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O Ministério dentro das culturas de honra e vergonha é um tópico amplamente discutido hoje. Demo-nos conta de que a maior parte do mundo e especialmente o Oriente, não pensa da maneira que pensamos. De certo modo, eles vivem em um sistema operacional completamente diferente, o que significa que missionários ocidentais devem adaptar sua linguagem padrão e “codificação” ao apresentar o Evangelho.

A consciência cultural é o primeiro passo, embora a adaptação cultural completa não seja necessariamente o objetivo seguinte. Assim é em qualquer contexto, ocidental ou não. Quando alguém tenta contextualizar a mensagem do Evangelho a uma determinada cultura. enfrenta perigos inevitáveis. ​ Portanto, embora tenha havido grandes avanços no evangelismo no que se refere aos contextos de vergonha e honra, pode ser que o pêndulo proverbial tenha ido longe demais.

Abaixo seguem cinco perigos que vejo para aqueles que procuram ministrar em contextos de vergonha e honra. Reconhecê-los nos protegerá da improdutiva correção exagerada.

1. Desconectar a Honra da Obediência

Sem dúvida, a predisposição ocidental afeta nossa leitura das Escrituras. Isto pode ser notado em uma interpretação comum de Romanos 3.23. Alguns simplesmente falam de errar o alvo ou de deixar de obedecer perfeitamente à lei de Deus. Mas não é isto o que Paulo escreveu exatamente. Pelo contrário, ele iguala o pecado com a glorificação imperfeita e incompleta de Deus.

Se desenterrarmos as raízes sujas da pecaminosidade humana e da morte, encontraremos a desonra. Adão e Eva não honraram a Deus nem ficaram gratos e por isso desobedeceram à sua palavra. Este é o padrão de toda a pecaminosidade (Rm 1.21). Fundamentalmente, o problema humano é o de não glorificar a Deus como Ele merece.

Mas o testemunho bíblico não termina aqui. João define sucintamente o pecado como transgressão à lei (1 Jo 3.4). Ao invés de ser uma contradição ao que Paulo escreveu, esta definição realmente nos ajuda a ver a ligação entre a honra e a obediência (veja Rm 1). Quando Adão deixou de honrar a Deus, ele transgrediu a lei.

Nós desonramos quando desobedecemos. À propósito, Jesus disse: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos.” (Jo 14.15). E Paulo reafirmou o quinto mandamento para honrarmos pai e mãe escrevendo: “obedecei a vossos pais” (Ef 6.1).

2. Ignorar as Raízes Bíblicas (Orientais) da Lei e da Culpabilidade

Um missionário uma vez me relatou que lei é basicamente um conceito ocidental, historicamente exclusivo a certas culturas. Mas a Bíblia deixa claro que os mandamentos e a culpabilidade são tão antigos quanto a humanidade. Além disso, a lei de Moisés é um antigo documento do Oriente Próximo – e mais que um mero artefato da cultura judaica. É efetivamente a Palavra de Deus.

Devemos reconhecer, então, que Deus sempre se relacionou com seu povo da aliança por meio de promessas e mandamentos. Em Adão, tal como em Cristo, Deus escolheu relacionar-se com toda a humanidade através de representaçāo e imputação. Portanto, a culpabilidade e a inocência são conceitos universais.

Além do mais, Paulo sugere que pela lei, o mundo inteiro é considerado culpável (Rm 3.19), mesmo que essa lei seja sua própria consciência testemunhando contra eles (Rm 2.14-16).

Se as pessoas não têm um sentimento de culpabilidade ou de vergonha diante dos justos requisitos da lei de Deus, isto não é um subproduto de uma cosmovisão imparcial, mas é uma rejeição ativa dos padrões de Deus. Demonstra um afastamento da revelação, seja ela natural ou especial.

Portanto, se nós como evangelistas evitamos falar sobre a lei e a culpabilidade em contextos de vergonha e honra, abandonamos um dos meios designados por Deus para revelar nossa necessidade de Cristo.

3. Cometendo o Erro que Se Deseja Corrigir

Assim como o Ocidente, de várias maneiras, tem se demonstrado cego ao significado da honra e da vergonha nas Escrituras, podemos cometer um erro similarmente notório nas culturas orientais, se ignorarmos conceitos de lei e de culpabilidade. Em outras palavras, os missionários correm o risco de cometer o mesmo erro que desejam corrigir.

Há que admitir que os cristãos ocidentais necessitam despertar para suas próprias inclinações em direção ao materialismo e ao consumismo. Necessitam ficar frente a frente com a profunda realidade bíblica da vergonha e da exclusão social. Por exemplo, necessitam enxergar que o que é infernal no castigo eterno é a separação da presença de Deus. Necessitam discernir a interdependência e o amor familial na igreja, ao invés do individualismo ou de um intelectualismo sem outros vínculos. De fato, poderíamos dizer que tais lições contraculturais não são terciárias, mas são fundamentais.

Mas se assim for, a mesma realidade é necessariamente verdadeira para nossos irmãos e irmãs em contextos de vergonha e honra. Se suas culturas originais são cegas para certos aspectos da revelação bíblica – especialmente aquelas tão fundamentais como a lei e a justiça e a culpabilidade e a imputação – então a solução não pode ser evitar tais conceitos.

4. Permitir que a Cultura, Não as Escrituras, Seja Normativa

Por trás de tudo isto está o antigo problema do sincretismo, quando o cristianismo não transforma a comunidade, mas simplesmente se conforma aos padrões ou estruturas existentes. No sincretismo, o cristianismo é acrescentado aos organismos religiosos e culturais predominantes, tal como um ramo enxertado. Pode ser que floresça – o que frequentemente acontece – mas o princípio orientador permanece na videira cultural original.

Na antropologia, nos referimos a normas culturais. Tal nomenclatura revela algo sobre a natureza da cultura: ela se torna uma lei (norma) por si só. Ela define os padrões. Produz valores e costumes. Ela impõe um comportamento adequado. Ela até normatiza nossas próprias percepções e emoções.

Mas para a comunidade cristã, este é o papel da Palavra de Deus. Quando a lemos, podemos tender a procurar por partes que se relacionam conosco, que se traduzem em nossa cultura. Mas jamais houve a intenção de que a Palavra de Deus fosse utilizada de maneira tão simplória. Na Igreja, é necessário que Cristo seja a norma dominante, e Ele governe sua Igreja através das Escrituras utilizadas adequadamente e corretamente interpretadas.

5. Deturpar o Discipulado Bíblico

Em outras palavras, a Bíblia não nos fornece apenas uma variedade de alternativas de discurso para nos comunicarmos em contextos díspares. Ao contrário, ela nos fornece uma análise abrangente pela humanidade da perspectiva de Deus. Ele nos ensina como devemos pensar sobre nós mesmos e sobre nossas culturas. O que significa que os paradigmas da inocência e culpabilidade – me refiro particularmente às profundas categorias teológicas da propiciação, da justificação, da imputação e da santificação – têm um lugar em nosso discipulado.

Dito isso, creio que seja útil contextualizar o Evangelho no evangelismo. Tal como Jesus e Paulo, devemos procurar pontes naturais para nosso público. Devemos falar uma língua que eles entendam. Devemos adentrar seu próprio âmbito. Devemos ser claros sobre o Evangelho, baseando-nos em sensibilidades culturais ou até mesmo em necessidades reconhecidas, sejam elas a impureza ou a impotência ou a escuridão ou a vergonha. O Evangelho é relevante a todas estas situações.

Mas isso não significa que devemos adaptar todo o discipulado cristão aos valores de uma dada cultura. Jamais devemos menosprezar a lei de Cristo ou a centralidade da obediência para seus discípulos. Se uma cultura minimiza a desobediência ou não tem categorias para a transgressão, a solução não é contornar o problema. A solução é ensinar aos crentes que honrar o Mestre significa seguir seus passos.

Traduzido por Felipe Barnabé.

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