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Os relatos do batismo de Jesus nos Evangelhos são diretos: Jesus foi batizado por João, o Espírito desceu como pomba, o Pai anunciou seu prazer. Ao mesmo tempo, estes relatos concisos são retratos alusivamente densos, resplandecentes com a ressonância do Antigo Testamento, em várias camadas.

Ao ouvirmos os ecos das Escrituras no batismo de Cristo, ao nadarmos nas correntes bíblicas que convergem no rio Jordão, começamos a apreciar este evento revelador que olha para trás, para os atos fiéis de Deus na história, e ao mesmo tempo aponta para a obra de Cristo na cruz.

A Nova Criação

Em Gênesis 1, Deus gerou a criação através das águas do caos, enquanto o Espírito paira sobre a face do abismo — tal como um pássaro — e Deus viu que isto era bom. Este mesmo nexo de temas emerge, intensificado, no relato do dilúvio de Gênesis 6–9. A criação morre sob as águas caóticas do julgamento divino e ressurge novamente, sua recriação abençoada confirmada por uma pomba e pela palavra divina. Noé lidera um remanescente através do dilúvio de ira à uma nova criação, comissionado como chefe de uma nova humanidade—um segundo Adão.

Jesus também foi coberto pelas águas do julgamento. Ele se levanta do rio, o Pai expressa seu deleite, e o Espírito repousa sobre ele como uma pomba—como a pomba de Noé, sinalizando que Jesus é ele mesmo, a nova criação em quem e por quem todo o cosmos será restaurado. Em seu batismo, Jesus reencena a história do mundo.

E tal como Noé na arca conduziu sua família através da tempestade da ira de Deus, Jesus oferece passagem segura através do julgamento, escondendo os filhos de Deus em si mesmo para resgatá-los pela graça. Com sua morte e ressurreição, Jesus—o cabeça da aliança da nova humanidade de Deus e toda a criação—é apresentado como aquele que traz a verdadeira ressurreição à criação e une um remanescente a si mesmo, levando-os à nova criação sendo eles novas criaturas também.

O Novo Êxodo

O momento decisivo da existência de Israel foi seu êxodo do Egito, um novo evento de criação por si só. Deus libertou seu povo do cativeiro através de uma peregrinação pelo mar, levando Israel à liberdade, enquanto as águas de sua salvação caíram como um dilúvio de julgamento sobre seus perseguidores, guiando seus pequeninos “como a águia… voeja sobre seus filhotes”(Dt 32.11; cf. Ex 19.4). Saindo das águas e entrando no deserto, Israel enfrentou um teste e tentação, rendendo-se ao descontentamento, à rebelião e à idolatria.

No entanto, o tempo de perambulação que começou com um êxodo, terminou com um outro êxodo. Às margens do Jordão, Josué liderou a nação através do rio até Canaã—a terra da promessa e de repouso—encarregados de expulsar os ímpios idólatras da terra para que o santo Deus habitasse entre seu povo adorador.

Todas as imagens de águas de Israel são refletidas em Jesus, ao ele passar do rio para o deserto, guiado pela pomba do Espírito. O batismo de Jesus é um êxodo, e Jesus é um novo Moisés, vindo para abrir um caminho para seu povo, da escravidão do pecado e da morte para a liberdade da vida com Deus.

Mas este novo Moisés também refez os passos de Josué. Jesus, cujo nome é Josué em grego, emergiu do Jordão e entrou em Israel anunciando a manifestação do reino de Deus. Ele imediatamente batalhou contra Satanás, resistindo à sua tentação e por seu ministério, fazendo recuar o reino das trevas. Tal como o antigo Josué que conduziu Israel à terra prometida de repouso de Deus, Jesus irá conduzir seu povo à Canaã, concedendo-lhes descanso de suas obras e transformando toda o planeta, na terra santa da promessa, um reino onde Deus possa habitar conosco.

O Novo Israel

Jesus é o líder de Israel, mas ele também é Israel em si, o singularmente justo membro do povo da aliança de Deus. Enquanto que Israel passou pelas águas para logo mais se curvar perante seus ídolos e murmurar contra Deus, enquanto que Israel desobedeceu ao chamado de Deus do outro lado do Jordão para expulsar a adoração falsa da terra, o Jesus batizado fielmente se apega à Palavra de Deus durante a tentação (neste processo recorrendo aos mandamentos relacionados ao deserto de Deuteronômio 6–8) e luta implacavelmente contra o domínio e o engano do Diabo.

A declaração do Pai sobre seu Filho confirma a identidade de Jesus como representante de Israel: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo”. As reverberações do Salmo 2.7 e Isaías 42.1 anunciam que Jesus é simultaneamente o Messias real e o servo sofredor ungido pelo Espírito, que viverá e morrerá como o cumpridor da lei, em substituição a pecadores. Ele reinará em retidão sobre um reino de paz e, ao fazê-lo, cumprirá o chamado de Israel para derramar bênçãos sobre as nações (note o foco nas nações tanto no Salmo 2 quanto em Isaías 42).

De maneira a nos deixar perplexos, Marcos detalha que Jesus “estava com as feras” (Marcos 1.13) após o Espírito ter descido sobre ele como uma pomba e tê-lo impelido para o deserto. Mas isso também tem suas raízes no Antigo Testamento. Lamentando a destruição e o exílio após o cerco de Jerusalém pela Babilônia, o Salmo 74.19 clama: “Não entregues a vida da tua pomba aos animais selvagens; não te esqueças para sempre da vida do teu povo indefeso (NVI).”

Quando Jesus, assinalado pela pomba, é enviado entre as feras, o verdadeiro israelita está incorporando o exílio de Israel, simbolicamente recebendo o julgamento de Israel e em fidelidade merecendo a bênção da aliança de Deus. Deus não se esqueceu da vida de seus indefesos. O exílio de Israel estava chegando a um final tão esperado, ao servo ser fiel à aliança com Deus, ao rei se preparar para assumir seu trono.

O Prelúdio à Cruz

Os fluxos bíblicos que se unem no rio Jordão, vão diretamente em direção ao Gólgota. O batismo de Jesus é uma recapitulação multifacetada dos atos de Deus na história que, agora repleta de significado, é também uma representação prévia da obra de Deus na cruz—uma abertura que sintoniza nossos ouvidos aos temas vindouros, uma pista para o significado da vinda de Jesus.

A dinâmica do batismo de Jesus é a dinâmica da cruz de Jesus (cf. Lc 2.50). Em ambos, o substituto justo submete-se a um dilúvio de julgamento, descendo ao lugar reservado aos pecadores, para ser então elevado e vindicado por Deus. O ministério público de Jesus começa e termina com morte e ressurreição.

Esta perspectiva nos ajuda a apreciar o que acontece na sexta-feira santa e o que é oferecido à igreja—aqueles que foram batizados em Cristo—através das boas novas. A cruz é o dilúvio de julgamento, da qual Jesus se ergue como a nova criação, e nós, que nele estamos ocultos, ressuscitamos como novas criaturas (2Co 5.17), levados pela graça à segurança e preparados para o mundo renovado de Deus. A cruz é o êxodo de Jesus (Lc 9.31) e Seu triunfo (Cl 2.15) pela qual ele nos liberta da nossa escravidão mortal para o descanso, para os novos céus e a nova Terra onde iremos morar com Deus. A cruz é o exílio de Jesus, onde o representante justo sofre uma maldita alienação para nos restaurar do exílio e inaugurar um reino no qual todas as nações possam encontrar sua bênção e seu lar.

As águas do batismo de Cristo são um reservatório de alegria. Beba profundamente.

Traduzido por Marq.

 

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