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Desconstrua Sua Cultura, Não Sua Fé

Muitos dos meus amigos e membros da igreja que fazem uma jornada de desconstrução não estão tentando perder a fé. Eles não querem chegar a um lugar livre de Jesus. Querem somente compreender a fé em que foram criados e deixar para trás as coisas que são obsoletas ou opressivas. Eles realmente querem uma fé mais forte, não nenhuma fé—ou seja, querem mais de Jesus, não menos.

Se isso o descreve, aqui está algo para se pensar: a desconstrução não é o que você realmente está procurando e sim a desculturação.

A desculturação é o processo usado por missionários para diferenciar o evangelho da cultura. Quando se mudam de uma cultura para outra, os missionários visualizam que o evangelho é como um núcleo protegido por uma casca exterior (a cultura). Seu trabalho é assegurar que o núcleo do evangelho possa ficar livre para entrar em novas culturas sem que esteja presa à sua antiga casca. Isso remonta ao livro de Atos, quando a igreja primitiva precisou diferenciar o evangelho do judaísmo ao entrar na cultura gentia.

Da mesma forma, talvez você necessite diferenciar o evangelho da subcultura evangélica. Já passei por esse processo! Não cresci no meio evangélico, mas me tornei cristão quando cursava uma escola evangélica no ensino médio. Eu me apaixonei pelo evangelho lá ensinado, mas também pude perceber que aquele mundo evangélico tinha muita cultura que não fazia parte do evangelho. Aprender a “desculturar” o evangelho do meio evangélico não só salvou minha fé, como me ajudou a amar mais o evangelho.

Se você quiser começar uma jornada de desculturação ao invés de uma jornada de desconstrução, aqui estão dicas de como começar.

1. Aprenda a Enxergar a Cultura

Tal como um peixe na água que não se sente molhado, muitas vezes não reconhecemos nossa cultura, isto é, as linguagens e histórias que explicam nosso mundo. As culturas promovem hábitos daquilo que compõe uma vida boa e mecanismos de defesa que rechaçam questionamentos de pessoas de fora. Elas exaltam celebridades que exemplificam seus ideais. No entanto, tendo feito tudo isso, as culturas fazem um movimento sorrateiro: elas fingem que não existem. Se apresentam simplesmente como “o jeito que as coisas são”. Mas a cultura está sempre presente, e ela sempre desempenha um papel em nossa experiência de fé.

Isso significa que o primeiro passo é aprender a enxergar a cultura e seu poder. Amigos meus que cresceram dentro da subcultura evangélica só começaram a duvidar do cristianismo depois que saíram dela. Coincidência? Provavelmente não. A subcultura havia escorado a fé deles.

Mas isso também significa que a cultura contribuiu para seus questionamentos recém-chegados. O que muitos chamam de dúvida é, na verdade, uma mudança de cultura que desloca as antigas estruturas de plausibilidade. O que muitos chamam de “desconstruir a fé” é, na verdade, uma mudança de local de cultura que faz a pessoa repensar antigos pressupostos. Quando se aprende a enxergar o poder da cultura, pode-se ver o que realmente está acontecendo: aprendemos o cristianismo em uma cultura e agora nos mudamos para uma nova cultura. Portanto, o primeiro passo é reconhecer a situação pelo que ela é: uma tensão causada por uma mudança de cultura e não necessariamente pelo cristianismo.

2. Debater-se Com os Problemas Certos

Ter dúvidas pode causar desorientação. Embora a desculturação não irá poupá-lo dessa luta ela pode direciona-la corretamente. Ao diferenciar o núcleo do evangelho de sua casca cultural, a desculturação diz: “Debata-se com problemas do núcleo”.

Quando terminei o curso de ensino médio na escola cristã, comecei a me debater com o problema da justiça de Deus. Havia aprendido sobre a santidade de Deus e sobre a pecaminosidade de todas as pessoas, mas fazer amizades com não cristãos atenciosos foi uma experiência surpreendente. Eles não me pareciam tão ruins assim, porém a doutrina do justiça de Deus de repente começou a me parecem bem ruim.

Ao refletir sobre isso, vi que parte da minha luta era bíblica e outra meramente cultural. O Novo Testamento ensina que o Senhor julgará os vivos e os mortos por um homem que ele designou (At 17.31; Rm 2.5-16). Jesus usou imagens como “inferno de fogo”, “choro e ranger de dentes” e “trevas” para descrever como é estar fora de seu reino (Mt 5.22; 8.12; 22.13). Não havia como contornar esse pano de fundo do evangelho.

No entanto, parte da minha repulsa se devia à forma como me haviam ensinado sobre a justiça de Deus dentro da subcultura evangélica: sermões agressivos concentrados mais em como escapar do inferno do que em conhecer Deus. O pecado era retratado de formas grotescas e caricatas. O hálito do pregador cheirava a escárnio.

Por anos, tentei reaprender aquilo que a Bíblia diz (o núcleo) enquanto apagava as vozes dos pregadores na minha cabeça (a casca). Também busquei professores que explicam a justiça de Deus de forma bíblica mas que não soam como aqueles evangelistas. Gradualmente, isso me levou a algumas descobertas surpreendentes. Vi como a justiça de Deus se relaciona com meu profundo desejo de viver em um mundo de justiça onde Deus torna todas as coisas para o bem. Pude ver isso pela primeira vez porque reaprendi essa doutrina fora da subcultura evangélica, de uma forma que respondeu às minhas dúvidas sobre ela.

3. Encontre uma Igreja que Diferencie o Evangelho da Cultura

A desculturação nos mostra que é possível diferenciar o evangelho da cultura, mas isso não significa que o evangelho pode ser vivenciado sem alguma cultura. O objetivo principal de libertar o evangelho de uma cultura é para que ele possa criar raízes em outra. Isso significa que nossa tarefa não é encontrar um cristianismo livre de cultura—algo que não existe. Ao contrário, nossa tarefa é aprender e viver a fé dentro de nossa cultura atual.

Em termos práticos, como fazer isso? As igrejas incorporam o evangelho dentro de uma cultura específica. Quando aprendemos a enxergar a cultura, é inevitável notar que cada igreja tem sua própria. As melhores igrejas são conscientes desse fato. Elas deixam o evangelho moldar a cultura da igreja. Elas ensinam o evangelho de uma maneira que se conecta com a cultura fora da igreja. Elas instruem seus membros a viver na cultura circundante de uma forma distintamente cristã.

Procure por uma dessas igrejas e envolva-se com ela. Uma igreja que ama o evangelho e a cultura circundante tem prazer em receber pessoas que se debatem com questões difíceis sobre o cristianismo. Isto se nota nas posturas, nos sermões e nos líderes.

4. Tenha a Expectativa de Ver o Evangelho com Novos Olhos

Quando se separa o evangelho de sua casca cultural e o levamos para uma nova cultura, muitas vezes este brilha de novas e bonitas maneiras.

Um dos meus exemplos favoritos é um renomado sermão de Matt Chandler. Chandler, um pastor no Texas, descreveu um evento constrangedor do ministério de jovens na década de 90 sobre a abstinência sexual. O pregador pediu para passarem uma rosa por toda a audiência até que ela voltou destroçada—uma analogia para o que acontece com pessoas que dormem por aí. “Agora, quem iria querer essa rosa?”, o pregador zombou. E a moral da história de Chandler é esta: “Jesus quer essa rosa! Esse é justamente o ponto principal do evangelho!”

Por que isso é tão poderoso de se imaginar? Porque muitos na audiência de Chandler cresceram no movimento de pureza evangélica. Eles não aprenderam apenas a ética sexual bíblica; aprenderam dentro de um ambiente que dependia do medo, da pressão, da vergonha e da força de vontade. Dentro desse mundo, a ética sexual cristã parecia uma má notícia penosa. Pior ainda, muitos que pecaram sexualmente começaram a se sentir sem esperança, já que a cultura da pureza tendia a obscurecer a graça de Deus.

Como Chandler sabia disso tudo? Ele havia saído fora de sua subcultura. Ele prefaciou a história contando sobre uma mãe solteira que mantinha um caso extraconjugal. Chandler tinha feito amizade com ela e a convidado para o evento naquela noite, sem saber que haveria um sermão sobre sexo. Assim que a pregação começou, ele sabia que envergonharia sua amiga e a afastaria ainda mais de Deus. Muitos ouvindo o sermão de Chandler vivenciaram a mesma coisa. Mas quando Chandler bradou “Jesus quer a rosa!”, ele colocou a cultura de pureza no balde de “ignore”, e o evangelho ficou livre para brilhar em toda a sua beleza.

Sei que os mesmos benefícios da desculturação estão disponíveis para você. Não desconstrua sua fé. Ao invés disso, desculture-a.

Traduzido por Rebeca Falavinha.

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