenciada de amar é ouvir. A graça de Deus em Jesus Cristo nos leva até lá.

Traduzido por Ana Heloysa Araújo.

 

CARREGAR MAIS
Loading