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Deus sabe de todas as coisas. Para muitos cristãos, esta afirmação teológica fez parte de nossas formações básicas na escola dominical. Mas essa também tende a ser uma dessas doutrinas que afirmamos sem pensar muito sobre o que ela significa para nossa vida cotidiana.

Na Bíblia, a onisciência de Deus tem profunda importância prática. Ela não é apenas uma verdade abstrata, mas uma fonte de segurança, confiança, recompensa e motivação. Em 1 João 3.20, por exemplo, o apóstolo escreve: “maior é Deus do que o nosso coração, e conhece todas as coisas.”. O que mais podemos aprender com essa doutrina?

A fim de melhor compreendermos a onisciência de Deus e suas ramificações práticas, me correspondi com Gregg Allison, professor de teologia cristã no Southern Baptist Theological Seminary, secretário da Evangelical Theological Society, presbítero da Sojourn Community Church e estrategista teológico para a Sojourn Network. Allison é o autor de duas obras importantes, “Historical Theology: An Introduction to Christian Doctrine” (Zondervan, 2011) [Teologia Histórica: Uma Introdução à Doutrina Cristã] e “Sojourners and Strangers: The Dotricne of the Church” (Crossway, 2012) [Peregrinos e Estrangeiros: A Doutrina da Igreja], com um livro adicional, “Roman Catholic Theology and Practice: An Evangelical Assesment” (Crossway, 2014) [Teologia e Prática Católica Romana: Uma Análise Evangélica], a ser lançado este mês.


O que é a onisciência de Deus e onde ela é ensinada na Bíblia?

Onisciência é o atributo divino de saber de tudo: Deus sabe todas as coisas. A própria palavra vem do latim (omni, todos; scientia, conhecimento), indicando a natureza abrangente do conhecimento de Deus. Tal conhecimento é afirmado ao longo de toda as Escrituras, seja recitado poeticamente (Salmo 139.1-6.) quanto retratado narrativamente (Gn 18.9-16), com a expressão mais simples sendo “Deus conhece todas as coisas” (1 João 3.20).

A onisciência divina inclui o seguinte: Primeiro, Deus conhece plenamente a si mesmo, seu infinito conhecimento englobando seu ser infinito. Como observam as Escrituras, o Pai conhece o Filho, e o Filho conhece o Pai (Mateus 11.27), e o Espírito Santo conhece todos os mistérios da Divindade (1 Co 2.10). Segundo, Deus conhece plenamente seu próprio decreto ou propósito eterno e todos os eventos que ocorrem como o desenrolar dessa vontade soberana (Atos 15.18).

Usando uma perspectiva humana e temporal, Deus conhece plenamente o passado, o presente e o futuro. Em terceiro lugar portanto, ele conhece plenamente o passado, que é tão vívido para ele quanto o presente. Portanto, o “esquecimento” de Deus em relação aos nossos pecados passados ​​se refere ao seu compromisso de não considerá-los contra nós (Hb 10.17). Em quarto lugar, ele conhece plenamente o presente, desde suas realidades mais grandiosas (como o número de estrelas no universo; Sl 147.4.) até seus menores detalhes (como o número de cabelos da cabeça de alguém a e a morte de um pardal; Mt 10.29-30). Em quinto lugar, Deus conhece plenamente o futuro, mesmo as decisões e ações provenientes do livre arbítrio de suas criaturas (por exemplo, o lar futuro de Israel na terra prometida, o nascimento de Isaque com Abrão idoso e Sarah estéril; Gn 15.16; 18.10).

Além disso, em sexto lugar, ele sabe plenamente todas as coisas reais, isto é, pessoas e eventos que realmente existem e acontecem; e, por fim, em sétimo lugar, ele conhece todas as coisas possíveis, isto é, todas as pessoas e eventos que poderiam existir e acontecer, mas que não existem ou acontecem (por exemplo, a possível resposta das pessoas que há muito se foram, se tivessem testemunhado os milagres de Jesus séculos depois; Mt 11.20-22).

Ao longo da história da igreja, o que os cristãos em geral acreditavam sobre o conhecimento de Deus sobre o futuro? Os eventos e as possibilidades futuras estão inclusas nesse conhecimento?

Rara e infelizmente, alguns se desviaram da visão histórica que expus e abraçaram a onisciência divina excluindo de sua gama de conhecimento, as decisões e ações das criaturas de Deus provenientes do livre arbítrio. Este ponto de vista, expresso no século 17 pelo Socinianismo e mais recentemente pelo teísmo aberto, se baseia nos conceitos do livre arbítrio libertário e do indeterminismo. Estes dois dizem que a vontade humana é livre de tal forma que não existem, e nem podem haver, condições causais (por exemplo, o divino decreto, a obra do Espírito Santo) que movam decisivamente a vontade em uma direção ou outra. Assim, em cada decisão e ação, uma pessoa poderia ter feito diferente.

Por conta dessa ideia de liberdade, os proponentes deste ponto de vista negam que Deus possa conhecer as decisões e ações que ainda estão por vir. Por exemplo, Deus não pode saber com certeza o que escolheremos do cardápio do restaurante quando lá formos comer daqui a dez semanas. Isto não seria um defeito em Deus: ele não saberia essas questões porque ele não poderia saber delas.

Mas tais limitações em relação à onisciência de Deus contradizem as Escritura e vão de encontro à posição histórica da igreja. O próprio Deus desafia rivais ao seu trono, (os chamados deuses ou ídolos) a provarem que são verdadeiros deuses: “Tragam-nas, e assim nos anunciem o que há de acontecer (…) mostrai-nos coisas vindouras. Anunciai-nos as coisas que ainda hão de vir, para que saibamos que sois deuses” (Is 41.22-23). Um critério da divindade é possuir a capacidade de prever o futuro. Deuses falsos e ídolos fracassam neste teste, mas o Senhor, que é onisciente, sabe até mesmo as futuras decisões e ações provenientes do livre-arbítrio de suas criaturas, demonstrando assim que ele é o verdadeiro Deus.

Suponha que seu amigo cético diga: “Não gosto da ideia de alguém saber tudo sobre mim, até mesmo Deus. Isto me deixa sem qualquer privacidade”. Como você responderia a ele?

Certamente estou de acordo de que a onisciência de Deus nos deixa totalmente expostos diante dele. Para aqueles que estāo desatentos ao pecado ou se sentem confortáveis com ele e querem viver nele sem a interferência de Deus, sua onisciência os deixa sem lugar para se esconderem. Que pensamento perturbador! Mas, para aqueles que estão sobrecarregados com o peso do pecado e querem escapar de suas garras, a onisciência de Deus significa que ele conhece plenamente seus corações arrependidos, suas súplicas por perdão e a entrega de suas causas a ele. Tal alívio dissipa a culpa perene e a vergonha incômoda.

Nas Escrituras, é dito que Deus sonda os corações (Sl 139.1-6, Jr 7.12, Rm 8.25). De que maneiras a sondagem de Deus e seu conhecimento profundo sobre nós, são fonte de conforto, como o foi para Davi no Salmo 139?

Baseando-se na resposta anterior, a onisciência de Deus nos conforta das seguintes maneiras. Quando adoramos a Deus “em espírito e em verdade” (João 4.23), ele sabe do nosso regozijo e reverência e se sente honrado. Quando confiamos e obedecemos a Deus em nossas vidas cotidianas, Deus sabe e se alegra em nossa fé e obediência, amando-nos profundamente (João 14.23). Quando andamos em boas obras, as quais Deus preparou para nós (Ef 2.10), ele conhece o nosso trabalho e sacrifício e nos usa poderosa e grandemente.

Como a meditação sobre como Deus nos sonda e sua onisciência implacável, pode nos ajudar a lutar contra pecados secretos? Como isto pode encorajar uma obediência secreta ou mal interpretada?

Tal meditação deve nos impedir de não levar a sério nossos pecados secretos ou de nos enganarmos a nós mesmos de que esses pecados escaparam da vista e do desagrado de Deus. Ela deveria levar-nos a prontamente crucificar essas atitudes erradas e ações pecaminosas secretas, rompendo com elas por meio da graça de Deus. Além disso, ela deveria nos impulsionar a nos arrependermos destes pecados e a abraçarmos o perdão que o nosso Deus onisciente nos fornece por meio de Cristo.

Ademais, tal meditação deveria nos levar a considerar a futura avaliação de Cristo sobre nós (2 Co 5.10), na qual os nossos pensamentos, palavras e ações secretas (Lucas 12.2-3) virão à luz. Se essas questões ocultas forem expostas como pecaminosas, perderemos potenciais recompensas. Mas, se essas coisas secretas forem reveladas como atos de obediência, mesmo que nenhum ser humano tivesse conhecimento delas ou as tivesse entendido, então o Deus que conhece cada ato secreto ricamente nos recompensará (1 Co 3.12-15).

Traduzido por Rebeca Romero.

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