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Como se designa uma mãe ou um pai que agora não tem mais filhos? Há palavras que usamos, como “viúva” e “órfão”, para descrever outras pessoas que perderam um membro da família. Mas a perda de um filho é tão incomum e inesperada que não há uma palavra em inglês [e nem em português] para descrever tal ato. Um casal que conheço perdeu a filha na Páscoa. Em meio à celebração da nova vida e ressurreição que ocorria, eles lamentavam sua perda sem nomenclatura.

Sua filhinha, Ella, era uma querida paciente minha, a quem tratei desde o nascimento, quase um ano e meio antes. Eu a vi rolar pela primeira vez; testemunhei quando ela alcançou seu brinquedo favorito, uma Oball rosa; fiz parte do público quando ela enviou um beijo pela primeira vez; comemorei seu progresso. Na verdade, disputava com os outros terapeutas pois sempre queria tratá-la a cada vez que era internada. Mas ela tinha uma situação médica complexa; portanto, quando contraiu uma infecção, isto subjugou seu corpo delicado, apesar de sua luta corajosa.

Eu a amava.

Eu chorei. Ainda estou me lamentando, meses depois.

Arriscando uma Conexão Profunda

Sou uma terapeuta ocupacional pediátrica. Trabalho em um hospital local, ajudando os pequenos pacientes a crescerem, se desenvolverem, brincarem e ficarem curados. Massageio músculos tensos, mobilizo o inchaço, melhoro a resistência e promovo a força. Tenho o privilégio de trabalhar com bebês e pais incríveis em situações delicadas, nas quais a quantidade de dias não é garantida.

Como posso trabalhar nesta ocupação cercada de doentes pequeninos? Como posso executar a terapia ocupacional no ambiente hospitalar, sabendo que alguns dos meus pacientes não verão a idade adulta, ou mesmo seu primeiro aniversário? Eu trabalho pela fé. Sei que não importa quão longa seja a vida, ela é cheia de significado.

Há vários anos atrás, eu estava conversando com meus pais sobre a tristeza que vem com o meu trabalho. A resposta sábia do meu pai ficou comigo para sempre:

“Como seu pai, eu não gosto do seu trabalho. Eu odeio ver você na dor. Gostaria que você não estivesse cercada por tais perdas, e gostaria de protegê-la destes sentimentos. Mas como pai, quero você lá. Se fosse meu filho naquele hospital, quereria ter alguém que se importasse tanto quanto você. Portanto, quero que você saia do seu emprego, assim como que trabalhe lá para sempre.”

A luta entre a auto-proteção e a conexão profunda é acirrada. Em alguns dias, a auto-proteção vence. Observo sinais de destruição iminente em certos quartos: valores de laboratório indo na direção errada, coloração amarelada, bombas e máquinas, e não quero me apegar demais. Houve anos em que eu me afastava e não chegava perto demais, dizendo a mim mesma que necessitava me separar disso para continuar praticando. Mas, mais recentemente, a conexão profunda tem ganho meu coração e ações. Esta resposta não veio naturalmente. Tive que confrontar meu próprio lamento antes de aprender a encarar como uma honra o me sentar com as famílias em momentos terrivelmente delicados – para prover cura e esperança. E para me lamentar com eles.

Esperança e Amor em Meio à Dor

Ella era bem amada, uma pequena VIP em nosso hospital. Seu velório estava tão cheio que não havia lugar para estacionar. Eu estava mentalmente preparada para uma cerimônia triste, até que vi o pequeno caixão e vislumbrei os dedos rechonchudos de Ella segurando sua Oball rosa. Era o brinquedo com o qual brincamos tantas vezes nos 17 meses e três dias de sua vida significativa. Era o brinquedo que usávamos para praticar o rastreamento visual, alcançar, rebater, agarrar e afinar a coordenação motora. O brinquedo sobre o qual escrevi em meus registros oficiais de seu progresso. De repente, minhas lágrimas não puderam ser contidas.

Em meio a minhas lágrimas, consegui abraçar sua mãe e seu pai em prantos – um abraço real, verdadeiro, forte e significativo. Aquele abraço dizia que considerava Ella maravilhosa, que realmente gostava dela de verdade, e sentiria falta dela. Nosso abraço físico foi a linguagem especial das pessoas que se atreveram a se conectar com a maravilha, com a alegria e com o brilho da vida frágil de Ella.

Meu trabalho envolve servir, demonstrar valor e amar bem, especialmente em momentos de perda. Não creio que poderia suportar este trabalho sem minha fé cristã. Ficaria esmagada pelo peso do lamento. Faço meu trabalho melhor quando sinto um profundo senso de propósito e conexão em meus relacionamentos com os pacientes. Enfrentar a dor, demonstrar valor e escolher pela conexão são maneiras de expressar minha fé ao trabalhar. Demonstro às famílias através do meu tempo, ações, compaixão e terapia que o seu ente querido é importante, especial, valioso e apreciado.

Ella morreu na Páscoa, mas ainda há esperança. Há esperança na ressurreição. Há esperança em abraços que curam. Há esperança no peso de conexão profunda, especialmente quando esta é dolorosa. Há esperança quando nos sentamos em espaços tenros cheios de medos e perguntas e escolhemos entrar bravamente na vida e na história de outra pessoa.

Traduzido por João Pedro Cavani.

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