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E Se Meu Trabalho Não For Minha Paixão?

Aquilo que mais me apaixona não rende muito. Seria correto ter um “emprego durante o dia” que seja menos estimulante mas que me permita pagar as contas e ainda seguir minha paixão como algo adicional (que eventualmente poderia se transformar em algo mais permanente)?

“Escolha um emprego que ame e não terá que trabalhar nem um dia em sua vida”. É comum ouvir esse provérbio repetidamente, presumindo ser uma verdade universal, sem analisar sua validade, No entanto, recentemente investiguei a origem desta citação, a ciência por trás da paixão e do trabalho, e o que o cristianismo tem a dizer sobre tudo isto. Se por acaso encontrar a nossa paixão não for de fato, um caminho para a satisfação vocacional, então o que o seria?

Uma pesquisa rápida no Google mostra uma controvérsia sobre a origem desta citação: algumas fontes a atribuem a Confúcio, outras a um professor não identificado, citado por um outro professor de Princeton em 1982. Tanto faz se ela foi originada por um filósofo oriental há dois mil anos atrás ou por um acadêmico norte-americano há trinta anos, a aparição desta citação como um mantra na busca de emprego aumentou significativamente nos últimos dez a vinte anos. Na época em que eu estava procurando meu primeiro emprego de tempo integral, em 1989, no setor de aconselhamento de carreira na minha faculdade, não me fizeram nenhuma pergunta sobre minhas maiores paixões. Pode ter certeza que meus pais também não o fizeram. A preocupação deles era: “Você encontrou um emprego? Quando começa? Rende o suficiente para a sustentar?”

No entanto, nos últimos anos, quase todas as pessoas com quem conversei sobre emprego — tenham elas vinte e poucos anos e estejam procurando um estágio, ou cinquenta e estejam procurando uma transição para a diretoria executiva — de alguma forma fazem referência à paixão como uma parte da sua busca por emprego. As estatísticas de pesquisa Google confirmam esta tendência: desde 2010, as buscas na internet por “paixão no trabalho” mais do que dobraram, e os trabalhadores nos Estados Unidos apresentam uma probabilidade maior de se interessarem pelo tema.

Ao mesmo tempo, a agência de pesquisas Gallup revela que mais de dois terços da mão-de-obra norte-americana se considera não-engajada (51%) ou amargurada (16%) no trabalho. Se cada vez mais pessoas estão buscando sua paixão no seu trabalho e, ainda assim, a maioria está insatisfeita, onde está o ponto de desconexão? Minha proposta é que tanto as ciências sociais quanto a Palavra de Deus refutam a paixão como um dos critérios de maior relevância na procura de emprego.

Aqui estão quatro princípios para manter em mente:

1. “Encontrar sua paixão” pressupõe que a paixão é uma qualidade fixa e/ou inerente, mas as pesquisas das ciências sociais sugerem que ela está mais para uma qualidade mutável e em desenvolvimento constante.

Ver a paixão como uma coisa “fixa e estática” pode ser limitante. Recentemente, cientistas sociais de Stanford e da Universidade Nacional de Cingapura-Yale publicaram um artigo argumentando que paixões são cultivadas e não descobertas. O estudo alega que “estimular pessoas a descobrirem sua paixão pode levá-las a colocar todos os ovos na mesma cesta, mas depois acabar deixando cair esta cesta quando ela se torna difícil demais para carregar”.

2. Quando as paixões são canalizadas para o trabalho, muitas vezes elas não se revelam na forma de dons e habilidades.

Por exemplo, todos nós conhecemos pessoas que gostam de cozinhar e podem até se considerar apaixonadas por comida e culinária. Será que elas deveriam abrir um restaurante? Quantas delas têm habilidades ou dons naturais para gerenciar um grande número de pessoas com vários níveis educacionais, têm o controle emocional para trabalhar sob intensa pressão de tempo e têm ainda a perspicácia financeira para criar um negócio lucrativo em uma indústria de baixa margem de lucro?

3. A ciência mostra que transformar uma paixão em um trabalho remunerado pode fazer com que ela perca seu prazer inerente.

“Pesquisas mostram que ser pago para fazer algo pode tornar esta coisa menos significativa para nós”, escreveu David Silverman, um executivo sênior de uma das 500 maiores empresas dos EUA. “Quando transformamos algo agradável, tal como montar um quebra-cabeça ou tricotar uma peça de roupa, em uma atividade remunerada, tornamos horas de um esforço livre e gratuito em uma mercadoria. Não é mais um trabalho por amor, trata-se de US$ 10 por hora. A natureza intangível do prazer que derivamos desta atividade se perde totalmente”.

4. As Escrituras revelam que, embora Deus nos tenha criado para dominar e criar um desenvolvimento produtivo, todo o trabalho inclui labuta, independentemente de seu alinhamento com nossos interesses e dons.

Usando uma linguagem secular, “trabalho” é chamado de “trabalho” porque é “trabalho”. As únicas pessoas que conheci que diziam que “nunca trabalharam nem um dia em suas vidas” são aquelas que estavam relembrando e refletindo sobre suas carreiras passadas — e talvez se esquecendo das dificuldades, do mesmo jeito que uma mãe se esquece da dor do parto. Mas aqueles que estão nas trincheiras, não importa o quanto se sintam “chamados” ou adorem seu trabalho, quase sempre admitem que há desafios e quebrantamento.

Portanto, se nossas paixões podem evoluir ao longo do tempo, se às vezes elas estão divorciadas de nossas dádivas naturais, e ainda podem perder sua capacidade de gerar prazer quando se tornam em trabalho remunerado, o que devemos considerar na escolha de emprego?

De todos os livros que li sobre discernimento de carreira, acho que uma seção do livro “The Call” [O Chamado] de Os Guinness é incrivelmente esclarecedora e encorajadora. Primeiro, Guinness nos encoraja a pensar em ter um “Chamador” antes de receber um “chamado”. Portanto, será que ao considerar seu trabalho e suas paixões você está considerando o que Aquele que o chamou quer para você e como você pode servi-Lo no avanço do seu Reino?

Guinness prossegue explicando que todos nós estamos aguardando nosso “chamado” por meio de um megafone, mas poucos o recebem com tal clareza. Portanto, sem ter certeza absoluta, devemos considerar nossos dons e circunstâncias. Avaliar nossas habilidades e nossas situações nos permite uma inspiração e uma esperança vocacional incríveis, e ao mesmo tempo em que honramos necessidades financeiras, relacionamentos, limitações geográficas, acesso educacional e muitos outros fatores.

Portanto, tendo feito esta longa digressão para responder à sua pergunta, eu apoio fortemente que você tenha “um ‘emprego durante o dia’ menos estimulante mas que lhe permita pagar as contas e seguir sua paixão como algo adicional”. Existem pessoas que realmente curtem seu trabalho? Com certeza, mas devemos parar de buscar isto como um alvo obrigatório.

Eu o encorajo a avaliar os seguintes pontos:

  • Quais são seus dons e habilidades inatos? Você sabe quais são? Existem muitos testes de aptidão disponíveis, mas um que é muito acessível on-line e tem um custo baixo é o YouScience [N.T. Somente disponível em Inglês]. Nele, pode-se aprender como suas aptidões individuais o qualificam adequadamente para milhares de empregos.
  • Quais são suas circunstâncias imediatas? Considere a sua situação financeira, seus relacionamentos, sua localização geográfica e nível educacional.
  • Quais destas circunstâncias você quer mudar e quais você considera fixas?
  • Considerando sua situação atual, as circunstâncias futuras que você deseja e suas habilidades únicas, como é que “o Chamador” o incentiva a trabalhar?
  • Que tipos de oportunidade existem no seu “emprego durante o dia” que, apesar de menos estimulante, permitiria que você servisse ao trabalho, ao invés de procurar um trabalho que o sirva, tal como Dorothy Sayers perguntou no seu livro “Why Work” [Por Que trabalhar]?

Sou grata por vivermos em um mundo onde ao diálogo sobre a realização e a satisfação vocacional é sequer possível, já que o privilégio de escolher um emprego é uma oportunidade de primeiro mundo, que reflete um movimento da escassez para a abundância. Embora Deus possa nos dar a oportunidade de trabalhar para Ele em nosso “ponto ideal”, devemos reconhecer e ser mordomos da dádiva desta escolha, lembrando-nos de que nossa única verdadeira satisfação está nEle.

Traduzido por David Bello.

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