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O Que Nietzsche Quis Dizer Quando Afirmou “Deus Está Morto”

Há não muito tempo atrás, os ateus se sentiam aturdidos de pena. Ao mesmo tempo em que negavam a existência de Deus, reconheciam que um mundo com Deus seria melhor que um mundo sem Deus. Ainda assim, eles consideravam convincentes vários argumentos e evidências contra a existência de Deus, tal como o problema do mal e a aparente capacidade das ciências naturais para explicarem o universo. Como Deus passou a ser considerado irrelevante para o cosmos, muitos tiveram dificuldade para conciliar sua existência com a presença do mal e do sofrimento. Mas para a maioria dos ateus, isso era lamentável. Conforme eles mesmos relataram, haviam se tornado incrédulos com relutância.

Não é o que acontece porém, com os chamados “Novos Ateus”, homens como Richard Dawkins, Daniel Dennett, Sam Harris e Christopher Hitchens. Estes corajosos pensadores veem a alegada inexistência de Deus não como um motivo para lamentar, mas como uma razão para se alegrarem. Ainda assim, seu entusiasmo e os ataques virulentos que fazem à crença religiosa, encontram precedentes no passado, particularmente nos escritos do filósofo do século XIX, Friedrich Nietzsche.

Ponto de Partida, Não de Chegada

Apesar da atração abrangente do movimento, as características mais interessantes do Novo Ateísmo, seu fervor evangelístico e sua retórica militante, não se originam com Dawkins, Harris e Hitchens. Na verdade, a única coisa sem precedentes em seus escritos é a fraqueza de seus argumentos. Como leitores cuidadosos poderão discernir, os argumentos e a evidência apresentados em “Deus, um Delírio” de Dawkins, “Deus Não É Grande” de Hitchens, ou “Carta a uma Nação Cristã”, de Harris não são coerentes ou convincentes, Pelo contrário, seus argumentos são surpreendentemente fracos. Se estivermos procurando razões para levar a sério os pontos de vista dos novos ateus, veremos que seus escritos deixam a desejar.

Agora, isso não quer dizer que Nietzsche ofereça argumentos melhores para sua incredulidade; ele não fez isto. Ao contrário de Dawkins e companhia, ele não vê necessidade de fazer isto. Nietzsche vê o ateísmo não como uma conclusão a ser demonstrada, mas como um axioma do qual se tirar partido. Em outras palavras, ele não argumenta a favor do ateísmo, mas a partir dele; a incredulidade é o seu ponto de partida, não seu destino. Por exemplo, quando ele faz a célebre proclamação da morte de Deus, ele não a faz porque tenha demonstrado (ou mesmo tentado demonstrar) que Deus não existe. Ao invés disto, ele considera este ponto como favas contadas, visto que, em sua opinião, homens sofisticados do final do século XIX, tal como ele, não podem mais levar a crença em Deus a sério. Ele afirma que tal crença “tornou-se inacreditável”.

O Saber Alegre

Nietzsche fez essa afirmação em A Gaia Ciência (The Gay Science), cujo título merece atenção. Aqui, o termo inglês “gay” não tem o sentido que adquiriu nos últimos 50 anos, mas sim a noção tradicional de “alegre”. Além disto, o termo “ciência” deriva-se de scientia, um termo latino para “saber”. Portanto, Gaia Ciência se refere ao “saber alegre”, um tipo de saber que traz alegria ao conhecedor. Do ponto de vista de Nietzsche, o saber alegre é o conhecimento de que Deus morreu.

Ao proclamar a morte de Deus, Nietzsche não quer ser interpretado literalmente. Na sua opinião, em primeiro lugar Deus nunca existiu, então falar de sua “morte” tem mais a ver com a humanidade do que com a divindade. Nietzsche conclui que nós humanos descobrimos que a existência de Deus é indefensável e indesejável. Portanto, ao invés de provar a indefensibilidade da crença em Deus, ele a afirma e passa a explicar a sua indesejabilidade.

E por que a crença em Deus é indesejável? Porque a morte de Deus nos liberta para que nós mesmos nos tornemos deuses.

Deus Não Morre Só

Para colocar a questão claramente, não é só Deus que morre. Quando ele morre, morrem também o sentido da vida, a moral e a razão.

Primeiro, se Deus não existe, a vida não tem sentido. Onde não há autor, a história não faz sentido; na verdade, onde não há autor, não pode haver uma história. Mais que isto, se Deus não existe, a moral torna-se ilusória, e julgamentos morais se tornam mera interpretação, tornando-se nada mais nada menos do que preferências pessoais.

Em segundo lugar, Nietzsche ilustra a natureza fictícia da moral, quando nos pede para considerarmos as aves de rapina e as ovelhas, que são suas presas. Quando as aves se alimentam das ovelhas, o que elas fazem não é moralmente mau nem bom. As aves simplesmente agem de acordo com sua natureza; a moral é irrelevante.

Portanto, embora a “condenação” das aves por parte das ovelhas não surpreenda ninguém (exceto, talvez, as aves), este juízo não corresponde a algum fato moral, mas sim à compreensível preferência das ovelhas de não se tornarem comida de aves. Claro que as aves, como observa Nietzsche, veem a situação de forma diferente. Mas, em nenhum dos casos as categorias morais se aplicam, e como isto é verdade tanto para as aves como para as ovelhas, também o é para nós. Julgamentos morais expressam nossas preferências pessoais; não se referem a realidades objetivas.

Finalmente, a morte de Deus revela a impotência da razão. Com relação às origens do homem, processos evolucionários não guiados, são a única opção para os ateus. Visto que a evolução seleciona para a sobrevivência, as faculdades intelectuais que surgem destes processos estariam bem adaptadas para a sobrevivência. Mas, como Nietzsche argumenta, não há conexão necessária entre a sobrevivência e a verdade; ele ressalta que é possível que num universo puramente naturalista, o conhecimento da verdade poderia impedir e não ajudar a sobrevivência. Então, de acordo com ele, o ateu não tem motivos para confiar em sua própria razão.

Libertos Para a Escravidão

Para Nietzsche, a morte de Deus implica o fim do sentido da vida, da moral e da razão, o que significa que ele vê as consequências de sua incredulidade mais claramente do que os outros ateus de sua época, tal como Karl Marx e Sigmund Freud. Surpreendentemente, no entanto, Nietzsche considera que estas consequências são mais libertadoras do que debilitantes. Nem Deus, nem o sentido da vida, nem a moralidade, nem a razão nos limitam, ele celebra. Somos livres para vivermos como quisermos, para fazer de nossas vidas o que desejarmos.

Somente nesta maneira radicalmente centrada no homem é que Nietzsche afirma a vida e, ao fazê-lo, ele satisfaz àqueles que “querem ouvir coisas agradáveis”. Mas certamente o caminho apontado por Nietzsche não leva à benção, ao conforto e à vida, mas à mágoa, à dor e à morte. Que Deus possa dar aos nossos amigos e vizinhos olhos para ver esta verdade.

Traduzido por Ana Heloysa.

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