×
Procurar

Quando se trata da questão de como pregar, não há falta de livros, artigos e posts de blogs que oferecem aconselhamento e orientação. E uma vez que você começa a peneirar estes materiais, se torna evidente que não há falta de desacordo sobre as particularidades da tarefa de pregação.

Com esse contexto mais amplo em mente, hesito em entrar na briga sobre a metodologia da pregação.  Mas, há uma pergunta que meus alunos sempre me fazem, e por isso pensei que seria útil abordá-la.  E esta pergunta é: “Devo pregar a partir de um manuscrito completo?”.

Por “um manuscrito completo”, eles querem dizer escrever o sermão deles exatamente como eles o pregariam, palavra por palavra.

Esta é uma questão particularmente comum entre os alunos de seminário, porque (a) estão recebendo conselhos conflitantes sobre o assunto; e (b) muitas vezes estão um pouco temerosos sobre aquela primeira experiência de pregação.

Mas, acho que é possível progredir nesta questão se uma distinção importante for mantida, a saber, a diferença entre escrever um manuscrito e usar um manuscrito.  A primeira é um exercício muito útil e vale a pena (em especial para os pregadores mais jovens).  A última, na minha opinião, pode prejudicar seriamente o desenvolvimento dos pregadores, bem como a eficácia da entrega do sermão.

Os benefícios de escrever um manuscrito completo são muitos.  Isto obriga o pregador a pensar claramente sobre cada um dos seus pontos e como desenvolvê-los, ajuda o pregador a pensar sobre transições entre pontos (algo muitas vezes esquecido), ajuda a manter o sermão dentro do prazo desejado, e as palavras exatas permitem maior precisão teológica.

E, além de tudo isto, escrever um manuscrito completo permite ao pregador recuperar o seu sermão vários anos mais tarde e pregá-lo de novo sem ficar se perguntando o que foi dito originalmente.

Mas, quando se trata de usar um manuscrito no púlpito, existem sérias desvantagens.

1. Isto (quase) inevitavelmente conduz à “pregação na bolha”

Tendo visto inúmeros seminaristas usarem manuscritos ao longo dos anos, eles quase sempre (há algumas exceções) acabam lendo o texto. Se temos o texto completo em frente de nós, palavra por palavra, e já estamos preocupados com o que vamos dizer, então a leitura inevitavelmente ocorrerá.

E quando um pregador lê um manuscrito, isso quase sempre leva ao que eu chamo de “pregação na bolha”.  Isto é, quando o pregador está em sua pequena bolha própria, lendo sua mensagem linha por linha, com virtualmente nenhuma conexão com o público externo. Claro que ele faz aquele contato com os olhos, sugere-se a cada sete segundos ou algo assim, mas ninguém realmente sente uma ligação vibrante com a pessoa enquanto ele está pregando.

“Pregação na bolha” é quando um pregador poderia estar no santuário completamente sozinho e não seriamos capazes de saber a diferença – a entrega do sermão seria exatamente igual.

Claro, há sempre exceções em relação à esta questão.  Alguns são tão excepcionalmente talentosos, que são capazes de ler um manuscrito sem soar como se estivessem lendo um manuscrito.  Outros são capazes de ter um manuscrito no púlpito, mas (de forma sobre-humana) resistir à vontade de lê-lo.

Se estas exceções se aplicam a você, então sinta-se livre para continuar usando um manuscrito. Mas, para o resto de nós, meros mortais, precisamos de outra alternativa.

2. Isto prioriza excessivamente o conteúdo

Deixe-me esclarecer: quando se trata de pregar, o conteúdo é chave.  Como pregadores, temos uma mensagem a entregar e precisamos entregar esta mensagem corretamente.  Mas, a preocupação com o conteúdo pode dominar tanto um sermão, que há pouca consideração dada a como (ou por quê) as pessoas recebem o conteúdo.  Não estamos fazendo nosso trabalho se o conteúdo estiver correto, mas o mesmo não for ouvido devido à uma entrega ruim.  Bom conteúdo não importa se ninguém o está escutando.

Pregadores que são capazes de sair de suas bolhas, de fazer contato visual real e de se envolverem com a congregação podem ser, paradoxalmente, mais eficazes na entrega de seu conteúdo do que aqueles que usam um manuscrito.

Se me for dada a escolha entre uma entrega perfeita, palavra por palavra, numa bolha, e uma entrega imperfeita mas fora da bolha, escolherei esta última.

3. Isto retarda o desenvolvimento dos pregadores

Levantar-se e ler um manuscrito todos os domingos, impede que a maioria dos pregadores aprendam a falar de improviso.  Isto dá ao pregador menos oportunidade de aprender a falar extemporaneamente.  Por que tais habilidades são necessárias?  Por um lado, como mencionado acima, creio que estas habilidades fazem dele um comunicador mais eficaz, e que está mais diretamente envolvido com a sua congregação.

Mas, estas habilidades também são necessárias porque um pastor nem sempre tem um manuscrito a sua frente, quando é obrigado a falar fora do púlpito.  Em uma situação de aconselhamento, por exemplo, onde um pastor está aplicando a Palavra de Deus a um problema particular, ele não pode preparar um manuscrito com antecedência.  Ele deve aprender a se comunicar de forma clara, convincente e persuasiva, sem absolutamente nenhum manuscrito.

Ou talvez alguém fazendo perguntas a ele numa classe da Escola Dominical, as quais exigem respostas não planejadas.  Ou talvez ele esteja testemunhando ao seu vizinho e tenha que explicar doutrinas importantes rapidamente. Nenhuma destas situações permitem a ele o luxo de um manuscrito, e no entanto, ele tem que falar.

Alguém poderá argumentar que não tem o conjunto de habilidades para falar mais extemporaneamente. Tudo bem.  Mas a questão não é se você tem as habilidades hoje, mas como você vai desenvolver estas habilidades no futuro. E estas habilidades não serão desenvolvidas se continuar a usar um manuscrito completo.

4. Não leva em conta a diferença entre comunicação escrita e oral

Um dos principais obstáculos para se escrever um sermão é que muito pouca gente pode escrever um sermão num tipo de linguagem que possa efetivamente ser usada na pregação.. O que caracteriza a comunicação escrita efetiva não é sempre o que caracteriza a comunicação oral efetiva. Na verdade, são muitas vezes como duas línguas diferentes – o ritmo, o estilo, a cadência, e até mesmo o vocabulário podem ser notavelmente diferentes.

É por isso que a leitura de um manuscrito de sermão raramente funciona.  A leitura, simplesmente não soa como a pregação soa.  Bem, soa como leitura. São dois gêneros diferentes.

À luz destas quatro preocupações, gostaria de sugerir uma alternativa ao uso de um manuscrito completo.  Ao invés de fazer isto, incentivo meus alunos a usar um esboço detalhado.  Isto é mais do que a única (pequena) página de anotações que Spurgeon levava para o púlpito. (Quando perguntado se ele escrevia seus sermões, Spurgeon fez aquela brincadeira famosa: “Prefiro ser enforcado!”).

Não, ao contrário de Spurgeon, estou referindo a várias páginas de anotações detalhadas. E, eu argumentaria, um esboço tão detalhado assim, demonstra uma preocupação tanto com o conteúdo quanto com a entrega do sermão.

No aspecto de conteúdo, o esboço fornece facilmente as instruções necessárias para se explicar cuidadosamente as questões teológicas e textuais.  Além disso, o fato de que o esboço é detalhado (e não somente os itens de maior ênfase) ainda permite que um pastor volte ao manuscrito mais tarde e saiba o que ele pregou pela primeira vez.

No aspecto de entrega do sermão, um esboço não permite leitura fácil como um manuscrito. De fato, não se pode apenas ler um esboço (senão eles se tornariam sem sentido). Assim, o pregador é forçado a articular o ponto mais completamente em suas próprias palavras. E isto ajuda a desenvolver a capacidade de falar em público do pregador, para não mencionar a sua ligação à congregação.

Claro, a simples existência de um esboço, não impede que um pregador mantenha a cabeça abaixada, preso às suas notas.  Mas, pelo menos, ele não é obrigado a fixar a cabeça em suas notas (que é em grande parte o caso quando se lê o sermão).  Um esboço, pelo menos, cria mais oportunidades naturais para contato visual e conectividade congregacional.

No final, a decisão sobre o uso de um manuscrito não é fácil. Há grandes pregadores que usam um manuscrito completo.  E há grandes pregadores que não o fazem. E assim pode-se chegar a conclusões diferentes a este respeito.

Mas, ainda tenho que dar uma resposta aos meus alunos.  Eles querem saber qual método é o mais eficaz no desenvolvimento dos pregadores.  Não escritores, mas pregadores.  E a resposta para esta pergunta, estou convencido, não é encontrada em manuscritos completos de sermões.

Originalmente publicado em michaeljkruger.com

Traduzido por João Pedro Cavani.

CARREGAR MAIS
Loading