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Muitos dizem que os cristãos que mantêm as doutrinas históricas e tradicionais são desatualizados, exclusivistas demais e estão “do lado errado da história”.

Dois livros recentes lançam dúvidas sobre este ponto de vista. São do historiador e estudioso bíblico Larry Hurtado: “Destroyer of the Gods: Early Christian Distinctiveness in the Roman World” [Destruidores dos Deuses: As Peculiaridades Cristãs no Mundo Romano] e “Why on Earth Did Anyone Become a Christian in the First Three Centuries?” [Por Que Cargas D’água Alguém se Tornou Cristão nos Três Primeiros Séculos?].

Os primeiros cristãos eram amplamente ridicularizados, especialmente por parte das elites culturais, eram excluídos dos círculos de influência e de negócios, e muitas vezes foram perseguidos e condenados à morte. Hurtado diz que as autoridades romanas eram excepcionalmente hostis a eles, em comparação a outros grupos religiosos.

Por que? A expectativa era de que as pessoas tivessem seus próprios deuses, mas que também estivessem dispostos a honrar a todos os outros deuses. Quase todos os lares, cidades, associações de classe, incluindo até mesmo o império, tinham seus deuses próprios. Não era possível ir a uma refeição numa grande casa ou a um evento público, sem a expectativa de se honrar os deuses daquele grupo ou local específico. Não fazê-lo era altamente ofensivo, pelo menos à casa ou à comunidade. Era também perigoso, porque acreditava-se que tal comportamento poderia provocar a ira dos deuses. Na verdade, visto que a legitimidade do império era baseada em sua autoridade divina, não honrar os deuses do império era visto como traição.

Os cristãos, porém, consideravam estes rituais e homenagens como idolatria. Estavam comprometidos a adorar exclusivamente a seu Deus. Embora os judeus tivessem o mesmo ponto de vista, eles normalmente eram tolerados, já que eram um grupo racial específico, e sua peculiaridade era vista como parte de sua etnia. No entanto, o cristianismo se espalhou por todos os grupos étnicos, e a maioria dos crentes eram antigos pagãos que, uma vez convertidos, recusavam-se a honrar outros deuses. Tal recusa criava enormes problemas sociais, tornando-se perturbador e impossível para os cristãos serem acolhidos na maioria das reuniões públicas. Se alguém da família ou um servo se tornava cristão, ele subitamente recusava-se a honrar os deuses de seu lar.

A propagação do cristianismo era vista como subversiva à ordem social, como uma ameaça à forma de vida da cultura. Os seguidores de Jesus eram considerados exclusivistas demais para serem bons cidadãos.

Três Razões Pelas Quais o Cristianismo Teve Crescimento Explosivo

À luz dos enormes custos sociais de ser um cristão nos três primeiros séculos, por que alguém se tornaria cristão? Por que o cristianismo cresceu tão exponencialmente? O que o cristianismo oferecia que era tão maior do que os custos?

Hurtado e outros apontaram para três coisas:

1. Os cristãos haviam sido chamados para um ‘projeto social’ singular, que tanto ofendia como atraía as pessoas.

Os cristãos proibiam tanto o aborto como a prática da “exposição de recém-nascidos”, em que bebês indesejados eram simplesmente jogados fora. Os cristãos eram também uma contracultura sexual, na medida em que se abstinham de qualquer atividade sexual fora do casamento heterossexual. Isto em meio a uma sociedade que achava que, particularmente para os homens casados, o sexo com prostitutas, escravos e crianças era perfeitamente normal.

No entanto, os cristãos eram também extraordinariamente generosos com seu dinheiro, especialmente com os pobres e necessitados, e não apenas com seus próprios grupos familiares e raciais. Outra diferença marcante era que as comunidades cristãs eram multi-étnicas, já que sua identidade comum em Cristo era mais fundamental do que suas identidades raciais e, portanto, criaram uma diversidade multi-étnica, que era sem precedentes em qualquer religião. Por fim, os cristãos acreditavam em não se vingar, em perdoar seus inimigos, mesmo aqueles que os estavam matando.

2. O cristianismo oferecia uma relação direta, pessoal e de amor com o Deus Criador.

As pessoas à volta dos cristãos queriam favores dos deuses, e religiões orientais falavam sobre experiências de iluminação, mas uma relação de amor real com Deus era algo que ninguém mais estava oferecendo.

3. O cristianismo oferecia a certeza da vida eterna.

Todas as outras religiões ofereciam alguma versão da salvação através do esforço humano e, portanto, ninguém poderia ter certeza da vida eterna, até a morte. Mas o evangelho nos dá sustentação para a plena certeza da salvação no presente, visto que esta é pela graça, não por obras, e pela obra de Cristo, não pela nossa.

A Igreja Primitiva e a Atualidade

Espero que com isto você já tenha entendido a importância destes estudos. A igreja primitiva era vista como exclusivista demais e como uma ameaça à ordem social, por não honrar a todas as divindades; hoje em dia, os cristãos estão novamente a serem vistos como exclusivistas e como uma ameaça à ordem social, por não honrarem a todas as identidades.

No entanto, a igreja primitiva prosperou extremamente naquela situação. Por que?

Uma das razões foi que os cristãos eram ridicularizados como exclusivistas e diferentes. No entanto, muitos foram atraídos ao cristianismo por este ser diferente. Se uma religião não é diferente da cultura ao seu redor, se não a critica e não oferece uma alternativa, ela morrerá por ser vista como desnecessária. Fossem os cristãos hoje também reconhecidos e marcados pela castidade, pela generosidade e justiça, pela multi-etnia e como pacificadores, não seria isto atraente a muitos? Ironicamente, os cristãos foram considerados “fora de sintonia” com a cultura em relação ao sexo, e não foi a igreja, mas a cultura que, eventualmente, mudou.

Outra razão pela qual o cristianismo prosperou é porque oferecia coisas que nenhuma outra cultura ou religião alegava ter: Uma relação de amor com Deus e a salvação pela graça. Hoje, a situação é a mesma. Nenhuma outra religião oferece estas coisas, e o secularismo também não. A opção “espiritual mas não religioso” também não pode alcançar isso realmente. Estas “ofertas de valor” ainda são únicas, e podem ser proclamadas a uma população com fome e sede espirituais.

A igreja primitiva certamente parecia estar do “lado errado da história”, mas ao invés disso, ela mudou a história através do compromisso perseverante com o evangelho bíblico. Esta também deve ser a nossa aspiração.

Nota do Editor: Este artigo foi publicado originalmente no boletim da Igreja Redeemer, em novembro de 2016 . 

Traduzido por Carlos Dourado.

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